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A prestação de serviços públicos no Chile é regida por regras puramente comerciais, que incluem mecanismos ágeis de exclusão de usuários
*Por Emilio Chernavsky
O que iniciou com protestos
localizados contra o segundo aumento no ano na tarifa do metrô de
Santiago, capital do Chile, se transformou num movimento de grandes
proporções que se alastrou em todo o país e gerou enormes manifestações
populares contra o governo que, recebidas com violenta repressão
policial, resultaram em dezenas de mortes e milhares de presos e
feridos.
Os acontecimentos surpreenderam quem
acompanha à distância os indicadores macroeconômicos do país, que
apontam nas últimas décadas taxas de crescimento entre as maiores da
América Latina, baixas taxas de inflação e contas públicas
equilibradas, dando insumos a órgãos multilaterais como FMI e Banco
Mundial e a analistas conservadores que colocam o Chile como exemplo a
ser seguido.
Na busca por explicações para a explosão
de descontentamento a despeito desses indicadores favoráveis, artigos na
mídia internacional, inclusive em veículos de imprensa liberais como o
britânico Financial Times, passaram a culpar a enorme desigualdade
existente no país. Com efeito, o Chile está entre os países em que a
distribuição da renda é mais desigual; entre os que fazem parte da OCDE,
é disparado (com exceção do México) o mais desigual.
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Mesmo na América Latina, região em que a
renda e a riqueza são mais desigualmente distribuídas, o Chile também
está entre os mais desiguais. Com isso, os maiores benefícios do
crescimento econômico acabam apropriados apenas por parcela pequena da
população, enquanto grande parte dela vive na pobreza.
Mas, se a desigualdade elevada fragiliza a
coesão social e gera descontentamento em todos os lugares em que
ocorre, outros elementos fazem com que, no Chile, ela leve à explosão
que hoje verificamos. No país, o endividamento das famílias é um dos
mais altos entre os países emergentes e, de longe, o mais alto na
América Latina, comprometendo parte relevante da renda da população com o
serviço da dívida.
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Além disso, mais que na maioria dos
países, a prestação de serviços públicos no Chile é regida por regras
puramente comerciais, que incluem mecanismos ágeis de exclusão de
usuários. Quase tudo é pago e, para muitos, caro ou inacessível. As
tarifas dos serviços essenciais de água, energia elétrica e gás recebem
poucos subsídios e ainda remuneram as empresas privadas altamente
lucrativas que os operam, fazendo com que o pagamento por esses serviços
responda no país por parcela particularmente elevada dos gastos das
famílias, em especial no caso das de baixa renda.
Igualmente, a saúde pública é
majoritariamente paga, assim como é a educação superior, o que torna
também a parcela dos gastos com saúde e educação especialmente elevada –
dentro da OCDE, atrás apenas dos EUA e da Suíça. E, como vemos no
seguinte gráfico, o custo desses serviços ainda cresceu nos últimos anos
em ritmo superior ao da inflação geral.
O aumento desse custo e, com
isso, da parcela destinada aos gastos essenciais – logo, pouco
compressíveis –, tem pressionado o orçamento das famílias em um país de
salários relativamente baixos, em que metade dos ocupados ganha menos
que cerca de 1,3 salário mínimo (pouco mais que dois salários mínimos no
Brasil), e onde 80% das aposentadorias são inferiores ao mínimo.
Com menos dinheiro para todas as outras
despesas, tem aumentando nos últimos anos o estresse financeiro ao qual
grande parte da população está submetida, evidenciando os infortúnios de
uma sociedade na qual o acesso a necessidades básicas é quase que
totalmente mercantilizado, sendo negado a quem não dispõe de recursos
para custeá-los. Ajudando a alimentar protestos populares localizados
durante anos, especialmente nas áreas da educação e das aposentadorias,
cujas demandas têm sido encaminhadas de forma insatisfatória pelo
sistema político, o aumento do estresse financeiro certamente contribuiu
também para a explosão atual. O desfecho desta segue em aberto.
* É doutor em economia pela USP.
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