Brasil
Ativistas denunciam aumento de ataques contra
comunidades indígenas e postos da Funai. Órgãos de segurança e militares
não conseguem controlar a situação, e governo fala em liberar terras
para exploração econômica.
No oeste da Amazônia, na fronteira com o Peru e a Colômbia, se
estende a segunda maior reserva indígena do Brasil, a terra
indígena (TI) Vale do Javari. A Funai contabiliza oito povos indígenas
isolados na região, a maior concentração mundial desses povos.
"São
os últimos seres humanos que escolheram viver de forma autônoma de
fato e fora desse mundo louco e materialista como o nosso", diz Beto
Marubo, ativista indígena do Vale do Javari. Sua tribo, a dos marubos,
tem contato com a civilização há 100 anos. Outras etnias, como os
corubos, ainda estão parcialmente isoladas. Elas são as que correm o
maior risco. "Uma gripe pode matá-los em três dias", conta Beto.
Eles
também não conhecem, na hora de caçar, os limites da floresta
estipulados em mapas. "É por isso que é tão importante proteger o meio
ambiente no qual eles sobrevivem", afirma Beto. Mas os conflitos
violentos no Vale do Javari estão aumentando, e mesmo os postos de
proteção da Funai estão sendo atacados. O posto de Itui-Itacoai foi
atacado a tiros oito vezes em 2019. Um funcionário da Funai foi
assassinado em setembro. "Essas bases não oferecem nenhuma segurança
para alguém ficar ali".
Há alguns dias, 20 soldados da Força
Nacional estão substituindo os funcionários da Funai que foram retirados
em novembro. No entanto, a missão é limitada a seis meses. Beto
ressalta que também faltam os equipamentos necessários e que não há um
plano de longo prazo para proteger as áreas. "O governo não tem o menor
interesse que isso funcione."
Em vez disso, o que se ouve do
governo é que os indígenas são preguiçosos e que as reservas são um
obstáculo ao desenvolvimento. Existe a intenção de abrir as terras
indígenas para mineração, produção de madeira e agricultura. "Isso cria
um ambiente de hostilidade e de violência, tendo o aumento das queimadas
na Amazônia e o aumento de violência contra os indígenas como
resultado", avalia Beto.
Mas não são apenas os agricultores
brancos que estão aumentando a pressão sobre as áreas indígenas. No Vale
do Javari, contrabandistas têm como alvo peixes ornamentais e
tartarugas ornamentais, que são vendidos em grandes quantidades nos
mercados negros de Colômbia, Brasil e Peru. A mídia também especula
sobre a conexão dos bandos com o narcotráfico. "A gente ainda não tinha
visto estes casos de violência extrema, mas estamos vendo acontecer em
muitas regiões da Amazônia", conta Beto.
Como no Maranhão, no
extremo leste da Amazônia, onde quatro indígenas do povo guajajara foram
mortos nas últimas semanas. Eles se tornaram conhecidos mundialmente
como "guardiões da floresta", porque agem de forma independente contra
os comerciantes ilegais de madeira e protegem os awás-guajás isolados. O
governo também enviou soldados para a área.
No curto prazo, isso
faz sentido, mas não substitui a proteção estruturalmente melhorada dos
territórios, segundo um funcionário da Funai que falou à DW Brasil em
condição de anonimato. "Os órgãos de segurança pública e Forças Armadas
atualmente não têm ação rápida e eficaz, ignorando, assim, as
atribuições de proteção territorial que têm junto aos povos indígenas",
acrescentou.
Na
campanha eleitoral do ano passado, o então candidato Jair Bolsonaro
prometeu interromper a concessão de terras aos povos indígenas. A
Constituição de 1988 garante aos povos indígenas o direito a suas áreas
de assentamento.
Até o momento, 486 áreas foram oficialmente
reconhecidas, outras 236 ainda estão em processo de legalização que, de
acordo com a Constituição, deveria ter sido concluída até 1993. Em
novembro, a Funai proibiu seus funcionários de viajar para territórios
não reconhecidos oficialmente. Milhares de povos indígenas estão, assim,
impedidos de receber apoio e proteção.
Comércio ilegal de terras
Um perigo adicional às terras indígenas é representado também por um decreto presidencial emitido na semana passada, que permitirá a dezenas de milhares de pequenos agricultores ganhar o título da terra que cultivam.
O
decreto se aplica às terras de até 2.500 hectares ocupadas pelos
agricultores antes de maio de 2014. Até agora, regulamentos especiais
eram aplicados a essa região. O decreto, segundo especialistas, pode
incentivar a grilagem, que é a ocupação ilegal de terras a partir de
fraudes ou falsificações de documentos. "Isso facilita a grilagem e
beneficia o agronegócio", concorda o funcionário da Funai.
O
Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica
brasileira, também está preocupado. A entidade registrou um aumento na
atividade ilegal em áreas indígenas entre de janeiro a novembro deste
ano, de 111 em 2018, para 160.
"O governo sinalizou para os
produtores rurais, os madeireiros, as mineradoras e os pecuaristas que
não daria continuidade à demarcação e regularização dos territórios e
utilizaria esses territórios para a exploração econômica",
lamenta Antonio Eduardo Oliveira, diretor do Cimi. "Esse discurso do
governo acabou servindo de incentivo a essa violência."
"As
forças de segurança e o Exército estão atualmente impossibilitados de
agir com rapidez e eficácia, e estão falhando em proteger os povos
indígenas e seus territórios", acrescenta Oliveira.
O Cimi está
atualmente tentando estabelecer um diálogo. No entanto, os órgãos do
governo não recebem os povos indígenas desde janeiro. Até a Funai vem se
recusando a recebê-los, afirma Oliveira. "Eles argumentam que esses
indígenas não são legítimos representantes dos seus povos, pois não
foram nomeados pelo governo. Para eles, são bandidos que atrapalham o
desenvolvimento."
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