Por Juliana
Fronckowiak Geitens e Matheus Collaço | 19/12/2019
Capaz de atuar do mega ao micro, Sirius, que tem o
tamanho de um estádio de futebol, pode ajudar na erradicação da fome, na cura
de doenças graves e no descobrimento de materiais biorrenováveis para as
indústrias brasileiras
Com as
dimensões de um estádio de futebol, laboratório fica localizado na cidade de
Campinas (SP)
Parece
até ilógico um laboratório científico, de dimensão e formato parecidos com um
estádio de futebol, auxiliar nos estudos de partículas menores que o diâmetro
de um fio de cabelo. É exatamente o que faz o Sirius, um mega laboratório
situado na cidade de Campinas, no interior de São Paulo, mais especificamente
no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).
Quando
ficar pronto, o que deve acontecer no segundo semestre de 2020, o Sirius
contará com uma avançada tecnologia para pesquisas microscópicas, o que pode
auxiliar em diversos setores da sociedade e pode até resolver questões
mundiais, como a fome, de um planeta que tem cada vez mais pessoas e menos recursos.
"Queremos
entender como os sistemas que compõem os diferentes solos funcionam. Por este
motivo, precisamos analisar dados cada vez menores, para ter a dimensão correta
de com o que estamos lidando", afirma o pesquisador Dean Hesterberg,
que atua na área de agricultura e ciências ambientais.
Segundo
ele, o Sirius ajudará a resolver questões como a incapacidade de produção de
alguns solos existentes no planeta, contaminados por determinadas substâncias
que inviabilizam o cultivo e, assim, diminuem a capacidade máxima de produção.
Com a ajuda da tecnologia , os pesquisadores poderão identificar os
problemas de cada local e encontrar formas de resolvê-los.
"Se
conseguirmos uma imagem de como as partículas são compostas, definir quais os
tipos de minerais estão contidos ali, podemos restringir o problema. Sem a
máquina correta, jamais conseguiríamos entender o que existe naquele solo.
Saber isso nos dá a chance de pensar nos problemas de uma forma mais concreta e
relevante", afirma.
"O
Sirius ajuda a entender quais as concentrações de cada um dos componentes. Qual
deles eu tenho menos ou mais. É bastante desafiador poder acompanhar isso em
tempo real e descobrir isso. É exatamente o tipo de coisa que nós esperamos ser
capazes de fazer aqui: experimentos em tempo real de partículas bem pequenas. E
os raios-x do síncrotron são muito bons para que possamos realizar isso.
Assim, poderemos atingir um novo nível de eficiência para os sistemas de
agricultura", finaliza ele.
Mas o que exatamente o Sirius faz?
Dá pra
enxergar de longe. Abrigado em um prédio de 68 mil metros quadrados e contando
com uma avançada tecnologia para pesquisas microscópicas, o Sirius pretende
atrair pesquisadores de diversas partes do mundo a partir do segundo semestre
de 2020, quando deve ser entregue.
“Está
vendo aquele 'colchão' de concreto ali? Isso é como se fosse uma 'tampinha'.
Cada um daqueles blocos pesa 19 toneladas e tem um metro de espessura de
concreto”, diz Luciana Noronha, jornalista do CNPEM, apontando para as três
estruturas de concreto que tampam, horizontalmente, o túnel que abriga um
acelerador de partículas (uma circunferência gigante também feita de concreto)
e que parecem minúsculas diante da estrutura do laboratório.
Essa
‘tampinha’ a qual Luciana se refere é responsável por bloquear a radiação, para
que ela não ultrapasse a parte interna do laboratório, onde os elétrons
ficam armazenados, e não entre em contato com as pessoas que irão trabalhar no
local.
Lá
dentro, a estabilidade é precisa. Para se ter uma ideia, se um carro, moto ou
caminhão se locomover com máxima velocidade na parte interna do laboratório,
não haverá nenhum tipo de instabilidade, tremedeira ou oscilação no
piso. O maior acelerador, que tem 520 metros, foi planejado para ter um
desnível de menos de 2 centímetros em 10 anos de uso. Para garantir essa
estabilidade, os engenheiros tiveram que cavar 15 metros para baixo do chão e
cravar 1300 estacas no solo antes de construir os aceleradores.
Dentro
dele, existem três aceleradores de elétrons: o acelerador linear, onde
os elétrons começam a ser acelerados, o injetor, onde eles ganham mais energia,
e o anel de armazenamento, onde vão emitir a tal ‘luz síncrotron’, que é o que
realmente interessa para a pesquisa no Sirius.
A nível
de comparação, o corpo humano é formado por 7 octilhões de átomos, e um
elétron é uma partícula subatômica - ou seja, ainda menor que um átomo. O
objetivo do Sirius é gerar a luz síncrotron e, para isso, é necessário acelerar
uma partícula que tenha carga elétrica. Quanto menor for a massa da partícula,
mais potência de luz é gerada. Isso explica o porquê do elétron ser utilizado.
