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Os gastos com a saúde não respeitam os limites
inflacionários. Foto: Antonio Cruz/ABR
Historicamente subfinanciado, o Sistema Único de Saúde corre riscos de total asfixia
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Talvez inspirado pelo miraculoso
trilhão prometido por Paulo Guedes com a Previdência, o Previne Brasil
garante incluir 50 milhões de brasileiros no SUS. O economista Francisco
Funcia, ex-diretor da Associação Brasileira de Economia em Saúde,
desconfia desse número. Vários estudos, aponta ele, mostram que as
cidades tendem a subnotificar os atendimentos. Na letra da lei, todo o
brasileiro precisa apresentar o cartão do SUS para dar entrada em
hospitais ou postos de saúde, mas falta a muitos municípios a tecnologia
necessária para repassá-los à base universal do sistema. “Não foi
apresentado pelo governo nenhum estudo técnico que dê base a esse
cálculo. Sem isso, nem sequer podemos afirmar que haverá perdas ou
ganhos.” A mudança saiu com o aval dos gestores municipais, estaduais e
federais, mas sem a aprovação do Conselho Nacional de Saúde. A proposta
será discutida pela entidade em dezembro e, pela lei, não pode ser
efetivada sem essa análise prévia.A Associação Brasileira de Saúde Coletiva e outras 11 entidades do setor alertam, em nota, para o endosso do governo a um “SUS para pobres”. Um dos pontos mais controversos, segundo essas organizações, é que o novo programa deixa de priorizar o Estratégia Saúde da Família, cujo contato direto com a população contribuiu enormemente para a redução da mortalidade infantil. Cálculos da Abrasco indicam que, a cada aumento de 10% na cobertura do programa, cai 4,6% a morte de crianças de até 1 ano de idade.

Desalento.
Maria Dalva Amim, secretária de Saúde de Embu-Guaçu, ficou sem médicos.
Agora
pode perder a minguada verba federal (Foto: Wanezza Soares)
Um dos únicos estudos a calcular eventuais prejuízos é o do Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo. E os resultados não são nada animadores. Para evitar perdas em pleno ano eleitoral, o governo vai repassar 2 bilhões de reais aos municípios. O dinheiro não está garantido no ano seguinte. Sob essa premissa, a entidade prevê que, em 2021, as cidades paulistas perderão, em média, 732 milhões de reais por conta do novo modelo. Segundo a entidade, só 36% da população do estado mais rico do Brasil é cadastrada nos postos de saúde.
A gestão não é, nem de longe, o maior problema. Ao contrário do que diz o governoO SUS sempre recebeu menos dinheiro que o necessário. O gasto médio mensal das três esferas com a saúde de cada brasileiro é de 104 reais, pouco mais da metade da média mundial (6,8% contra 11,7%), segundo a OMS. O baixo crescimento leva a baixa receita. Que leva à menor capacidade de investimento em políticas públicas. “Tivemos dois anos de recessão a partir de 2014, depois o PIB cresceu perto de 1%, insuficiente para cobrir o rombo dos anos anteriores. Se você tem uma unidade de saúde aberta para atender a população, você não vai fechá-la”, explica Funcia.
Desde 2014, o orçamento federal para saúde, para o SUS, não repõe o valor da inflação, girando em torno de 220 bilhões de reais. Os gastos com a saúde não respeitam, porém, os limites inflacionários. “As despesas aumentam porque o PIB está caindo, e não porque estão de fato subindo”, completa. O Sistema Único de Saúde está espremido pelo teto de gastos e pelo desalento de um cenário econômico que só entusiasma a Avenida Faria Lima.

Ciclo
vicioso. A crise sobrecarrega o sistema. Mas, sem dinheiro, não há como
expandir a rede de atendimentos (Foto: Alexandre Moreira/A2 FOTOGRAFIA/
Flickr Governo do Estado de São Paulo)
Uma solução de longo prazo é nacionalizar a produção desses insumos. Mas os investimentos em produção local brecaram. Em julho, o Ministério da Saúde suspendeu os contratos para a compra de 19 medicamentos nacionais, por suspeitas de irregularidades e má qualidade de produtos. Este cenário tem se repetido também nos estados. Em São Paulo, o governo corre para desmontar o maior laboratório público de medicamentos do País. E o Instituto Butantan, o principal produtor nacional de vacinas, tem crescido e ampliado recursos para se tornar um dos grandes da big pharma, nem sempre compatíveis com as demandas da saúde pública nacional.
O programa promete incluir 50 milhões de brasileiros no SUS. Só não explica comoAgora, o SUS vive um processo de desfinanciamento. Uma das promessas do minguado plano de governo de Bolsonaro era, justamente, “fazer mais com menos”. Especialistas da área apontam, porém, que a gestão não é, nem de longe, o principal problemas do SUS. “Aprimorar a administração é sempre necessário, mas não dá para dizer que a saúde tem dinheiro”, diz Funcia. Outra investida recente do governo ao caixa da Saúde é a extinção do DPVAT, o seguro universal contra mortes e acidentes de trânsito. Só no ano passado, a entidade arrecadou quase 4,7 bilhões de reais. Quase metade desse total foi repassada ao SUS. Mesmo sem esse dinheiro, o sistema seguirá obrigado a lidar com as tragédias no trânsito do Brasil, que, em nove estados brasileiros, mata mais que os crimes violentos.
Noutra ponta, parece haver por parte do governo um esforço para compensar eventuais perdas estimulando planos de saúde “populares”. O ministro Luiz Henrique Mandetta defende afrouxar as regras para o setor. É um erro, diz Funcia: “Primeiro, não se pode falar em rede de atenção de saúde privada no Brasil. Segundo, porque os casos de complexidade vão ser repassados, mais uma vez, ao SUS”.

Paradoxo.
Sob o mote da prevenção, o governo tira o foco de um dos programas que
mais reduzem a
mortalidade infantil no País (Foto: LF Barcelos/Conasems)
É possível interromper essa trajetória? O ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, hoje deputado federal, pediu a realização de uma audiência pública e de seminários estaduais para debater o Previne Brasil. A audiência está marcada para a quarta-feira 27. Ao menos três projetos de decreto legislativo tentam cancelar a portaria. Dois tramitam na Câmara e um no Senado.
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