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“Sem ingressar na etapa 4.0, o Brasil não vai conseguir agregar valor aos seus produtos”
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A decisão de realizar a sondagem foi
tomada pelo vice-presidente da Fiesp, José Ricardo Roriz Coelho, depois
de visitar empresas e instituições na Ásia, EUA, Alemanha e Itália para
observar a implantação da Indústria 4.0 nas economias mais dinâmicas. O
empresário voltou preocupado com a diferença de ritmos em relação ao
processo brasileiro e resolveu fazer a sondagem em 417 companhias locais
entre pequenas, médias e grandes para comparação com levantamento
anterior do mesmo tipo.Os resultados reforçaram suas apreensões. Entre 2017 e novembro deste ano, caiu de 30% para 23% o total de empresas que implantaram alguns dispositivos da Indústria 4.0, apesar do maior conhecimento dos empresários sobre o assunto. Diminuiu também, de 35% para 22%, a parcela que acredita que a 4.0 trará um progresso significativo para sua firma e só 3% sente-se bem preparado para dar conta das inovações.
A participação da manufatura no PIB caiu para 11,1% entre janeiro e outubro, o menor índice em 73 anos“No Brasil, provavelmente devido à crise e sua duração, as empresas estão muito concentradas na sobrevivência financeira, mas o mundo digital avança em alta velocidade e estamos ficando para trás. É preocupante, pois vamos nos distanciar dessas plataformas digitais e também das empresas-âncora das cadeias de suprimento, onde quem não está digitalizado fica fora. Se a Indústria 4.0 e a produtividade não avançarem, as empresas brasileiras, inclusive as médias e pequenas, ficarão à margem da cadeia de suprimentos desse mundo onde as novas tecnologias estão inseridas”, alerta Roriz Coelho.
As novas tecnologias incluem Sistemas ciberfísicos (CPS), Big Data Analytics, Computação em Nuvem, Internet das Coisas (IoT) e Internet dos Serviços (IoS), Impressão 3D e outras formas de manufatura aditiva, Inteligência artificial, Digitalização, Colheita de Energia (Energy Harvesting) e Realidade Aumentada, entre outras.
Produzir unidades tornou-se viávelA combinação dessas tecnologias na prática foi resumida pelos pesquisadores da Technische Universität Dortmund, da Alemanha, Hermann, Pentek e Otto, nesta descrição: “No interior das fábricas inteligentes e modulares da Indústria 4.0, sistemas ciberfísicos (CPS) monitoram processos, criam uma cópia virtual da realidade e tomam decisões descentralizadas. Através da Internet das Coisas (IoT), os CPS se comunicam e cooperam entre si e com seres humanos em tempo real, e através da Internet dos Serviços (IoS) são oferecidos serviços organizacionais internos e externos, utilizados por participantes desta cadeia de valor”.
A Indústria 4.0, prosseguem os economistas, cria e articula fábricas inteligentes em um sistema produtivo e de comercialização distinto do tradicional. As empresas estabelecem redes globais com os seus equipamentos, depósitos e unidades de produção articulados aos sistemas que incluem máquinas, sistemas de armazenagem e unidades de produção inteligentes, capazes de trocar informações de forma autônoma e de desencadear ações e controles mútuos de modo independente.
Os produtos das fábricas inteligentes possuem identidade única e a sua história de frabricação e consumo pode ser rastreada a qualquer momento, permitindo mudanças importantes ou ajustes pontuais ao longo dos processos de produção. Os sistemas de fabricação estão conectados verticalmente aos processos das fábricas e das empresas e horizontalmente a outras redes de valor e podem ser geridos em tempo real desde a emissão do pedido até a expedição. Uma consequência de grande impacto desta transformação é a possibilidade de eliminação de estoques e a fabricação sob demanda de lotes mínimos, inclusive unidades.
A implementação da Indústria 4.0 atrai grande interesse no mundo, sublinha Roriz Coelho, por proporcionar um salto de produtividade. “Antes, quando se aumentava a produtividade em um processo industrial, obtinham-se ganhos de 3% a 5% e era muito. Hoje, com a utilização dessas tecnologias, aumentos de 25% são comuns. O Brasil, entretanto, desindustrializa-se.”
O processo regressivo está no seu ponto mais profundo, calcula o economista Paulo Morceiro, pesquisador do Núcleo de Economia Regional e Urbana da USP e da Fipe, da mesma universidade. A indústria de transformação contribuiu com apenas 11,1% do PIB do Brasil nos três primeiros trimestres de 2019, o menor grau dos últimos 73 anos. Em 1986, representou 27,3% do PIB, a proporção mais elevada desde 1947. O problema é que não há país desenvolvido nem emergente bem-sucedido que alcançou essa condição com um setor industrial abaixo de 25% do PIB, mostra outro levantamento da Fiesp.
