Igreja Internacional da Graça de Deus/Reprodução
Na
decisão, o tribunal apontou que, além de trabalhar subordinado à
direção da igreja, o pastor precisava cumprir metas mensais de
arrecadação – sob o risco de ser excluído da organização caso não
atingisse os valores. Além de reconhecer o vínculo empregatício ao longo
de mais de oito anos de trabalho para a Internacional, a Justiça
determinou que a Igreja arque com férias não pagas, 13º salário, Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), horas extras e outros direitos
trabalhistas. A ação foi enviada ao Tribunal Superior do Trabalho (TST)
em agosto.
A Pública procurou a igreja, que não respondeu até o fechamento da matéria.
A
segunda entidade religiosa que mais deve à Receita também é evangélica e
neopentecostal: a Igreja Mundial do Poder de Deus, fundada pelo
apóstolo Valdemiro Santiago, outro ex-pastor da Igreja Universal. A
Mundial deve mais de R$ 83 milhões à Receita. Desse total, R$ 5,7
milhões são apenas de contribuições não pagas de FGTS pela organização.
Já
a terceira maior devedora é a católica Sociedade Vicente Pallotti, com
sede em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. A entidade deve mais de R$ 61
milhões à União, R$ 59 milhões de contribuições previdenciárias.
A reportagem buscou ambas as entidades, que não responderam até o momento.Com dívidas milionárias, arrecadação de igrejas cresceu 40% em dez anos.
Igrejas
e organizações evangélicas são a maioria entre as entidades religiosas
que devem à Receita – elas representam mais de 87% do total. Em seguida,
vêm grupos católicos, com cerca de 6%. A dívida das entidades
evangélicas também é maior: juntas, elas devem mais de R$ 368 milhões,
cerca de 80% do total em dívidas. As católicas reúnem cerca de 18% do
valor devido.
Agência Pública
Assim
como ocorre com a Igreja Internacional da Graça de Deus, a maior parte
das dívidas das entidades religiosas com a Receita é previdenciária:
mais de 82% da dívida total das organizações se refere a valores não
pagos em relação aos seus funcionários, como a contribuição ao INSS.
Isso coloca as igrejas em um padrão diferente das dívidas das empresas
não religiosas, nas quais a maior parte dos débitos não é
previdenciária, como o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e a
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Apesar das dívidas, a arrecadação das instituições religiosas vem crescendo ano após ano. Segundo dados obtidos pela Pública,
também por meio da LAI, a arrecadação dessas entidades bateu R$ 674
milhões em 2018. Em dez anos, a quantidade de dinheiro que as igrejas
arrecadaram cresceu cerca de 40%, já corrigida a inflação no período.
A
quantidade de entidades registradas na Receita também tem crescido
anualmente. Em 2018, o número de instituições religiosas no país passou
de 25 mil. Em 2005, não chegavam a 15 mil.
Igrejas tentaram anistia de dívida, apesar de já contarem com uma série de imunidades
A
dívida milionária das entidades religiosas com o governo quase teve um
fim em 2017. Na época, a bancada evangélica havia conseguido incluir as
igrejas nas organizações que teriam anistia de dívidas, na votação da
Medida Provisória do Refis.
As
entidades religiosas já possuem uma série de benefícios tributários,
como explica o professor de direito da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) Paulo Roberto Coimbra.
O
primeiro deles é a imunidade de impostos: “A Constituição prevê uma
imunidade de impostos para templos de qualquer culto. Os templos não
pagam IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano]. Se prestarem algum
tipo de serviço, normalmente de assistência social ou humanitária, esses
serviços não estão sujeitos ao Imposto Sobre Serviços, o ISS. E as
arrecadações de dízimos e ofertas destinadas a essas entidades também
não estão sujeitas ao imposto sobre a renda”, explica.
Além
disso, igrejas podem se beneficiar de imunidade tributária caso se
enquadrem como entidades sem fins lucrativos e tenham ações de
assistência social e educação, ou também se forem enquadradas como
entidades beneficentes. Esses “benefícios” não são automáticos, e as
igrejas precisam cumprir uma série de requisitos, como, por exemplo, não
remunerar seus dirigentes. “Quando essas entidades deixam de atender os
requisitos previstos em lei, aí sim essa imunidade não é reconhecida e
os tributos que deixaram de ser pagos são cobrados pela União”,
acrescenta Coimbra. Parte das dívidas inscritas na União é justamente de
igrejas que consideram cumprir esses requisitos, mas são contestadas
pela Receita e pela Procuradoria da Fazenda.
Um
terceiro ponto é que a legislação prevê isenção de tributos para
ministros de organizações religiosas que vivam em “razão da fé”, isto é,
que recebam apenas uma ajuda de custo da igreja para manter os custos
básicos de vida. “Não é toda pessoa que trabalha em uma igreja que teria
essa isenção. Se um religioso recebe valores que são notadamente muito
superiores àqueles necessários à sua subsistência, aí nós podemos ter
questionamentos”, define Coimbra.Dessa
forma, os R$ 460 milhões de dívidas de entidades religiosas com a
Receita são apenas as que não foram enquadradas em nenhuma dessas três
situações. E, como ressalta a professora Tathiane Piscitelli, da
Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, as
organizações podem recorrer da decisão da Receita de inscrever suas
dívidas no cadastro, além da possibilidade de brigar na Justiça para
ampliar a imunidade em relação às atividades das igrejas.“Há
um debate sobre a conveniência de se manter essa imunidade sobre os
templos. Há quem aponte que ela protege a liberdade religiosa, mas há
entidades que têm estrutura empresarial e não são tributadas. Muito
facilmente você constrói uma narrativa que a televisão ou outra
atividade é essencial para a propagação da religião. E é exatamente esse
o ponto de quem critica a imunidade, porque ela pode abrir brecha para
situações de abuso”, avalia.Tathiane
cita o embate jurídico entre a Igreja Universal (que deve R$ 222 mil à
Receita) e o estado de São Paulo e a Receita: a igreja foi contra o
pagamento de quase R$ 2 milhões de ICMS e outros impostos sobre a
importação de pedras de Israel para construção do Templo de Salomão, no
centro de São Paulo. “Houve um grande debate no Judiciário e o STJ
reconheceu a existência da imunidade porque se destinava à construção do
templo”, conta. A universal teria gasto cerca de R$ 400 milhões com o
Templo de Salomão.
Como uma dívida entra no cadastro do governo
Uma
dívida entra na lista ativa da União após o responsável pelo débito não
pagar o valor espontaneamente, o que leva a Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional (PGFN) a entrar com processo de execução fiscal.
Enquanto não é paga, a dívida é atualizada mensalmente pela taxa Selic.Pessoas
e empresas que estão no cadastro de dívidas não conseguem certidão de
regularidade, o que as impede de tomar financiamentos públicos. A
cobrança eventualmente chega à Justiça, que pode penhorar bens dos
devedores, como imóveis e veículos, para cobrir o valor devido.
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