terça-feira, 17 de dezembro de 2019

O jogo de poder na transferência da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém

Diplomatas ouvidos pelo HuffPost dizem que atual gestão da Apex é contra mudança de Tel Aviv, que foi articulada pelo antecessor. Agência nega.

GIL COHEN-MAGEN via Getty Images
Eduardo Bolsonaro ao lado do premiê israelense Benjamin Netanyahu e sua esposa, Sara, na cerimônia de abertura da Apex em Jerusalém.
O escritório da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) em Jerusalém, inaugurado no fim de semana, é o primeiro passo para levar para lá a embaixada brasileira em Israel, atualmente em Tel Aviv. Promessa de campanha de Jair Bolsonaro, a medida foi anunciada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao discursar na inauguração da representação brasileira na cidade.
A estratégia não conta com a simpatia do atual presidente da Apex, almirante Sergio Ricardo Segovia Barbosa, segundo diplomatas e fontes do Planalto ouvidos pelo HuffPost. O movimento foi iniciado, no começo do ano, pelo então presidente da agência, Mário Vilalva - o segundo a assumir o cargo, em 9 de janeiro -, ao lado do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
O texto desta reportagem foi corrigido depois que a assessoria da Apex procurou o HuffPost, alegando que informações que constavam na publicação original não foram verificadas com a agência. De fato, o HuffPost procurou a Apex, mas não questionou sobre as informações sobre Segovia. A assessoria da Apex acrescenta que não é responsável por questões que envolvem embaixadas — isso é incumbência do Ministério das Relações Exteriores.
Existe um entendimento compartilhado entre a maioria da ala militar do governo, que incluiria o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, Augusto Heleno, de que as coisas devem ser mantidas como estão, sob pena de prejuízos econômicos por meio de retaliações comerciais pelos árabes. A Apex nega que Segovia tenha essa compreensão.
Na queda de braços entre diferentes setores do governo, contudo, a tríade que controla a política externa acabou vencendo: além de Ernesto, Eduardo Bolsonaro e o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Filipe Martins.
 Também presente à inauguração do escritório em Jerusalém, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, comemorou no Twitter e ainda agradeceu o compromisso de Bolsonaro, a quem chamou de “amigo”, em abrir a embaixada em Jerusalém em 2020. Eduardo, contudo, não adiantou data para a transferência de Tel Aviv para lá.

Questão milenar

A ocupação israelense em Jerusalém é considerada ilegal pela ONU (Organização das Nações Unidas). Uma resolução da entidade determina que o destino da cidade sagrada para as três religiões monoteístas — cristãos, muçulmanos e judeus — deve ser decidido em negociações entre Israel e a Palestina. A área de Jerusalém é reivindicada pelos palestinos como capital de seu futuro Estado.
Retirar a embaixada de Tel Aviv é uma demanda do núcleo evangélico da política brasileira. A decisão de instalar um escritório de negócios em Jerusalém foi uma saída diplomática encontrada para equilibrar a exigência do eleitorado evangélico bolsonarista e a preocupação do mercado de que a mudança pudesse afetar a relação bilateral do Brasil com países árabes, atualmente grandes compradores de bens agrícolas e carnes. Temem-se retaliações.
Em visita ao Oriente Médio, Jair Bolsonaro recebeu promessas de investimentos no País. Mas não se sabe como esses países reagiriam caso efetivada a transferência da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém. A questão na região é milenar e, no fim das contas, mais diplomática que comercial.
Uma ala ponderada do Itamaraty acredita que a pressão econômica pode vencer neste caso e impedir a mudança de endereço. Tel Aviv é a capital comercial de Israel, enquanto não há grandes movimentações em Jerusalém.
Há uma outra avaliação nos bastidores também: de que há questões eleitorais por trás. Ao deixar “vivo” o discurso de que, sim, haverá a transferência da embaixada, o clã Bolsonaro mantém colado em si o núcleo evangélico que lhe fez a solicitação. E pode adiar a transferência até 2021, 2022, para deixar essa promessa viva na memória deste eleitorado, bastante caro.

Sinais

Antes de participar da inauguração do escritório da Apex em Jerusalém e dizer que este é o primeiro passo da embaixada lá, Eduardo Bolsonaro visitou, no dia 4 de dezembro, um assentamento israelense na Cisjordânia considerado ilegal pelo direito internacional e por resoluções do Conselho de Segurança da ONU. O local é evitado por autoridades em visitas de Estado. O deputado está em viagem pelo Oriente Médio desde o início de dezembro como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. 
Em artigo publicado no site da Federação Árabe Palestina no Brasil (Fepal), o presidente da entidade, Ualid Rabah, chamou de “reprovável” a visita de Eduardo, afirmando ainda que o 03 é portador de “olímpica ignorância sobre o tema para legitimar a ocupação, o genocídio, o apartheid, para, enfim, defender os crimes de lesa humanidade que o regime supremacista e de segregação racial israelense promove contra o povo palestino”.
Alegou ainda que o filho do presidente Jair Bolsonaro desrespeitou a Constituição, o que “o coloca, inclusive, em flagrante possibilidade da perda do mandato”, invocando o artigo 4º, que trata das relações internacionais. “Ao fim e ao cabo, só se compreende esta atitude de Eduardo Bolsonaro no seguinte contexto geopolítico: avalizar a anexação de toda a Palestina por Israel e dar apoio, ainda que implícito, do Brasil à nova posição dos EUA sobre a questão dos assentamentos israelenses, segundo a qual estes não afrontam o Direito Internacional”, escreveu Ualid Rabah.

Relação com Israel

Já de olho na campanha presidencial De 2018, Bolsonaro visitou Israel em 2016 e foi batizado no Rio Jordão pelas mãos do Pastor Everaldo, presidente do PSC. Foi quando o tema da embaixada em Jerusalém se consolidou em seu discurso.
A estratégia de mudar o endereço da embaixada aproximaria ainda mais o Brasil das políticas adotadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com quem Bolsonaro tem tentado se alinhar.
Apenas os EUA e a Guatemala têm embaixadas em Jerusalém. O Paraguai chegou a fazer a troca em 2018, mas voltou atrás.

 

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