América Latina
Revolta contra elites alavanca protestos na América do Sul
Onda de manifestações não se deve apenas às
desigualdades sociais, mas também à resistência às classes
privilegiadas, avaliam especialistas. Também falta confiança nos
partidos políticos.
Bolívia, Chile, Equador e agora Colômbia: na América Latina crescem
os protestos contra os governos. Eles nem afetam tanto países governados
autocraticamente, onde muitos esperavam uma maior exacerbação, como
Nicarágua e Venezuela, mas outros onde isso era menos esperado,
especialmente o Chile.
Antes conhecido como modelo na América do
Sul, o país está passando pelos maiores protestos desde seu retorno à
democracia. O que começou devido ao aumento relativamente insignificante
das tarifas do metrô evoluiu para um debate sobre a desigualdade e a
elaboração de uma nova Constituição.
Na Bolívia, dois blocos se
opõem de forma inconciliável após uma eleição presidencial
presumivelmente manipulada, e a renúncia e exílio do ex-presidente Evo
Morales.
No Equador, o presidente Lenín Moreno foi forçado a
voltar atrás no início de outubro e reintroduzir subsídios para
combustível após violentos protestos. O corte dos subsídios era na
verdade uma condição para a concessão de um empréstimo do Fundo
Monetário Internacional (FMI).
E na Colômbia, na última
sexta-feira os manifestantes protestaram contra a desigualdade
econômica, corrupção e violência contra indígenas e ativistas.
"Não
devemos cair na armadilha de colocar tudo no mesmo saco. Os motivos
também têm raízes locais, embora existam semelhanças. As populações têm
uma enorme insatisfação com suas elites, tanto econômicas quanto
políticas", analisa Ingrid Spiller, chefe do departamento América Latina
da Fundação Heinrich Böll. Para a especialista, as elites nacionais são
"completamente alheias à realidade" e "não têm mais noção do que
realmente preocupa o povo".
Philipp Kauppert, diretor do
escritório da Fundação Friedrich Ebert na Bolívia, também enfatiza que,
apesar da diversidade da situação política, há uma "forte insatisfação
das populações com suas elites políticas e desconfiança em relação ao
partidos".
Na comparação internacional, o continente
latino-americano apresenta alto grau de desigualdade social. Mas
atribuir os atuais protestos a apenas essa causa, como se costuma fazer
na atual cobertura jornalística, parece não ser consistente. Na América
Latina está atualmente sendo revelada uma profunda desconfiança em
relação às elites, independente de estarem politicamente à esquerda ou à
direita.
Outsiders e críticas aos partidos
Normalmente,
uma democracia é capaz de integrar os insatisfeitos com o governo num
pool de partidos de oposição dentro do sistema político. Por que isso
parece não funcionar na América Latina? "Na maioria dos países da
região, no passado se votou pela mudança de governo, ou seja: os canais
democráticos foram usados para votos de protesto, resultando na vitória
de outsiders, como no caso de Bolsonaro no Brasil", diz Philipp
Kauppert.
Também na Bolívia ele vê um papel destacado dos
outsiders que prometem um caminho completamente novo. Chi Hyun Chung, um
político evangélico de direita de ascendência sul-coreana, era
considerado um azarão nas eleições presidenciais de 20 de outubro, mas
surpreendentemente conquistou 9% dos votos. Algumas semanas atrás, o
político local Luis Fernando Camacho ainda era completamente
desconhecido de um grande número de bolivianos. Com barulho e palavras
de ordem conservadoras, ele agora avança com toda força, tendo o cargo
de presidente na mira.
"Muitos não acreditam mais ser possível
mudar algo através de eleições ou do trabalho em partidos políticos. A
insatisfação é tão alta que já chega às ruas". Kauppert acredita que
essa situação reacendeu um debate na América Latina sobre a crise
fundamental da democracia. No entanto: "Acredito que ainda seja possível
superar esses protestos e crises na região por mecanismos democráticos,
e prefiro falar de uma crise dos partidos, já que muitos não se sentem
mais representadas por seus partidos e a elite política."
Cultura democrática falha e tendências globais
Ingrid
Spiller, por sua vez, questiona a cultura democrática em grande parte
dos países latino-americanos. "A população pôde ir às urnas, mas no fim o
Estado implementou políticas que não serviam a um equilíbrio de
interesses entre todos os setores da população e das classes sociais".
Por fim, teriam prevalecido outros grupos de influência poderosos,
definindo a política estatal.
A especialista ressalta, além
disso, que na América Latina também há menos partidos com programas
políticos definidos do que na Europa: "Os partidos latino-americanos são
mais grupos de interesse e, em grande parte, desacreditados entre a
população."
Mas ainda permanece a questão: por que só agora
explode esse descontentamento, sentido basicamente por uma geração jovem
que não vivenciou nenhuma das ditaduras latino-americanas passadas?
"Em
muitos países da América Latina, uma nova classe média surgiu nos anos
após a democratização, nas décadas de 80 e 90. E com ela veio a
esperança de um futuro democrático e socialmente mais justo. Essa classe
média chegou a seus limites econômicos também devido à queda dos preços
das matérias primas e outros fatores", avalia Philipp Kauppert. Assim,
foi-se o boom dos altos preços das matérias primas, que fortalecera a
economia de muitos países da região e também essa jovem classe média,
sem ter fornecido a prometida prosperidade estável.
Depois de
Equador, Chile e Bolívia, o "vírus do protesto" latino-americano saltou
recentemente para a Colômbia. Na última sexta-feira (22/11) ocorreram as
maiores manifestações em massa na história recente do país. "É possível
irmos além da região", frisa Kauppert. "De Hong Kong ao Líbano até a
América Latina, parece haver um maior potencial de mobilização no mundo.
Gente que não tinha coragem, ou achava que não faria diferença, está
agora indo às ruas para mostrar sua insatisfação e ainda canalizá-la
politicamente."
O subdiretor da Fundação Friedrich Ebert postula
que a mídia social também está ajudando a criar uma consciência global
sobre questões como a desigualdade e a presunção das elites políticas.
Caso seja assim, adverte, é possível a onda de protestos se espalhe para
outros países.
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