Tecnologia
O lixo eletrônico é um problema global, enquanto a
mineração de materiais necessários para fabricação de dispositivos
tecnológicos causa devastação. Quanto mais avançado o aparelho, mais
difícil de ser reciclado.
Um smartphone médio contém 30 elementos químicos e um aparelho de ponta pode chegar a ter 75 elementos diferentes
Dentro de smartphones, tabletes, computadores e até televisores estão
escondidos uma gama de materiais valiosos. E, no mais tardar quando o
dispositivo eletrônico deixa de funcionar, esses tesouros permanecem
trancafiados, esquecidos e estragando numa gaveta ou na vastidão de um
aterro sanitário.
O Electrical Waste Recycling Group (Grupo de
Reciclagem de Lixo Eletrônico) do Reino Unido busca recuperar o máximo
possível dos aparelhos antigos coletados de comerciantes, lixões e
empresas que efetuaram uma atualização de seus dispositivos.
Caminhões
carregados com eletrônicos redundantes estacionam do lado de fora da
instalação do grupo localizada numa antiga fábrica têxtil perto da
cidade de Huddersfield, no norte da Inglaterra. Uma vez dentro do
complexo, os aparelhos eletrônicos são classificados e lançados em
máquinas enormes e barulhentas que retiram as fiações e trituram os
metais.
Materiais como o cobre são reduzidos a partículas e
fundidos – em seguida, vendidos a comerciantes de metais e,
eventualmente, acabam sendo utilizados na fabricação de novos produtos.
As baterias são separadas e isoladas para não causarem curtos-circuitos e
pegarem fogo.
Equipes de funcionários sistematicamente desmontam
aparelhos antigos de televisão de tubo. A gerente de conformidade do
Electrical Waste Recycling, Jane Richardson, estima que cada membro da
equipe desmantele cerca de 80 televisores por dia.
"Quando
fazemos excursões escolares, muitas crianças dizem que nunca viram uma
dessas televisões antigas antes", disse Richardson.
As crianças
em idade escolar estão familiarizadas o suficiente com as novas telas
planas – categorizadas também em cestos ao lado de outros dispositivos e
peças. Mas sua mistificação com modelos mais antigos é uma prova da
rapidez com que atualizamos a tecnologia em nossos lares.
Obsessão pela atualização
Embora
todos os materiais preciosos neles contidos, os eletrônicos de consumo
são essencialmente descartáveis. "No momento, a maioria dos eletrônicos
tem vida linear, e não circular", disse Elizabeth Jardim, do Greenpeace,
em entrevista à DW. "Os dispositivos são usados e, em alguns anos, a
maioria se torna lixo."
A instalação em Huddersfield recebe
anualmente cerca de oito mil toneladas métricas de lixo eletrônico. Mas
isso representa apenas uma gota num oceano, em comparação com as mais de
44 milhões de toneladas métricas que são criadas anualmente em todo o
mundo, segundo estimativas da ONU.
Países mais ricos exportam grande parte de seu lixo eletrônico para países mais pobres, eximindo-se da função de reciclagem
E
os aparelhos que provavelmente atualizamos com maior frequência – os
telefones celulares – são notadamente os menos presentes na instalação
de reciclagem em Huddersfield.
"Os smartphones são realmente
difíceis de reciclar e, no final das contas, os fabricantes não se
envolvem com a comunidade de reciclagem", disse Shaun Donaghy, diretos
de operações do Electrical Waste Recycling, em entrevista à DW. "O final
da vida útil dos produtos não lhes interessa."
De acordo com um
relatório emitido pelo Greenpeace em 2017, a energia consumida
anualmente na produção de smartphones aumentou de 75 terawatt-hora
(TWh), em 2012, para cerca de 250 TWh em 2016. Os smartphones também
contêm metais de terras raras, cuja extração carrega um preço alto em
várias maneiras.
Resíduos, veneno e abuso
Um
novo relatório da Sociedade Real Britânica de Química (RSC) descobriu
que um smartphone médio contém 30 elementos diferentes. Outras
estimativas apontam que este número pode chegar a até 75 elementos em
alguns modelos de ponta. Tântalo, ítrio, índio e arsênico são
ingredientes essenciais que podem acabar dentro de 100 anos. Índio, por
exemplo, é crucial para telas sensíveis ao toque e painéis solares.
"É
transparente, adere ao vidro e realmente não encontramos nada que possa
fazer o que ele faz", explicou Elisabeth Ratcliffe, da RSC. "Trata-se
de um dos elementos mais raros da Terra – um subproduto da mineração de
zinco. Para obter alguns miligramas de índio, é necessário extrair um
quilograma de zinco."
A extração dessas reservas indescritíveis é
cara, consome muita energia e deixa um rastro de resíduos tóxicos. A
grande maioria dos metais de terras raras é extraída na China, onde as
fontes de água em Jiangxi, Mongólia Interior e Shandong
ficaram poluídas.
Metais de terras raras são uma categoria
específica de 17 elementos químicos diferentes. Assim como outros
materiais-chave da tecnologia (cobalto, estanho, tungstênio, tântalo e
ouro), estes também têm sido associados a operações exploradoras que
usam trabalho infantil, financiam conflitos na África e causam doenças
respiratórias entre os mineradores.
Manifestantes do Greenpeace exigem que a Samsung recicle milhões de aparelhos Galaxy Note 7 com defeito
O
Electrical Waste Recycling consegue recuperar dos smartphones materiais
como cobre, alumínio, chumbo, vidro e plástico – mas mesmo a reciclagem
destes materiais tem se mostrado desafiador: o uso de adesivos de
colagem forte em vez de parafusos dificulta o desmembramento.
Separar
elementos reutilizáveis de metais de terras raras é um processo muito
mais complicado, pois envolve processos químicos complexos e caros – e
está além das capacidades da instalação em Huddersfield.
Cientistas
trabalham em melhores maneiras de recuperar esses materiais preciosos.
No momento, estima-se que apenas 1% dos metais de terras raras seja
reciclado. E, à medida que avançamos em direção a um futuro sem
combustível fóssil, precisaremos cada vez mais destes materiais para
manter um sistema cada vez mais dependente de energia elétrica.
"À
medida que as economias se eletrificam, a demanda por baterias
aumenta", disse Josh Lepawsky, especialista da Universidade de
Newfoundland, no Canadá, responsável pelo mapeamento de lixo eletrônico.
"Há enormes questões em aberto sobre como a descarbonização por
intermédio da eletrificação será equilibrada em relação aos danos
ambientais causados na extração de recursos."
Mudança nas mãos dos fabricantes
Do
lado do consumidor, existem alternativas para as grandes marcas de
smartphones. A Fairphone, por exemplo, tenta obter materiais de forma
mais sustentável e projetar produtos com uma vida útil mais longa e mais
fáceis de serem consertados.
Mas com as pessoas acostumadas a
designs inovadores, telas sensíveis ao toque e as principais empresas
envolvidas na produção de intrincados dispositivos repletos de elementos
químicos, as marcas como Apple e Samsung precisam fazer mais, segundo
Lepawsky.
"Podemos entrar num loja e escolher entre uma variedade
de modelos, mas a química subjacente a esses modelos é muito
semelhante", disse Lepawsky. "São os fabricantes que estão em posição de
mudar essa química. Portanto, a ideia de mudança impulsionada pelo
consumidor é quase um conceito sem sentido."
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