Investigação indica que avanço do desmatamento, das queimadas e o excesso de gases de efeito estufa está mudando atmosfera local
24 nov 2019
05h11
SÃO PAULO - O aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia,
aliado à alta concentração de gases de efeito estufa, está tornando a
atmosfera sobre a floresta tropical mais seca, fazendo crescer a demanda
por água e deixando os ecossistemas mais vulneráveis aos incêndios e à
própria seca. Essa situação, prevista por cientistas para acontecer
talvez em algumas décadas, está ocorrendo agora. É o que revela um novo
estudo feito pela agência espacial americana, a Nasa.
O trabalho considerou dados coletados em solo e por análise de imagens
de satélite para determinar o chamado déficit de pressão de vapor (VPD).
Com isso, os cientistas conseguiram rastrear a quantidade de umidade na
atmosfera e quanto dela é necessário para manter os ciclos da floresta.
"Nós observamos que nas últimas duas décadas houve um aumento
significativo na secura na atmosfera, bem como na demanda atmosférica
por água acima da floresta", afirmou Armineh Barkhordarian, pesquisadora do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da Nasa, em comunicado à imprensa.
"Ao comparar essa tendência com dados de modelos que estimam a
variabilidade climática ao longo de milhares de anos, determinamos que a
mudança na aridez atmosférica está muito além do que seria esperado com
a variabilidade climática natural", complementou a autora principal do
trabalho publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature.
Para os pesquisadores, a elevada concentração de gases de efeito estufa
(responsáveis pelo aquecimento global) na atmosfera é respondem por
cerca de metade dessa aridez. A outra parte estaria ligada às queimadas
para limpeza do terreno para pecuária e agricultura. A combinação de
tudo isso estaria aquecendo a Amazônia. Veja no gráfico abaixo como isso ocorre.
Mudança
Queimadas e maior concentração de gases sobre a floresta fazem com que ela perca cada vez mais umidade.
O trabalho apontou que o processo mais significativo e sistemático de ressecamento da atmosfera acontece na região sudeste da Amazônia, por onde se espalha o chamado Arco do Desmatamento — justamente onde ocorre a maior parte do desmate e da expansão agrícola.
Também foram observadas secagens episódicas no noroeste da Amazônia.
A área, que normalmente não tem uma estação seca, experimentou secas
severas nas últimas duas décadas. Para os autores, isso traz uma
indicação adicional da vulnerabilidade de toda a floresta ao aumento de
temperatura e ar seco.
Desequilíbrio em curso
"É uma questão de oferta e demanda. Com o aumento da temperatura e a
secagem do ar acima das árvores, elas precisam transpirar para se
resfriar e adicionar mais vapor de água na atmosfera. Mas o solo não tem
água extra para as árvores puxarem", explicou Sassan Saatchi, também pesquisador do JPL e
autor do trabalho. "Nosso estudo mostra que a demanda está aumentando, a
oferta está diminuindo e, se isso continuar, a floresta poderá não ser
mais capaz de se sustentar."
As condições mais áridas tornam os incêndios mais prováveis, secando
ainda mais a floresta. Se essa tendência prosseguir a longo prazo e a
floresta deixar de funcionar adequadamente, muitas outras árvores vão
morrer. Quanto maiores e mais antigas, mais elas vão liberar CO2 na
atmosfera ao morreram, ao mesmo tempo em que, com menos árvores, a
floresta vai absorver menos CO2 da atmosfera, piorando o cenário de
mudanças climáticas.
Climatologista vê risco de 'savanização' entre 15 e 30 anos
O climatologista brasileiro Carlos Nobre, um dos primeiros pesquisadores a estimarem o risco de savanização da Amazônia a partir de um determinado nível de desmatamento da floresta, comentou ao Estado que o trabalho da Nasa confirma o que vários estudos já vinham apontando.
"Uma grande faixa da Amazônia no sul e leste está
ficando mais quente e mais seca, principalmente durante a estação seca,
que já ficou entre 3 e 4 semanas mais longa naquela área de cerca de 2
milhões de km²", disse o pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Por seus cálculos, se a estação seca tornar-se mais longa do que quatro
meses (hoje ela dura, em média, três meses), a floresta se converterá
em savana tropical — "que é o bioma de equilíbrio com uma longa estação
seca e fogo", diz. "De fato, nesta região, o ponto de não retorno está
bem próximo. Eu estimo não mais do que 15 a 30 anos com o ritmo
crescente de desmatamento somado à continuidade do aquecimento global, e
também com a maior vulnerabilidade da floresta Amazônica ao fogo."
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