Todos os anos, US$ 65 bi em incentivos chegam a agricultores, mas no leste e centro da Europa a maior parcela vai para uns poderosos
Selam Gebrekidan, Matt Apuzzo e Benjamin Novak, O Estado de S.Paulo
THE
NEW YORK TIMES/CSAKVAR, HUNGRIA - Sob o comunismo, os lavradores
trabalhavam nos campos que se estendem por quilômetros ao redor desta
cidade a oeste de Budapeste,
colhendo trigo e outros cereais para um governo que havia roubado suas
terras. Hoje, seus filhos trabalham para novos senhores, um grupo de
oligarcas e políticos que tomaram posse das terras por meio de acordos
obscuros com o governo húngaro. Eles criaram uma versão moderna de
sistema feudal, dando trabalho e ajuda aos que obedecem e punindo os que
se rebelam.
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Acontece que esses barões da terra são financiados e amparados pela União Europeia (UE).
Todos os anos, o bloco de 28 países paga US$ 65 bilhões em subsídios
agrícolas para financiar agricultores do continente e manter as
comunidades rurais vivas. Mas na Hungria, e em grande parte da Europa
Central e Oriental, a maior parcela vai para uns poucos poderosos e bem
relacionados. O primeiro-ministro da República Checa arrecadou dezenas
de milhões de dólares apenas no ano passado. Na Eslováquia e na
Bulgária, os subsídios possibilitaram que fazendeiros tomassem terras à
maneira da máfia.
O
programa agrícola da Europa, um sistema que foi fundamental para formar
a UE, agora está sendo explorado pelas mesmas forças antidemocráticas
que tentam minar o bloco. Isso ocorre porque os governos da Europa
Central e Oriental, muitos deles nas mãos de populistas, têm ampla
participação na distribuição dos subsídios, financiados por
contribuintes de toda a Europa.
Uma investigação do New York
Times, em nove países este ano, descobriu um sistema de subsídios
deliberadamente obscuro, que burla as metas ambientais da UE e é
distorcido pela corrupção e por favorecimentos pessoais.
A
maquinaria em Bruxelas tolera essa corrupção explícita porque
confrontá-la significaria mexer em um programa que ajuda a segurar sua
precária união. Os líderes europeus discordam de muitas coisas, mas
contam com subsídios generosos e toda a discrição para gastá-los.
Reformar esse sistema para conter abusos provocaria uma quebra nas
fortunas políticas e econômicas do continente.
É por isso que,
com a renovação dos subsídios agrícolas este ano, o foco de Bruxelas não
é erradicar a corrupção ou aprimorar a fiscalização. Em vez disso, os
legisladores estão conferindo aos governos nacionais mais autonomia
sobre a maneira como gastam o dinheiro.
O programa é o maior item
do orçamento central da UE, representando 40% das despesas. É um dos
maiores programas de subsídios do mundo.
No entanto, alguns
parlamentares que elaboram e votam as políticas agrícolas em Bruxelas
admitem que muitas vezes não têm ideia de onde o dinheiro vai parar. Mas
um desses lugares é o condado de Fejer, terra natal de Viktor Orban, o
primeiro-ministro populista da Hungria. Ícone da extrema direita da
Europa e crítico severo de Bruxelas e das elites europeias, Orban aceita
de bom grado o dinheiro da UE.
O governo de Orban leiloou
milhares de hectares de terras estatais para membros de sua família e
amigos próximos, entre eles um amigo de infância que se tornou um dos
homens mais ricos do país. Os que controlam a terra obtêm o direito de
receber milhões em subsídios da UE. “É um sistema completamente
corrupto”, disse Jozsef Angyan, que já foi subsecretário de Orban para o
Desenvolvimento Rural.
O descarado esquema de favorecimentos
pessoais em Fejer não estava nos planos europeus. Desde os primeiros
dias da UE, a política agrícola teve uma enorme importância enquanto
sistema de promoção do bem-estar público.
Sigilo
A
UE gasta três vezes mais que os Estados Unidos em subsídios agrícolas a
cada ano, mas, à medida que o sistema se expandiu, a prestação de
contas se abrandou. E, embora os agricultores recebam de acordo com a
área cultivada, os dados das propriedades são mantidos em sigilo,
dificultando o rastreamento da posse da terra e da corrupção. A UE
mantém um banco de dados central, mas, alegando dificuldade de baixar as
informações solicitadas, recusou-se a fornecer uma cópia ao Times.
Mesmo
que a UE defenda o programa de subsídios como uma rede de segurança
essencial para os pequenos agricultores, estudos vêm demonstrando,
seguidas vezes, que 80% do dinheiro vai para os 20% maiores
beneficiários.
Na República Checa, o beneficiário de maior
destaque é Andrej Babis, o fazendeiro bilionário que também é o
primeiro-ministro. Seus negócios arrecadaram pelo menos US$ 42 milhões
em subsídios agrícolas no ano passado. Babis, que negou qualquer
irregularidade, é alvo de duas auditorias por conflito de interesses
este ano.
“A União Europeia está dando um monte de dinheiro para
um oligarca que também é político”, disse Lukas Wagenknecht, senador e
economista checo que trabalhava para Babis. “E qual é o resultado? Você
tem o político mais poderoso da República Checa, e ele é amparado pela
União Europeia.”
Na Bulgária, os subsídios se tornaram um sistema
de bem-estar social para a elite agrícola. A Academia de Ciências da
Bulgária descobriu que, no país, 75% do principal tipo de subsídio
agrícola acaba nas mãos de cerca de 100 propriedades.
Na
Eslováquia, um importante promotor reconheceu a existência de uma “máfia
agrícola”. Pequenos agricultores relataram ter sido espancados e
extorquidos por causa de terras que são valiosas por causa dos subsídios
que recebem. O jornalista Jan Kuciak foi assassinado no ano passado
enquanto investigava mafiosos italianos que haviam se infiltrado na
indústria agrícola, lucrando com subsídios e estabelecendo laços com
políticos poderosos.
Autoridades da União Europeia rejeitaram um
relatório de 2015 que recomendava a formulação de regras de subsídios
agrícolas mais rigorosas. O Parlamento Europeu barrou um projeto de lei
que proibiria os políticos de se beneficiarem dos subsídios que
administram. E altos funcionários ignoram denúncias de fraude.
Embora
as auditorias possam detectar casos de fraude, erradicar a corrupção
legalizada dos favorecimentos pessoais é muito mais difícil. A UE
raramente interfere nos assuntos nacionais, em respeito aos governantes
eleitos.
Poucos governantes ousaram explorar o sistema de
subsídios de maneira tão ampla e descarada quanto Orban na Hungria. Os
agricultores que criticam o governo ou o sistema de favorecimentos
disseram que não receberam os subsídios devidos ou enfrentaram
auditorias surpresas e inspeções ambientais fora do comum, o que sugere
uma sofisticada campanha de intimidação que remonta à era comunista.
“Não
é que um carro vá chegar e levar você embora no meio da madrugada”,
disse Istvan Teichel, que cultiva um pequeno lote na cidade natal de
Orban. “É bem mais profundo”.
Um homem que se arriscou a falar
sobre os esquemas foi Angyan, o ex-subsecretário de desenvolvimento
rural. Grisalho e sorridente, Angyan se transformou em um improvável
defensor dos pequenos agricultores. Ele trabalhou para Orban, pois, no
começo, imaginava que o novo governante seria um reformador. Mas acabou
pedindo demissão, revoltado e desiludido. Ele investigou as relações no
campo e documentou transações suspeitas e abusos do governo contra
pequenos agricultores.
Depois desapareceu da vida pública. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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