Lourival Sant’Anna
18 de dezembro de 2019 |
18 de dezembro de 2019 |
O
educador pernambucano Paulo Freire (1921-1997) deu contribuições
mundialmente reconhecidas à teoria construtivista na ciência da
pedagogia. Confundir o aspecto técnico de sua obra com suas posições
ideológicas é incorrer no mesmo erro que a esquerda frequentemente
comete: colocar a ideologia acima da técnica.
Paulo
Freire demonstrou a importância do mundo e da experiência concreta na
aprendizagem, a começar pela alfabetização. Sua teoria deu nova dimensão
ao construtivismo, que por sua vez é o conjunto mais avançado de
ferramentas de ensino.
Se
o construtivismo tivesse sido incorporado maciçamente, com as devidas
adaptações, à educação pública e privada no Brasil, estaríamos em outro
patamar. Exemplo disso é a forma como a língua portuguesa é ensinada até
hoje. Somos obrigados a aprender análise sintática, como se todos
fôssemos nos tornar linguistas. Nos Estados Unidos, por exemplo, os
professores ensinam que, “se soa bem, está correto”. O aprendizado da
língua é consequência da experiência com a própria língua, tanto oral
quanto escrita. O que não anula as regras da chamada norma culta. Ao
contrário. Apenas facilita sua assimilação.
O
resultado da abordagem vertical, “científica”, do ensino da língua
portuguesa é a falta de intimidade dos brasileiros com seu próprio
idioma, e os erros grosseiros de gramática e ortografia que presenciamos
cotidianamente. O mesmo problema se estende a todas as outras
disciplinas, e por isso estamos em 57.º lugar, de 79 países, no ranking do Pisa
(Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). O ensino está
apartado do mundo concreto, o lugar em que as coisas fazem sentido para
as pessoas.
Quem já assistiu a uma audiência em tribunal no
Brasil, em que o réu é uma pessoa com baixo grau de instrução,
testemunhou o quanto a distância criada pela língua erudita, e pelos
jargões técnicos do direito, impede a compreensão, interdita o acesso
aos motivos de uma decisão que poderá mudar o destino dessa pessoa para
sempre. Qual a função pedagógica de uma decisão da Justiça que não pode
sequer ser compreendida pelo condenado?
Nosso país funciona mal
porque não temos cidadãos capazes de decifrar o mundo em que vivem.
Paulo Freire lançou luz sobre essa questão. Não é preciso acatar as
soluções por ele sugeridas para apreciar o valor de seus insights.
“Pedagogia
do Oprimido”, uma das principais obras de Paulo Freire, era, em 2016, a
terceira obra mais citada em trabalhos de ciências sociais, segundo o Google Scholar.
Paulo
Freire não está acima de críticas. Ninguém está. Mas merece o respeito
de quem, como eu, discorda de suas posições ideológicas. Deve ser
tratado como um ativo do Brasil. Não conseguir fazer isso é estar preso
nos anos 60, na guerra fria, olhar o mundo pelo retrovisor.
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