Duas pesquisas estimam quanto custariam para o país os serviços que a floresta hoje nos presta gratuitamente.
23 nov 2019
Quanto vale a Amazônia? Ou melhor, quanto custariam, para o Brasil, os serviços que ela nos oferece gratuitamente?
A Amazônia brasileira possui hoje 340 milhões de hectares de floresta
ainda intacta. Ocupando quase a metade do território brasileiro, ela é
objeto de debates inflamados entre os que desejam protegê-la,
conservá-la e "monetizá-la".
Em entrevista recente à BBC News Brasil, o ministro do Meio Ambiente,
Ricardo Salles, disse que a Amazônia só será preservada se forem
encontradas "soluções capitalistas" que deem dinamismo econômico para a
floresta e gerem renda para os cerca de 20 milhões de brasileiros que
habitam a região.
Seguindo essa lógica — a de que é preciso fazer a Amazônia "render"
dentro do sistema capitalista —, economistas e ecólogos vêm, há algumas
décadas, tentando calcular o valor monetário dos serviços que o meio
ambiente oferece aos humanos.
Eles dizem que com isso querem, primeiro, abrir um diálogo com as
várias correntes de pensamento usando uma linguagem que todos entendem: o
cifrão. Segundo, querem mostrar que a natureza (e nesta reportagem, a
floresta) não é um patrimônio "que está ali à toa, fazendo nada". Já
contribui muito para a economia do planeta.
Terceiro, os pesquisadores propõem que os estudos sirvam como ponto de partida para decisões futuras.
No caso da Amazônia, a ideia é que esses estudos auxiliem os
brasileiros na busca de atividades econômicas sustentáveis baseadas em
um conhecimento profundo do potencial da floresta. Para que ela renda
ainda mais dólares — em pé.
Isso não é sonho mirabolante e já foi feito antes, eles argumentam. No
auge do ciclo da borracha, a floresta contribuía com mais de um terço
das exportações brasileiras e rivalizava com a lavoura do café no
período — sem que uma árvore fosse derrubada.
Estudo mundial e estudo brasileiro
Em particular, dois estudos revelam números surpreendentes sobre a
contribuição financeira atual da Floresta Amazônica para o Brasil.
Um deles é o estudo global macroeconômico Changes in the Global Value of Ecosystem Services,
liderado pelo americano Robert Constanza, professor da Crawford School
of Public Policy da Universidade Nacional da Austrália e pioneiro em
estudos de precificação dos serviços oferecidos pela natureza.
Publicado em 2014, esse estudo — que atualiza um trabalho anterior do
especialista — calcula o valor de diferentes tipos de biomas, entre
eles, as florestas tropicais. Segundo os cálculos, a Amazônia brasileira
rende ao país (e ao mundo) cerca de US$ 1,83 trilhão (R$ 7,67 trilhões)
por ano em valor bruto.
O segundo estudo, Valoração Espacialmente Explícita dos Serviços
Ecossistêmicos da Floresta Amazônica Brasileira, publicado em novembro
de 2018, foi liderado pelo modelador ambiental Britaldo Soares Filho, da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e realizado em parceria com
o Banco Mundial. A equipe, integrada por pesquisadores de várias
universidades brasileiras, precificou, em valores líquidos, um pequeno
número de serviços que a Amazônia oferece.
O estudo concluiu, por exemplo, que o valor somado de diferentes
serviços pode chegar, em determinadas áreas, a US$ 737 (R$ 3 mil) por
hectare por ano. Esse valor é muito superior à renda gerada pela
pecuária de baixa produtividade praticada na Amazônia — cerca de US$ 40
(R$ 167) por hectare por ano, segundo os pesquisadores.
A BBC News Brasil contactou pesquisadores envolvidos nesses estudos. A seguir, vamos destacar alguns dos números encontrados.
US$ 1,83 trilhão por ano: contribuição anual da Amazônia
Robert Constanza iniciou suas pesquisas em precificação de serviços
ecossistêmicos e praticamente criou, no final da década de 1990, uma
nova disciplina, a Economia Ecológica.
O cientista não é pouco ambicioso. Em 1997, decidiu calcular o valor
total dos serviços ecossistêmicos do planeta. Entre eles, regulação
climática, gestão da água, controle da erosão, polinização, controle
biológico, fornecimento de alimentos, combustíveis e fibras, serviços
culturais e recreativos.
