Regimes de direita e de esquerda são confrontados por manifestações populares, especialmente na América do Sul. Mas pressão sobre países que vêm seguindo o figurino liberal, como Chile e Colômbia, aumentam o ponto de interrogação sobre se a região tem condições de superar a armadilha da renda média.
Fernando Dantas
21 de novembro de 2019
21 de novembro de 2019
A
onda de protestos que tomou conta da América do Sul parece ter chegado à
Colômbia, com soldados e polícia a postos para enfrentar as
reverberações nas ruas do que está previsto para ser a maior greve geral
em muitos anos. A Colômbia, portanto, junta-se ao Chile como país que,
tendo buscado seguir o figurino liberal nos últimos anos, enfrenta agora
contestações ao seu modelo.
Os
cientistas políticos Daniella Campello e Cesar Zucco tem um detalhado
trabalho que mostra que a maré ruim na América do Sul não deve ser
atribuída à ideologia dos governos – e, portanto, não deve ser atribuída
ao ‘neoliberalismo’ no caso de Chile e Peru.
Eles mostram que,
como países dependentes de exportação de matérias-primas e com baixa
poupança, as nações sul-americanas são fortemente afetadas por dois
fatores externos que não controlam: preço de commodities e nível dos
juros internacionais.
Eles
construíram um índice baseado nesses dois indicadores, e constataram
que, a partir de 2011, os países sul-americanos vivem o terceiro período
de piora das condições externas desde o início da década de 60.
Daí
que haja insatisfação popular no Chile, Colômbia, Bolívia, Uruguai,
Venezuela, Equador e Argentina – alguns destes países, como Bolívia,
Venezuela e Uruguai, governados (até recentemente, no caso uruguaio)
pela esquerda.
Mas o fato de a insatisfação não ser
especificamente um mal-estar com o liberalismo econômico não deveria ser
um grande conforto para as forças centristas – especialmente aquelas
que ainda acalentam o sonho de governos na região que unam políticas
pró-mercado na economia com ações redistributivas na política social e
uma pauta moderna em termos de valores e comportamento.
Na
verdade, casos como o do Chile, Colômbia (e também do México, pensando
na América Latina como um todo) ilustram a grande dificuldade de os
países da região superarem a chamada “armadilha da renda média” – o
fato de que a maioria das nações empacam na hora de evoluir do nível de
renda média para o padrão de vida dos países avançados.
O próprio
diagnóstico de Campello e Zucco aponta alguns elementos centrais dessa
dificuldade. No caso dos países sul-americanos, mesmo os mais
bem-sucedidos economicamente, permanece um quadro de excessiva
dependência de commodities, baixa poupança e pouca diversificação
industrial.
Há nuances, mas que não modificam o resultado geral. O
Brasil é mais diversificado economicamente, mas com manufaturas pouco
competitivas internacionalmente. O México, estendendo a análise para a
América Latina, tem um setor industrial exportador relevante, mas padece
de distorções microeconômicas que estimulam a sobrevivência e a
ampliação dos segmentos menos produtivos da economia.
O fato,
porém, é que, na América Latina, os países que não estão parados, em
termos de convergência para o nível de renda dos ricos, movem-se muito
devagar.
Ao contrário da Ásia, há uma espécie de envelhecimento
precoce de certas características nacionais. Os países gastam o bônus
demográfico sem uma decolagem econômica vigorosa. Há desindustrialização
com serviços de baixa qualidade, antes que um setor de serviços
sofisticado possa substituir à altura o emprego nas fábricas. A cultura
da primazia dos direitos e reivindicações e a contestação da ética
tradicional ocorrem antes que uma fase mais estoica e industriosa tenha
levado a padrões de renda e educacionais mais elevados.
O
resultado é que a “velocidade de escape” dos países que ainda conseguem
convergir para a renda alta, como o Chile, é baixa. Em momentos de
freada brusca, como a descrita por Campello e Zucco a partir de 2011 (a
velocidade de crescimento do Chile caiu pela metade), as frustrações se
acumulam, grassa um mal estar difuso e as sociedades em convulsão vivem o
risco de decair para o típico populismo distributivo da região – que é
quase sinônimo da armadilha da renda média.
Nesse sentido, o caso
chileno será um importante sinal sobre o futuro da América Latina.
Aparentemente, houve uma saída política racional e sadia para a crise
nas ruas, com a convocação de um plebiscito para dar partida a uma nova
Constituição.
A nova Carta poderá reequilibrar o modelo chileno,
mantendo a racionalidade econômica liberal que permitiu ao país crescer
bem mais que a média da América Latina nas últimas décadas, mas
reforçando políticas sociais e atacando a desigualdade.
Por outro
lado, há o risco de uma Constituição e um processo político posterior de
teor populista, nos moldes do ocorrido no Brasil após a Carta de 1988.
Nesse caso, a convergência chilena será interrompida e o país será
tragado de volta para o pântano de economias atoladas na renda média (ou
até pobre) da América Latina. As grandes manifestações de rua terão
sido um sinal do fim da convergência chilena.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
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