Gustavo
Lombardi, mestre em Física da Matéria Condensada e bolsista no CNPEM, explica
que quando a luz síncrotron incide sobre qualquer tipo de amostra, sofre várias
interações. “A luz pode ser absorvida, refletida, difratada…Usando raios-X, que
é uma radiação de alta energia, ela consegue penetrar profundamente nos
materiais e interagir diretamente com os átomos desse material”.
Analisando
a interação da luz com a material, os pesquisadores conseguem obter informações
não só de quais átomos estão presentes ali, mas também como estão arranjados e
interagem entre si. Isso é essencial para descobertas em todos os campos
científicos.
Inicialmente
avaliado e pactuado com o Ministério da Ciência e da Tecnologia, o projeto foi
orçado em R$ 1,8 bilhão. Até agora, recebeu R$ 1,5 bi. O restante do valor -
cerca de R$ 300 milhões - deverá entrar até o final de 2020, quando o projeto
deverá ser concluído. Segundo o CNPEM, não houve corte nos repasses, apenas
alguns atrasos de recebimento.
O Sirius
é o que Luciana chama de “projeto estruturante” para o Brasil, já que além de
trazer benefícios para o mundo científico no futuro, trouxe benefícios para
empresas brasileiras desde que foi pensado, em 2012. Cerca de 85% da tecnologia
utilizada no laboratório foi produzida por empresas brasileiras, em meio a um
momento de crise política e econômica.
“O
primeiro acelerador foi projetado num período de crise que impossibilitou a
importação de equipamentos, o que criou a necessidade de se habilitar pessoas e
empresas para melhorarem a tecnologia e projetarem equipamentos sofisticados“,
afirma Reberson Ricci, jornalista do CNPEM.
O Nanomundo
Imagine
uma formiga caminhando no corpo de um elefante. No mundo científico, o elefante
seria a célula, enquanto a formiga seria uma nanopartícula. Se algum
pesquisador brasileiro quisesse analisar em que parte do corpo do elefante a
formiga está e qual caminho percorreu na vasta extensão do corpo do paquiderme,
provavelmente teria que ir para à Suécia.
Isso
porque a tecnologia brasileira ainda não permite enxergar com precisão detalhes
sobre a interação da ‘formiga’ com o ‘elefante’, apenas partes isoladas. “Hoje
em dia, ou você consegue focar na formiguinha e ver a interação dela com o pelo
do elefante ou você consegue olhar o elefante inteiro, sem ver a formiga”,
disse Mateus Cardoso, pesquisador do Laboratório Nacional de Nanotecnologia
(LNNano).
Atualmente
Mateus coordena um grupo de 10 pessoas que desenvolvem nanopartículas
utilizadas em tratamentos médicos. O grande foco das análises são linfomas,
vírus como HIV e Zika, células tumorais e bactérias multirresistentes. Cada
membro do grupo tem um alvo diferente de pesquisa.
Para a
equipe, o Sirius será de grande utilidade e “vai revolucionar a pesquisa
científica”, na medida em que os pesquisadores poderão acompanhar com exatidão
onde a nanopartícula está dentro da célula, qual caminho fez para entrar nela e
de que forma age lá dentro.
E por que
isso importa? De posse dessas informações, os pesquisadores poderão criar
nanopartículas que sejam mais efetivas no tratamento de qualquer tipo de
doença: “você consegue saber qual é a via que a nanopartícula entra, por onde
passa e quais são as organelas que afeta. A partir disso, você consegue
desenvolver medicamentos muito mais potentes e eficazes”, diz Matheus.
Muitos
dos tratamentos quimioterápicos já são feitos com nanopartículas no Brasil, mas
não são partículas que agem de forma seletiva na região doente. Portanto, o que
costuma acontecer em um universo quimioterápico convencional são os famosos
efeitos secundários, como a queda de cabelo, justamente porque o
medicamento acaba matando tanto as células doentes, quanto as sadias.
“O que a
gente está tentando fazer é exatamente isso: criar nanopartículas que tenham um
‘faro’ para a região doente, atacando só o alvo e sem afetar as células
sadias”, afirma.
Por
enquanto, os pesquisadores fizeram todos os testes em laboratório, chamados de
experiências ‘in vitro’. Entretanto, para que as nanopartículas possam sair do
laboratório e atender a população brasileira, testes ‘in vivo’ - ou seja, em
animais ou em seres humanos - precisam ser feitos.
É
importante ressaltar que a função da equipe foca na pesquisa básica. A
produção e comercialização desses medicamentos depende de outros processos,
normalmente ligados à indústria farmacêutica.