O valor obtido foi US$ 33 (R$ 138) trilhões (em 1997), atualizado, no
estudo de 2014, para US$ 125 (R$ 524) trilhões por ano. Coloquemos esse
número em contexto: em 1997, o PIB mundial era US$ 18 (R$ 75) trilhões;
em 2014, US$ 80 (R$ 335) trilhões.
O trabalho de Constanza é polêmico e ele recebe críticas de todos os
lados. Os economistas questionam suas metodologias. "Como é possível que
a natureza valha mais do que o PIB mundial?", perguntam.
Já os ecologistas dizem que o cálculo é inútil, porque a natureza não
pode ser reduzida a cifrões. Sem ela, não haveria vida humana. Seu
valor, portanto, tem de ser infinito, argumentam.
Mas o pesquisador se defende explicando que seus cálculos são apenas
estimativas, cujo objetivo é permitir que países façam sua própria
contabilidade. Que percebam que aquela área de floresta, de pântano ou
de caatinga que aparentemente está inerte não é patrimômio parado.
Em uma palestra, um integrante da equipe de Constanza — o geógrafo Paul
Sutton, da Universidade de Denver, nos Estados Unidos — explicou:
"Queremos que as pessoas tenham estimativas confiáveis dos benefícios
que recebemos da natureza, e na moeda que todo mundo entende: o dólar."
"Nós concordamos, a natureza é infinitamente valiosa. Mas não a
tratamos como tal", disse. "Estamos tratando a natureza como se o seu
valor fosse zero."
Precificando a polinização: metodologias
Para fazer seus cálculos, a equipe de Constanza combinou múltiplos
métodos e milhares de estudos publicados por cientistas de todo o mundo.
Para estimar o valor da polinização, por exemplo, o raciocínio foi o seguinte:
"Se tivéssemos de substituir a polinização feita pelas abelhas por
trabalho humano, para polinizar manualmente a lavoura, o custo seria US$
200 (R$ 838) bilhões por ano", disse Sutton. Portanto, ele explicou, o
valor da polinização é o custo que é evitado quando as abelhas fazem
esse serviço para nós, gratuitamente.
Para calcular o valor de serviços como a produção de combustíveis e
alimentos, a equipe simplesmente usou os valores de mercado desses
serviços.
O efeito protetor dos manguezais de Fukushima
Manguezais, como os que estão sendo ameaçados pelo vazamento de óleo no
Nordeste brasileiro, prestam serviços valiosíssimos. "Sabemos que os
manguezais evitam que marés adentrem e destruam parte das cidades em
dias de ressaca", disse o professor de Ecologia Jean Paul Matzger, do
Instituto de Biociência da Universidade de São Paulo, USP, à BBC News
Brasil.
"Para Constanza, a pergunta foi: qual seria o prejuízo que teríamos se
não houvesse o manguezal?". Para responder a essa pergunta, a equipe
estudou o acidente na usina nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011.
"Eles perceberam que o fato de você ter a proteção dos mangues dá uma
super-segurança para as usinas. Havia situações com e sem mangue. Foi
justamente assim (fazendo a comparação) que eles avaliaram o prejuízo
que (que o vazamento das usinas) tiveram pela ausência do mangue."
Em 2014, Robert Constanza revisou o valor dos manguezais.
"O valor dos mangues aumentou muito", disse Metzger. "São US$ 194 mil (R$ 813 mil) por hectare ao ano."
Já as florestas tropicais, segundo o estudo de Constanza, podem gerar
benefícios estimados em US$ 5,4 mil (R$ 22,5 mil) por hectare/ano.
Estudo Brasileiro: Um mapa dos tesouros da Amazônia
Mas o estudo de Constanza não leva em conta as especificidades de cada
floresta tropical. Ele oferece apenas um valor médio global. E a
Floresta Amazônica é única em vários aspectos. Por exemplo, ela é a mais
biodiversa do planeta, segundo especialistas.
Entra em cena o estudo brasileiro, o mais importante desse tipo já
feito no país, publicado na prestigiosa revista Nature Sustainability.
