Por Giulia Villa Real Seabra
Imagine
esse cenário: Você teve um dia cansativo, chega em casa e deita no seu
sofá e uma brisa fresca entra pela janela. Você relaxa seu corpo inteiro
e coloca seu fone. Você escuta o som de uma mulher gentilmente falando
dentro de seus ouvidos. Ela sussurra, intimamente exalando sua
respiração enquanto alterna entre um lado e o outro, causando um arrepio
que corre seu corpo. É isso, você acabou de ter um orgasmo cerebral!
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Ou melhor: você é uma das felizardas portadoras da Resposta Sensória Meridiana Autônoma (ASMR, na sigla em inglês para autonomous sensory meridian response).
O nome complicado se refere a uma sensação curiosa e formigante,
conhecida em alguns cantos da internet como um orgasmo cerebral.
Orgasmo cerebral: qual é a sensação
Pessoas
afetadas pelo ASMR costumam ter sensações distintas, o que torna sua
descrição algo complicado. Em alguns casos, estímulos diversos podem
causar reações de prazer físico intenso. Enquanto para outros a resposta
de seu organismo se resume a um quase hipnótico estado de relaxamento e
felicidade.
Porém
uma das reações mais comuns é uma sensação de formigamento no interior e
no topo da cabeça, que pode se estender para baixo pelo pescoço e até
mesmo chegar aos braços e pernas. Os fanáticos pelo assunto afirmam que
há uma distinção óbvia entre o ASMR e um simples arrepio.
Embora
sussurros com uma voz sedosa sejam um dos principais gatilhos, qualquer
coisa entre o som que uma caneta faz quando alguém desenha em um pedaço
de papel e um discurso monótono e ritmado pode causar um episódio,
variando de pessoa para pessoa. E não são apenas estímulos sonoros que
podem fazer você ter uma das sensações de um orgasmo cerebral.
O que pode fazer você ter um episódio de ASMR
Para
algumas pessoas, a sensação de que alguém está se concentrando
exclusivamente em você – como quando um oftalmologista examina seus
olhos ou uma cabeleireira corta suas madeixas – também funciona. Ter
alguém gentilmente traçando linhas nas suas costas ou acariciando seu
cabelo é outra possível causa para a sensação familiar.
Mesmo com
tantas possibilidades, existem também aqueles que simplesmente não
sentem nada. Para saber se esse é o seu caso ou não, a única forma é
testar por conta própria. Ainda que não exista um padrão que funcione
para absolutamente todas as pessoas, há alguns temas que aparecem com
certa recorrência nos relatos de quem já teve um episódio de ASMR:
- Vozes suaves e calmantes;
- Sussurros bem próximos a um microfone ou aos ouvidos;
- Tons de voz equilibrados, controlados;
- Ruídos feitos com a boca, como estalar os lábios;
- Atenção pessoal exclusiva, como receber cortes de cabelo, maquiagem ou exames médicos;
- Ver a realização de trabalhos manuais feitos com precisão;
- Sons de batidas leves e repetitivas em materiais diversos;
- Ruídos suaves de materiais raspando ou cliques sucessivos;
- Manuseio cuidadoso de objetos preciosos;
- “Barulhos brancos”, como zumbidos baixos ou som de chuva.
O embasamento científico
Embora
o fenômeno tenha um nome complicado, existem poucos estudos científicos
sobre o assunto. Segundo o professor Tom Stafford, especialista em
psicologia e ciências cognitivas da Universidade de Sheffield, o
fenômeno pode até ser algo real, mas é inerentemente difícil de estudar.
“A
experiência interior é alvo de muitas investigações psicológicas, mas,
quando você tem algo desse tipo que não se pode ver ou tocar, e que nem
acontece com todo mundo, isso cai em um ponto cego. É como a sinestesia,
que permaneceu como um mito por anos até que, na década de 1990, foi
inventada uma forma de mensurá-la com confiança”, disse.
O termo
ASMR foi criado por Jenn Allen, uma moradora de Nova York, no EUA, que
trabalha no setor de cuidado com a saúde. Ela fundou o Instituto de
Pesquisa ASMR, uma organização não oficial que depende de voluntários.
O
psicólogo e pesquisador do Instituto D’Or Ronald Fischer afirma que há
alguns estudos, porém poucas certezas. “O que sabemos é que, talvez,
haja uma diferença nas conexões cerebrais que faça com que algumas
pessoas tenham realmente uma maior sensação de relaxamento e bem-estar”,
diz para o G1.
Por que o orgasmo cerebral acontece
Algumas
pessoas acreditam que o ASMR é uma resposta residual oriunda da nossa
primeira infância. Um eco da atenção cuidadosa dos nossos pais e do
efeito relaxado da voz de uma mãe sobre seu bebê. Já outros pensam que
isso está mais relacionado a uma questão evolutiva que data de nossas
raízes como primatas, algo como uma recompensa sensorial por nos
submetermos aos cuidados de outros membros dos nossos grupos.
O YouTube
Cientificamente
comprovado ou não, o fato é que tem muita gente que sente e acredita
nos no orgasmo cerebral. Já existe uma sólida e crescente comunidade de
“ASMRístas” no YouTube e em outras páginas, produzindo uma enorme
quantidade de material voltado especificamente para os gatilhos
distintos de seus espectadores.
De acordo com o Google Trends, as
buscas no YouTube para ASMR mais que dobraram de janeiro de 2018 a
janeiro de 2019. São 13 milhões de vídeos sobre o tema. Já o Instagram
registrou mais de 5 milhões de vídeos do tipo, o que colocou o ASMR como
uma das grandes tendências de 2018 na rede social.
Funciona,
basicamente, assim: diante da câmera, os youtubers fazem movimentos
lentos e repetitivos, como o de um lápis escrevendo sobre a folha, e
sussurros e ruídos suaves, tipo o de amassar papéis. Do outro lado, o
espectador vai relaxando. Em “Vídeo para dar soninho”, Mariane Carolina
Rossi, dona do canal Sweet Carol, o maior do Brasil sobre o assunto (1,2
milhão de assinantes e vídeos que somam 220 milhões de visualizações),
bate e arrasta as unhas sobre uma caixa de papelão e faz os sons “tuc
tuc” e “sh sh” com a boca. Em outro, varre suavemente a lente com um
pincel de maquiagem enquanto sussurra palavras gentis.
A jovem criou um canal para falar sobre bullying na
escola, mas mudou o foco para ASMR depois que uma seguidora disse que
sua voz era “calminha e ajudava a dormir”. Passou a ganhar dinheiro e
trocou a carreira de enfermeira pela de ASMRtist, como é conhecido quem
faz esse tipo de vídeo.
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