“A missão
do laboratório não é obter lucro com remédio. O que fazemos é o
desenvolvimento. Para isso, a gente precisa encontrar pessoas que estejam
interessadas em fazer isso em conjunto, para que as pesquisas possam avançar”,
enfatiza o pesquisador.
Segundo
Mateus, a tecnologia do Sirius será superior a do laboratório sueco, o único de
luz síncrotron de quarta geração que existe no mundo. Portanto, ele e sua
equipe poderão fazer descobertas e aprimorar técnicas na nanomedicina: “é um
orgulho poder fazer parte de toda essa equipe. Não só da equipe, mas tenho
orgulho de ser brasileiro”.
Desenvolvimento sustentável
Sabe-se
que o consumo de açúcar, especialmente o branco, está ligado ao aumento do
risco de problemas como diabetes, obesidade, colesterol alto, entre outros. De
acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o ideal é que um indivíduo
consuma 25 gramas de açúcar por dia ou, no máximo, 50 gramas, que equivalem
18,2 kg por ano.
Porém,
dados da própria organização mostram que o brasileiro consome, em média, 30 kg
por ano. Para combater esse mal, já existem nas prateleiras dos supermercados
alguns substitutos do açúcar. Um bom exemplo é o Xilitol, presente no resíduo
de bagaço de cana e que é 40% menos calórico.
Soluções
que unam sustentabilidade e tecnologia são o foco de Letícia Zanphorlin,
pesquisadora do Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), e sua equipe de
cientistas. “Nossas pesquisas buscam soluções biotecnológicas para o
desenvolvimento de biocombustíveis, biomateriais e produtos bioquímicos,
sempre pensando na biomassa e na biodiversidade brasileira”, diz a
pesquisadora.
O Brasil
tem uma vantagem comparativa, em relação a outros países, quanto a sua
biomassa - que é toda matéria orgânica, de origem vegetal ou animal, utilizada
na produção de energia. A biomassa é obtida através da decomposição de uma
variedade de recursos renováveis, como plantas, madeira, resíduos agrícolas,
restos de alimentos, excrementos e até do lixo.
Um bom
exemplo é a produção do etanol, biocombustível proveniente do resíduo da cana
de açúcar. É neste ponto que o Sirius pretende contribuir, uma vez que
facilitará a análise química de amostras residuais, fazendo com que estas sejam
reaproveitadas de forma inteligente.
“O Sirius
vai contribuir com uma vantagem biotecnológica, porque a biomassa que a gente
tem é única e queremos aproveitar 100% dela e da biodiversidade brasileira de
uma maneira mais inteligente, sempre visando desenvolvimento sustentável para
produção de três pilares: biocombustíveis avançados, produtos bioquímicos, e os
biomateriais”, afirma Letícia.
A
lignina, resíduo obtido no bagaço da cana, tem grande potencial para a
substituição do plástico, por exemplo, com a vantagem de apresentar
características mais eficientes, como maior resistência a impactos, alta dureza
e alongamento, o que evita que o produto se quebre.
Pensando
na sustentabilidade, a lignina é potencial substituta para os derivados de
petróleo e produção de biocombustíveis. Além disso, pode ser utilizada na
indústria alimentícia, em antioxidantes, pesticidas, fertilizantes, carvão
vegetal, aditivos para concreto, além de medicamentos ou cosméticos.
“A gente
acredita que as soluções biotecnológicas vão ajudar a criar empregos novos e
impulsionar ainda mais a economia do nosso país. Ou seja, tanto o
desenvolvimento sustentável - olhando para o impacto ambiental - como
também essa geração de novos empregos, são muito relevantes para o Brasil”,
conclui a pesquisadora.
Acelerador de segunda geração
O UVX,
laboratório nacional de Luz Síncrotron de segunda geração também foi projetado
e construído por brasileiros e com tecnologia nacional. Inaugurado em 1997, foi
a primeira fonte de luz síncrotron do Hemisfério Sul e é, ainda hoje, a única
da América Latina.
Diferentemente
do Sirius, que, no projeto pactuado com o Ministério da Ciência, começou com 13
estações de pesquisa e poderá abrigar até 38 no futuro, o UVX possui 18 estações
experimentais chamadas ‘linhas de luz’.
Muitos
pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) usam a
estrutura do CNPEM pela proximidade, mas o centro de pesquisas recebe
universidades diversas do Brasil e da América Latina em geral. Cerca de 15% dos
usuários vem da Argentina e por volta de 20% não são brasileiros.
“A gente
imagina que essa porcentagem vai ser diferente no Sirius , porque a
fonte de luz vai ser muito mais avançada, o que nos dá um potencial de atração
de pesquisadores estrangeiros que essa fonte não tem”, conclui Luciana Noronha,
jornalista do CNPEM.
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