O Estudo Espacialmente Explícito de Valoração investiga exclusivamente a
porção brasileira da Amazônia e precifica, com maior precisão, um
número menor de serviços que ela oferece à economia do Brasil — produção
de alimentos (castanha-do-pará), produção de matérias-primas (borracha e
madeira sustentável), mitigação dos gases do efeito estufa (absorção e
retenção do carbono) e regulação climática (produção de chuva e energia
hidrelétrica). O estudo também mapeia a biodiversidade da Amazônia,
embora sem precificá-la.
Segundo seus autores, a ideia era criar uma espécie de ferramenta, um
mapa que ajudasse tomadores de decisão a desenhar políticas de
preservação e uso sustentável dos recursos da floresta.
"O estudo avalia o potencial hoje da floresta de gerar valor econômico
em termos líquidos", disse à BBC News Brasil um de seus autores, o
professor da UFMG Raoni Rajão, especialista em gestão ambiental e
validação econômica.
Crucialmente, os vários gráficos e tabelas apontam as áreas em que as
autoridades deveriam intervir com maior urgência para evitar a perda de
valiosos serviços e produtos florestais que — os pesquisadores ressaltam
— beneficiam toda sociedade.
Trata-se das áreas em que os serviços prestados podem alcançar o valor mais alto estimado, US$ 737 por hectare por ano.
Ou, fazendo o raciocínio inverso...
"O desmatamento nessas áreas pode gerar prejuízos de até US$ 737 por hectare por ano", explicou Rajão.
Os pesquisadores explicam que, nessas regiões, os valores são altos
porque, ali, vários serviços se combinam: produção de alimentos e de
matérias-primas e também serviços indiretos, como regulação climática e
absorção do carbono.
Segundo Rajão, essas são também as áreas sob maior risco de ocupação
ilegal e desmatamento para a pecuária de baixa produtividade (a mais
prevalente na Amazônia).
Isso não é coincidência, explicou. As terras mais valiosas
identificadas são as áreas da Amazônia onde o acesso é mais fácil. Por
serem de fácil acesso, são também as mais viáveis economicamente.
Estamos falando de terras próximas de estradas, de rios e próximas de
outras áreas já desmatadas.
Se é assim, então por que não sair abrindo estradas para aumentar a
rentabilidade de toda a Amazônia? — você talvez esteja se perguntando.
Porque estradas atraem assentamentos ilegais e mais desmatamento,
explicou o pesquisador. E isso pode ter consequências catastróficas para
a Amazônia.
Funciona desta forma: a floresta tropical é capaz de gerar sua própria
umidade. Mas a floresta desmatada e degradada produz menos umidade, pega
fogo mais facilmente, perde a função de transportadora e retentora de
umidade. Isso gera um efeito cascata que se alastra por toda a floresta,
disse Rajão.
"Quando você degrada a floresta, você faz com que áreas que não foram desmatadas também se ressequem."
"Então, se fizermos isso (se sairmos rasgando a floresta com estradas),
chegaremos ao que os cientistas chamam de 'tipping point'. Um limite de
destruição após o qual a floresta inteira morre."
US$ 737 (estudo brasileiro) X US$ 5.382 (estudo global)
De volta aos estudos de precificação, como explicar a discrepância tão grande entre os valores encontrados pelos dois estudos?
Nesse ponto, é preciso lembrar que o estudo de Robert Constanza estimou
o valor somado de todos os serviços realizados por florestas tropicais.
O estudo brasileiro mediu apenas quatro serviços da Amazônia. Ficaram
de fora, além da biodiversidade, serviços de recreação e turismo,
retenção de nutrientes, proteção contra inundações, produção de
alimentos pela pesca e benefícios à saúde, entre vários outros.
Outra diferença: o estudo global traz valores brutos, o brasileiro, valores líquidos.
E porque buscou valores precisos, o estudo brasileiro acabou trazendo
resultados bastante conservadores, explicou Rajão. Tudo aquilo que não
pôde ser comprovado na ponta do lápis acabou ficando fora da conta.
Ainda assim, colocado em contexto na realidade do Brasil, US$ 737 por
hectare é um valor altíssimo, explicou o pesquisador. Ele usa os números
da pecuária para efeito de comparação.
