Brasil
Estudo aponta que substituição em larga escala da 
floresta por pasto ou áreas de plantio tem provocado a redução do 
período de chuvas. Desmatamento indiscriminado pode colocar em risco 
prática de dupla safra na região. 
Somado ao efeito das mudanças climáticas e outros fatores de larga 
escala, o período de chuvas na região, que compreende Rondônia, sul do 
Amazonas, norte do Mato Grosso e sul do Pará, foi encurtado em 27 dias 
no período de 1998 a 2012, com impacto na dupla safra, quando 
agricultores plantam no mesmo terreno soja e, depois, milho.
Os 
números estão em pesquisa realizada por dois pesquisadores da 
Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, e um da Universidade da
 Califórnia, nos Estados Unidos, publicada em setembro pela Royal 
Meteorological Society.
O trabalho se baseou em dados de um 
satélite da Nasa dedicado a medir chuvas tropicais e em informações 
sobre o uso da terra na região, uma das fronteiras agrícolas que mais 
avançaram nos últimos anos no mundo. No período estudado, de 1998 a 
2012, foram desmatados 82.260 km2 na área — 68% para pasto e os outros 
32% para agricultura — equivalente ao tamanho da Áustria.
Um dos 
autores do estudo, Argemiro T. Leite-Filho afirmou à DW Brasil que a 
pesquisa comprova e mede a relação entre desmatamento e chuvas na 
região. Segundo ele, a cada 10% de uma determinada área desmatada, a 
estação chuvosa no mesmo local se encurta em 0,9 dias, em média, sem 
considerar o efeito das mudanças climáticas.
Ele alerta que as 
mudanças provocadas pela substituição da floresta, somada a outras 
dinâmicas climáticas, podem inviabilizar o plantio do milho após a 
colheita da soja, prática hoje corrente na região.
DW Brasil: Como vocês mediram o período da estação chuvosa?
Argemiro T. Leite-Filho: Usamos
 os dados coletados pelo satélite TRMM [Tropical Rainfall Measuring 
Mission, missão de medição de chuvas tropicais, em tradução livre], que 
entrou em órbita em 1998. Usamos imagens de setembro de 1998 até o final
 de 2012.
Processamos os dados pixel a pixel, cada um cobrindo 
uma área de 28 km por 28 km, para medir a chuva que ocorria diariamente e
 marcar o início e o fim da estação chuvosa, usando um método já 
consagrado e ideal para dados provenientes de satélites.
E como vocês mediram o desmatamento?
Usamos
 uma base de dados sobre o uso da terra na região, feita a partir de 
imagens de sensoriamento remoto e do censo agrícola realizado por IBGE e
 IPEA. E medimos o percentual de desmatamento em cada pixel, também de 
28 km por 28 km, ano a ano.
Por que vocês usaram essa metodologia?
Identificamos uma lacuna nos estudos sobre o tema, que em geral são baseados em modelagem [quando pesquisadores criam modelos matemáticos sobre o ciclo das chuvas e a ocupação do solo e simulam o efeito do desmatamento].
Nosso
 estudo foi feito com dados observados, pixel a pixel, para identificar 
como o desmatamento dentro de cada pixel afeta a estação chuvosa no 
mesmo pixel. Não avaliamos como o desmatamento em outras regiões 
influencia aquela área, pois para isso teríamos que rodar modelos 
climáticos.
Selecionamos a região do sul da Amazônia porque lá é 
possível notar um acoplamento forte entre o clima e a floresta, há uma 
estação seca e uma estação chuvosa bem marcadas, e é uma área onde o 
desmatamento agrícola avançou bastante nas últimas décadas.
O que vocês encontraram?
A
 mensagem principal é que o desmatamento afeta todas as métricas da 
estação chuvosa. Além de atrasar o início da estação, acelera seu fim e,
 consequentemente, reduz o período de chuvas.
Existem algumas 
suposições, não baseadas em dados científicos, de que esse efeito seria 
simplesmente resultado das mudanças climáticas, não relacionado ao 
desmatamento.
Para provar que o desmatamento também afeta as 
chuvas na região, retiramos os efeitos de larga escala ligados às 
mudanças climáticas e fatores de larga escala e isolamos o efeito do 
desmatamento.
Quão menor ficou a estação chuvosa no sul da Amazônia?
Se
 somarmos o efeito do desmatamento às dinâmicas climáticas de larga 
escala, houve uma redução da estação chuvosa de, em média, 27 dias desde
 1998. Ou seja, o produtor perdeu praticamente um mês de janela 
climática para plantar.
Se consideramos apenas o efeito do 
desmatamento, identificamos 0,9 dias de redução da estação chuvosa a 
cada 10% de área desmatada. Se um pixel tiver 80% de área desmatada, a 
estação chuvosa naquela área será, em média, 7,2 dias menor, com 
variação de 2,4 dias para mais ou para menos.
Isso pode parecer 
pouco, mas daí vem a importância de incluir também os mecanismos de 
larga escala. Somados, o resultado se torna ainda mais preocupante.
Como os efeitos do desmatamento e de larga escala se relacionam?
A
 estação chuvosa é controlada por fatores remotos, como a temperatura do
 mar, a umidade que vem do oceano e o El Niño, e fatores locais, como a 
evaporação de água da própria floresta, que depois se precipita na forma
 de chuva. O desmatamento reduz a injeção de vapor de água na atmosfera e
 altera o balanço de energia e, consequentemente, modifica os padrões de
 precipitação na região.
Em alguns anos, fenômenos globais como o
 El Niño já tendem a fazer as chuvas durarem menos. Se temos condições 
remotas desfavoráveis e a ocorrência do desmatamento, os efeitos se 
somam para reduzir a estação chuvosa.
O que esses resultados dizem sobre a legislação ambiental em vigor?
O
 Código Florestal exige que, na região da Amazônia, 80% da área das 
propriedades deve ser preservada como floresta. O objetivo do legislador
 foi, entre outros objetivos, proteger a biodiversidade, mas nossos 
resultados mostram que, se a lei for seguida, ela também ajuda a conter a
 modificação de chuvas na região.
Manter a floresta de pé não é 
só uma questão de seguir a legislação para não receber multa e não 
perder aceso ao crédito agrícola. Manter a floresta de pé é uma questão 
de sobrevivência para a agricultura praticada ali.
Qual é o impacto da redução da estação chuvosa na agricultura?
O
 mais comum na região é os agricultores plantarem a soja primeiro e, 
logo depois da colheita, plantarem o milho, que eles chamam de milho 
safrinha. Essa safrinha é tão comum que responde hoje por mais da metade
 do milho produzido no Brasil, e é fundamental para o agronegócio. Hoje 
os produtores conseguem plantar duas culturas na mesma estação chuvosa, 
mas quanto mais desmatar, mais prejudicamos a segunda.
No Mato 
Grosso, por exemplo, e estimativa é que são necessários no mínimo 200 
dias de estação chuvosa para que a cultura da soja possa se desenvolver e
 ser colhida, e depois o produtor ainda plantar o milho e o milho se 
desenvolver. Um total de 27 dias a menos pode tornar inviável a segunda 
safra.
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