Meio ambiente
Novo estudo alerta que o aquecimento global representa
grande ameaça à saúde das crianças e pode influenciar o futuro de toda
uma geração. "A situação deverá ficar muito pior se não tomarmos medidas
imediatas."
Em Nova Délhi, na Índia, pediatras dizem que os pulmões das crianças
não são mais róseos, mas pretos. O aquecimento do planeta já está
afetando a saúde infantil no mundo todo e moldará o futuro de uma
geração inteira, se não se conseguir limitar o aquecimento global bem
abaixo de 2 °C, aponta o relatório da organização Lancet Countdown para
2019, que mostra o impacto das mudanças climáticas na saúde humana.
"Nos
últimos 30 anos, vimos um declínio progressivo do número de mortes de
jovens, adultos e de crianças", disse à DW o pediatra Anthony Costello,
copresidente da Lancet Countdown. "Mas o que nos preocupa é que todos
esses ganhos possam ser revertidos se não enfrentarmos urgentemente o
problema das mudanças climáticas."
A pesquisa – compilada por 35
instituições globais, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o
Banco Mundial – mostra claramente a relação entre mudanças climáticas,
destruição ambiental e saúde.
As temperaturas crescentes
impulsionam a fome e a desnutrição, e geram um aumento das doenças
infecciosas, em escala e volume, e uma frequência cada vez maior de
eventos climáticos extremos, à medida que a poluição atmosférica se
tornou tão mortal para o pulmão humano quanto o tabaco.
Acesso difícil a alimentos
Um
bebê nascido hoje estará exposto aos impactos das mudanças climáticas
desde o início de sua vida. O aumento das temperaturas, a seca e as
inundações devastam as colheitas, causando queda da produção global.
Isso priva os habitantes de seus meios de subsistência e faz aumentar os
preços dos alimentos, o que por sua vez leva à fome e à desnutrição,
principalmente em países que dependem muito da agricultura, como Burkina
Faso.
"A desnutrição aguda em crianças de cinco anos de idade em
Burkina Faso está acima de 10%", relata Maurice Ye, natural do país
africano e consultor do Programa Nacional de Controle da Malária em
Madagáscar. "Isso aumentará se nada for feito para resolver o problema."
Na
Índia, a desnutrição já é a causa de dois terços das mortes de crianças
com menos de cinco anos, afirma o relatório do Lancet. Embora a
desnutrição esteja frequentemente ligada à fome, ela também pode ser
resultado da ingestão de alimentos pouco saudáveis.
Mas com o
aumento dos preços de produtos básicos, como cereais, os consumidores
são motivados a comprar alimentos processados mais baratos. "Isso
alimenta o outro extremo do espectro da desnutrição, que é o sobrepeso e
a obesidade", explica Poornima Prabhakaran, vice-diretora do Centro de
Saúde Ambiental da Fundação de Saúde Pública da Índia e coautora do
relatório.
Terreno mortalmente fértil
Crianças
menores de cinco anos também sofrerão mais com o aumento de doenças
infecciosas. A elevação da temperatura, a mudança dos padrões pluviais e
os altos níveis de umidade facilitam a disseminação de bactérias que
causam doenças diarreicas, como a cólera, além de criar condições ideais
para a propagação de mosquitos portadores de agentes da malária ou
dengue.
Em 2017, estimativas indicam 435 mil mortes por malária
em todo o mundo, e a cada dois minutos uma criança em algum lugar do
planeta morre da doença, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.
Isso é particularmente preocupante para países como Burkina Faso, onde a
malária causou mais de 28 mil mortes apenas em 2018, estima a OMS.
Mas
as mudanças climáticas também permitirão que esses mosquitos
transmissores de doenças cheguem a novos países, como os do sul da
Europa. Cerca de metade da população mundial corre agora risco de
contrair dengue, diz o relatório do Lancet.
Se sobreviverem à
desnutrição e doenças infecciosas, relata o estudo, as crianças talvez
não sejam poupadas da poluição atmosférica, que pode reduzir sua função
pulmonar, piorar a asma e aumentar o risco de ataques cardíacos e
derrames. A poluição do ar em ambientes externos por micropartículas
(PM2.5 – até 2,5 micrômetros) já contribui para 2,9 milhões de mortes
precoces em todo o mundo.
Calor e frio
A
saúde de uma criança nascida hoje também pode ser prejudicada por
eventos climáticos extremos, como incêndios e ondas de calor. Desde
2001, as populações de 152 países (de um total de 196) vivenciaram um
aumento da exposição a incêndios florestais, resultando em mortes
diretas e doenças respiratórias.
Por sua vez, as temperaturas
recorde são particularmente preocupantes para os idosos com mais de 65
anos de idade. "Os impactos causados pelas altas temperaturas na saúde
incluem exaustão pelo calor, hipertermia e agravamento de doenças
cardiovasculares e respiratórias pré-existentes", explica Prabhakaran. O
calor também pode causar desidratação em crianças e idosos, apontam os
especialistas.
Embora o mundo esteja se aquecendo, o frio também
representa um risco para quem tem pouco ou nenhum acesso à energia.
"Isso mata mais do que o calor em geral", observa Costello. "Mas muito é
devido a fatores sociais." À medida que as desigualdades crescem em
todo o mundo, mais gente se encontra em situação de vulnerabilidade,
aponta o copresidente da Lancet Countdown.
Prabhakaran diz
esperar que os impactos na saúde sejam o ponto de virada para os
legisladores relutantes. "O que precisamos fazer é trazer a saúde para o
centro do discurso. Os impactos da combustão de combustíveis fósseis na
saúde podem ser um forte argumento para o abandono do carvão", afirma a
médica.
Anthony Costello, Maurice Ye e Poornima Prabhakaran
dizem concordar que o primeiro passo para reduzir o sofrimento de todas
as crianças nascidas hoje é a mudança em direção a um mundo
descarbonizado.
Isso é tecnicamente possível, dizem os
especialistas, mas serão necessárias políticas mais rígidas e vontade
política real. A falta de ação não é mais uma opção. "A situação deverá
ficar muito, muito pior, a menos que tomemos medidas imediatas", alerta
Costello.
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