"Muitos acham que, se você tira a floresta e põe gado, o valor anual
daquele hectare, que era zero, vai passar a fornecer, em média, US$ 40
por hectare", disse.
"Porém ao considerar todos os serviços e produtos fornecidos pela
floresta, vemos que, na verdade, teremos uma perda para sociedade de até
U$S 700 (dependendo da área), já considerando o lucro com a pecuária.
Acontece que, quanto mais próxima de estradas, e quanto mais ameaçada é a
terra, maior é também seu valor potencial para a exploração de produtos
madeireiros e não madeireiros — isso porque os custos de transporte são
menores."
Mudança de mentalidade
Nosso estudo informa sobre as alternativas, disse o especialista.
"Manter (a floresta) protegida produz para a economia até US$ 737 (R$ 3
mil) por hectare por ano. Se você põe pecuária, gerará em média apenas
US$ 40 (R$ 167) por hectare ano."
E oferece um "mapa da mina" da bioeconomia da Amazônia.
"Com isso, esperamos que os criadores de políticas públicas e o setor
privado deixem de ver a floresta como um obstáculo para o
desenvolvimento", disse Rajão. "E que a vejam como uma infraestrutura
verde crucial para o bem estar e crescimento econômico do país."
Mineração e soja
Até agora, os valores encontrados pelo estudo foram comparados aos
ganhos da pecuária na Amazônia. Mas por que fazer a comparação com a
pecuária, e não com a mineração — atividade favorecida pelo governo?
"Mais do que 80% das áreas convertidas são para a pecuária, então a comparação é, sim, com a pecuária", argumentou.
Segundo Rajão, o problema da mineração não é tanto a área minerada.
"Em teoria, (a mineração) poderia ser até um caminho para o
desenvolvimento sustentável da Amazônia. O problema é que, primeiro,
você tem de construir uma estrada até lá. E a gente sabe que 90% do
desmatamento acontece a menos de 5 km da estrada."
"Então, só ao rasgar a floresta, você já gera toda uma dinâmica de
desmatamento para pôr pecuária. E você também atrai muita população.
Quando você constrói essas megaobras, atrai dezenas de trabalhadores e,
depois que terminam a obra, parte deles continua ali. Essa é uma
população que depois também vai desmatar. Vai comprar as áreas griladas
para a pecuária e se fixar ali."
Então não vale a pena desmatar para mineração e pecuária, dizem os cientistas. Mas e a soja?
"Grande parte das áreas desmatadas na Amazônia não tem condição de
receber agricultura de maior valor, não tem favorabilidade climática.
Chove demais, algumas são acidentadas, e os custos logísticos são tão
altos que inviabilizam o negócio", disse o pesquisador.
Os números da extração e coleta na Amazônia
O estudo de precificação da Amazônia brasileira foi feito ao longo de
três anos e é assinado por 13 pesquisadores, a maioria do Brasil. A
equipe foi a campo observar como os locais extraem seu sustento da
floresta.
"Nosso estudo foi olhar valores concretos. O ribeirinho vai lá e vende a
castanha. Quantas latas de castanha aquele hectare produz?", explicou
Rajão.
Os pesquisadores usaram o mesmo método para medir a produção de borracha e de madeira sustentável.
"Nossa equipe foi a diferentes Estados da Amazônia entrevistou
produtores. Estimou custo de produção, receita, a produtividade daquela
área específica de floresta. E ao cruzar esses valores com dados de
outras áreas, estimamos o valor daquele hectare. Um trabalho que partiu
da análise microeconômica do valor da floresta."
De US$ 40 a US$ 200 por hectare por ano
Feitas as contas, o estudo mostra que, em certas regiões da floresta,
um hectare gera ganhos anuais de até US$ 40 (R$ 167) para a produção de
castanha do Pará e US$ 200 (R$ 838) para produção de madeireira
sustentável.
Então a castanha rende US$ 40 por hectare por ano? À primeira vista,
não parece muito. Mas quando se olha de perto, o valor cresce.
"Pequenos imóveis na Amazônia chegam a 400 hectares. Multiplicados por
US$ 40, são US$ 16 mil, ou RS$ 66 mil por ano", calculou Rajão. "Já são
RS$ 5.500 líquidos, por mês, no bolso do produtor."