A crise da dívida externa dos anos 1980, apontam vários economistas, prejudicou a inserção na chamada terceira revolução industrial. “O Brasil chegou a instalar, a partir de recursos próprios e aportes externos significativos, os setores metalmecânico, eletromecânico e químico de produtos de alto volume, mas não foi capaz de fazer o mesmo com a microeletrônica e a química fina. Ambos possuem em comum importância tecnológica elevada e estão associados a avanços em outras áreas”, registra trabalho do Iedi realizado por uma equipe chefiada pelo economista e especialista em inovação João Furtado.
A quarta revolução industrial acelera os ganhos de produtividade e amplia o fosso entre incluídos e excluídos“A percepção de que a microeletrônica era um setor estratégico”, prosseguem os autores do estudo, “percorreu as políticas nacionais em muitos países relevantes em termos industriais, mas poucos conseguiram posicionar-se como fabricantes qualificados dos elementos básicos da eletrônica. Entretanto, quase todos foram capazes de absorver os elementos fundamentais da revolução microeletrônica, incluindo processos produtivos dotados de graus elevados de automação e eficiência. Essa herança é um alicerce fundamental para informar a reflexão sobre a nova fase de desenvolvimento produtivo, a Indústria 4.0.”
Segundo o estudo, três limitações principais complicam o pleno desenvolvimento da Indústria 4.0 no País. A primeira refere-se à própria estrutura industrial, prejudicada pelo fato de o Brasil não ter conseguido acompanhar o avanço do restante do mundo em setores fundamentais para o desenvolvimento das tecnologias necessárias, como é o caso mencionado acima, da microeletrônica. A segunda são as características do consumo interno que, ao contrário dos países desenvolvidos, não favorece a forte diferenciação dos produtos possibilitada pela Indústria 4.0. A terceira limitação é que, devido a essas deficiências, o Brasil corre o risco de se transformar, ainda mais, em mercado-alvo da produção chinesa.
Roriz Coelho: os bons empregos estão na indústriaApesar do quadro desfavorável, entretanto, “as janelas de oportunidade de um novo paradigma existem”, pontua o trabalho, “mas envolvem algum tipo de compromisso de produtores e usuários das soluções da Indústria 4.0 para o estabelecimento de trajetórias factíveis, com custos e benefícios distribuídos ao longo do tempo de forma equânime entre as partes interessadas. O maior desafio para o Brasil é o da construção de uma estratégia consensual entre os principais interessados, sejam usuários do modelo, sejam produtores dos seus componentes materiais e de serviços”.
A escolha do modelo de incorporação rápida dos componentes da Indústria 4.0 por meio de importações, advertem os autores do trabalho do Iedi, assegura ilhas de modernidade, mas desperdiça oportunidades industriais e sua difusão pelo sistema produtivo. A opção pelo modelo de produção nacional de soluções desta nova fase pode ampliar o desenvolvimento tecnológico e as oportunidades, com difusão mais ampla do padrão. “Apesar dos riscos que acompanham esta última opção, ela deveria estar no centro da política industrial do País. A hesitação entre uma estratégia rápida de assimilação dos componentes do modelo por meio de importações e uma de produção local estimulada por políticas pode criar o pior das duas fórmulas.”
As mudanças promovidas pela Indústria 4.0, sublinham, “apresentam um potencial bastante promissor para combater o modelo de produção em larga escala e baixo custo dos países emergentes, bem como os seus efeitos nos fluxos de comércio e, ao menos parcialmente, na desindustrialização”.
Não há alternativa, destaca Roriz Coelho: “O que vai acontecer é que, sem ingressar na etapa 4.0, o Brasil não vai conseguir agregar valor aos seus produtos. Nós estamos fazendo aberturas comerciais através do Mercosul com a Associação Europeia de Livre Comércio (bloco formado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein) e a União Europeia e corremos o risco de importar produtos de alto valor agregado, com um conteúdo tecnológico muito mais elevado e ficar exportando só minério, grãos e petróleo. Isso é muito ruim, porque os bons empregos estão associados à indústria. Estamos batendo recorde na agricultura, na exportação de petróleo, de minérios, mas o padrão de vida do brasileiro é muito baixo, a renda per capita é baixa e há um desemprego muito alto”.
Estamos destinados a exportar grãos?Embora seja bom exportar esses produtos, diz Roriz Coelho, “não é isso que vai resolver a necessidade de criar renda e melhorar a qualidade de vida da população. Só se fará isso a partir do momento em que houver empregos de boa qualidade e essa indústria que usa tecnologia é que vai trazer isso e fazer com que o Brasil seja competitivo e possa exportar produtos mais elaborados. Nós temos de acelerar esse processo de introduzir essas tecnologias aqui no País”.
Roriz Coelho, da Fiesp: “Sem ingressar na etapa 4.0, o Brasil não vai conseguir agregar valor aos seus produtos”A situação é preocupante, conclui-se, e tende a ficar ainda pior sob a política econômica de Paulo Guedes de fechar os olhos para os avanços da indústria no mundo e só estimular a produção de commodities, caminho certo para o Brasil não se desenvolver.
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