Seis milhões de brasileiros tiram sustento da floresta
A pesquisa revela também que 6 milhões de pessoas se beneficiam hoje da
extração sustentável de alimentos e de matérias-primas da floresta.
"São populações ribeirinhas, populações tradicionais, indígenas e
agricultores", explicou Rajão. "Eles coletam castanha, borracha e açaí
nas reservas extrativistas, como a (reserva) Chico Mendes, por exemplo."
"O amazônida é aquele que vive da floresta, sabe do valor e não
desmata", continua Rajão. "Quem desmata são os forasteiros que entram
ilegalmente."
Mas ao ressaltar de maneira positiva a contribuição de atividades como a
coleta de castanha para a economia do país, estariam os autores
ignorando os altos níveis de pobreza e o baixo Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) dos coletores de castanha?
"O IDH está ligado fortemente às políticas públicas", respondeu Rajão.
"Ele é baixo pois não há escolas, hospitais etc. Com o desmatamento para
a pecuária, isso não muda", argumentou.
"O extrativismo de alguns produtos — como a castanha, a madeira, o açaí
— já é mais lucrativo do que a pecuária", disse Rajão. Mas ele
reconhece que nenhuma dessas atividades tira o produtor da pobreza.
Isso, disse, requer outras medidas. "É necessário agregar valor, ou
seja, em vez de vender o produto para um atravessador, é preciso
organizar cadeias de valor onde a maior parte do lucro fica no local."
Rajão disse que é preciso também modernizar a produção. Ele deu
exemplos de como isso poderia ser feito: "Transformando a castanha bruta
na descascada, que já está pronta para o consumo. Ou o açaí fruta na
pasta congelada que consumimos aqui no Sudeste. E (é preciso) fazer isso
já na floresta, com energia solar e tecnologias de baixa manutenção e
custo", disse.
"Esse conceito está na base do que chamamos de Amazonia 4.0. É a
bioeconomia da Amaônia com aspectos da indústria 4.0. Mas para chegarmos
nessa visão de longo prazo são necessários investimentos em ciência e
tecnologia, além de um grande esforço de capacitação."
O pesquisador lembra que, ao longo de sua história, a Floresta Amazônica já sustentou milhões de pessoas.
"Antes da colonização, havia 50 milhões de pessoas vivendo na Amazônia.
O ecossistema tem uma capacidade incrível de sustentar vida. Mas quando
você tira a floresta e põe capim, você diminui essa capacidade."
Os rios voadores e a regulação climática
Até agora, falamos da renda direta que a floresta produz para o Brasil
ao gerar alimentos e matérias-primas. Mas a equipe brasileira também
mediu a renda que a floresta gera indiretamente ao prestar dois outros
serviços: a absorção e retenção do carbono que produz o aquecimento
global e a regulação do clima.
Tente traçar na sua mente um quadrilátero que vai de São Paulo até
Buenos Aires, na Argentina, e de Cuiabá até a cordilheira dos Andes,
pediu o respeitado climatologista brasileiro Antônio Nobre em uma
palestra TED na internet.
Essa área, ele disse, gera 70% do PIB da América do Sul. E para fazer
isso, depende dos chamados rios voadores que fluem da Amazônia
transportando umidade.
Esses fluxos aéreos maciços de vapor de água que vêm de áreas tropicais
do oceano Atlântico e são alimentados pela umidade que se evapora da
Amazônia viajam mais de 3 mil km pela atmosfera levando chuvas e
irrigando o sul do Brasil, Uruguai, Paraguai e norte da Argentina.
Os rios voadores são, portanto, vitais para a produção agrícola e a vida de milhões de pessoas na América Latina.
Pois quanto vale a regulação climática que a Amazônia faz para o Brasil
— lembrando que os rios voadores também geram energia hidrelétrica para
o país?
Essa foi mais uma pergunta que a equipe brasileira tentou responder, mas um serviço dessa magnitude não é fácil de precificar.
E de fato, no esforço de calcular valores líquidos, com precisão, nessa
categoria de serviço o estudo brasileiro traz números que os próprios
pesquisadores consideram conservadores.
Os mapas e gráficos revelam, no entanto, alguns dados importantes. Um
deles diz respeito às chamadas "áreas sem destinação" da Amazônia
brasileira:
Estamos falando de 62 milhões de hectares de floresta em áreas públicas
que não tiveram seu uso definido pelo governo — por exemplo, não são
reservas indígenas e não foram destinadas à conservação ou à reforma
agrária. Por conta dessa indefinição, são áreas sob grande risco de
ocupação ilegal e desmatamento para dar lugar à pecuária.
O estudo concluiu que a chuva gerada por esses 62 milhões de hectares
contribui, anualmente, com US$ 422 milhões (R$ 1,77 bilhão) para a
produção agropecuária. Isso equivale a 35% da renda líquida das lavouras
de soja no Mato Grosso, principal estado produtor brasileiro.
Ou seja, se essas áreas forem desmatadas, o setor perderá mais de US$
400 milhões (R$ 1,68 bilhão) por ano pela queda de produtividade
resultante da diminuição nas chuvas.
Caso o desmatamento atinja áreas de uso sustentável, proteção integral,
terras indígenas, não designadas, privadas e militares, as perdas para o
setor podem alcançar US$ 763 milhões (R$ 3,2 bi) por ano.
Outra revelação importante: o desmatamento para a pecuária gerará
perdas para os próprios pecuaristas. A redução nas chuvas associada ao
desmatamento nas áreas citadas acima pode trazer perdas anuais de US$
1,4 bilhão (R$ 5,8 bilhão) para a pecuária brasileira.
Quanto vale a biodiversidade da Floresta Amazônica?
Raoni Rajão e seus colegas não sabem quanto vale a biodiversidade da
floresta. Mas o pesquisador explicou que há métodos para se fazer esse
cálculo:
"Existem estudos que estimam o nível de desconhecimento. Olham o
esforço de amostragem e o tanto de diversidade que foi descoberta. Aí,
estimam a quantidade de espécies desconhecidas e, em cima disso, o valor
econômico."
Fazer isso na Amazônia ainda é um projeto futuro. Mas, para termos uma
noção do valor da nossa biodiversidade, basta olharmos na outra direção,
para a história do Brasil, disse Rajão.
A Segunda Revolução Industrial, que ocorreu entre meados dos séculos 19
e 20 — quando foram inventados o automóvel, o avião e o telefone —, não
teria sido possível sem a borracha da Amazônia, disse o especialista.
"Para você ter equipamentos mecânicos, precisa de borracha, algo para
amortecer. Você não conseguiria fazer um carro sem a borracha produzida
sustentavelmente na Amazônia."
No livro A luta pela borracha no Brasil: Um estudo em história ecológica, o historiador Dean Warren dá uma pista do valor econômico que a floresta já rendeu ao país:
"O comércio da borracha tornou-se um sustentáculo da economia
brasileira. Em seu auge, proporcionou quase 40% das receitas de
exportação, quase igualando o café em importância", escreveu o
historiador.
"Hoje, depois de desmatar uma área de quase cem milhões de hectares, a
agropecuária na Amazônia contribui com menos de 10% da produção
brasileira", comparou Rajão.
Os anestésicos amazônicos que revolucionaram a medicina
Há milhares de anos, indígenas na Amazônia usam um conjunto de plantas
que têm extratos venenosos para anestesiar a caça, contou Rajão.
"A flecha penetra na caça, o animal fica paralisado mas logo na
sequência o veneno é processado, não envenena quem come a caça."
As plantas, conhecidas como curare, deram origem aos poderosos anestésicos que transformaram a medicina.
"No século 20, cientistas da Universidade de Leipzig, na Alemanha,
foram lá, roubaram esse conhecimento, isolaram o princípio ativo e isso
contribuiu para a revolução anestesiológica."
Quanto valeriam, em moeda de hoje, o ciclo da borracha e os anestésicos produzidos pelas plantas curare?
E qual seria o valor, para o Brasil e o mundo, de outras preciosidades
ainda desconhecidas, ou quem sabe conhecidas e protegidas pelos povos
tradicionais da floresta?
Esse preço, difícil de estimar, é o valor da biodiversidade da Amazônia.
* O Estudo Espacialmente Explícito de Valoração da Amazônia
Brasileira está disponível na plataforma web interativa amazones.info
Veja também:
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