Varejista online se apoia em uma rede de influenciadores nas mídias sociais, oferecendo em massa roupas baratas que parecem caras
Natalie Kitroeff, The New York Times
LOS
ANGELES – A Fashion Nova aperfeiçoou a fast fashion para a era do
Instagram. A maioria dos varejistas online se apoia em uma vasta rede de
celebridades, influenciadores e usuários aleatórios que postam sobre as
marcas incansavelmente nas mídias sociais. São marcas criadas para
satisfazer a clientela online, produzindo em massa roupas baratas que
parecem caras.
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“As
pessoas precisam comprar muitos estilos diferentes e provavelmente
usá-los poucas vezes para que seus feeds de Instagram possam se manter
atualizados”, disse Richard Saghian, fundador da marca Fashion Nova, em
entrevista no ano passado.
Para possibilitar esse
hábito, ele oferece a seus clientes um fluxo constante de novas opções a
preços acessíveis. Os dias de jeans a US $ 200 acabaram (cerca de R$
810), se você perguntar a Saghian. O jeans skinny da Fashion Nova sai
por US $ 24,99 (cerca de R$ 100). E, segundo ele, a empresa pode
confeccionar roupas “em menos de duas semanas”, geralmente por meio de
fabricantes em Los Angeles, a curta distância da sede da empresa.
Esse
modelo indica um segredo horroroso por trás do grande sucesso da marca:
o Departamento Federal do Trabalho descobriu que muitas roupas da
Fashion Nova são costuradas por uma força de trabalho que recebe
salários ilegalmente baixos nos Estados Unidos.
Los
Angeles está cheia de fábricas que pagam o menor salário possível a
trabalhadores sem registro, na tentativa de fazer frente a concorrentes
estrangeiros, que podem pagar ainda menos. Muitas pessoas atrás das
máquinas de costura estão no país ilegalmente e quase nunca denunciam
seus patrões.
“O esquema tem todas as vantagens de um sistema
clandestino”, disse David Weil, que coordenou a divisão de horas e
salários do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos de 2014 a 2017.
Todos
os anos, o departamento investiga denúncias de violações salariais em
fabricantes de roupas de Los Angeles, aparecendo sem aviso prévio para
vistoriar dados da folha de pagamento, entrevistar funcionários e
interrogar proprietários.
Em investigações realizadas entre 2016 e
este ano, o departamento descobriu que roupas da Fashion Nova estavam
sendo fabricadas em dezenas de fábricas que deviam US $ 3,8 milhões (R$
15,4 milhões) em salários atrasados a centenas de trabalhadores, de
acordo com documentos federais internos que relataram as descobertas e
foram analisados pelo jornal The New York Times.
Essas
fábricas, contratadas por intermediários para produzir peças para marcas
da moda, pagavam a seus trabalhadores apenas US $ 2,77 (R$ 11) por
hora, segundo uma pessoa familiarizada com a investigação.
O
Departamento do Trabalho se recusou a comentar os detalhes das
investigações. Em comunicado, uma porta-voz disse que o departamento
“continua garantindo que os empregadores operem em conformidade com os
requisitos de horas extras e salários mínimos, e a Divisão de Horas e
Salários está comprometida em fazer cumprir a lei”.
Depois que
repetidas violações foram encontradas em fábricas que confeccionavam
roupas para a Fashion Nova, autoridades federais se reuniram com
representantes da empresa.
“Já tivemos uma reunião altamente
produtiva e positiva com o Departamento do Trabalho, na qual discutimos
nosso compromisso para garantir que todos os funcionários envolvidos com
a marca Fashion Nova sejam adequadamente compensados pelo trabalho que
realizam”, disse em comunicado ao Times Erica Meierhans,
advogada geral da Fashion Nova. “Qualquer sugestão de que a Fashion Nova
seja responsável por pagar mal a quem trabalha em nossa marca é
categoricamente falsa.”
Em 2018, Saghian disse que cerca de 80%
das roupas da marca eram feitas nos Estados Unidos. A cadeia de
suprimentos da Fashion Nova mudou desde então, e agora a marca diz que
produz menos da metade de suas roupas em Los Angeles. A porcentagem
geral feita nos Estados Unidos não foi especificada.
A empresa
não lida diretamente com as fábricas. Em vez disso, faz pedidos em
grandes quantidades a empresas que modelam as roupas e depois enviam
tecidos para diferentes fábricas, onde os trabalhadores costuram as
peças e colam a etiqueta da Fashion Nova.
Os
vestidos justos e os macacões com estampas de animais da marca
geralmente são feitos por pessoas como Mercedes Cortes, que trabalha em
prédios em ruínas que cheiram a esgoto. Mercedes, de 56 anos, costurou
roupas da Fashion Nova por vários meses na Coco Love, uma fábrica
empoeirada perto dos escritórios da marca em Vernon, Califórnia. “Tinha
muita barata. Tinha rato”, disse ela. “As condições não eram boas.”
Ela
trabalhava todos os dias da semana, mas seu salário variava conforme a
rapidez com que seus dedos se moviam. Mercedes recebia por peça
costurada: cerca de US$ 0,04 para costurar uma manga, US$ 0,05 para uma
costura lateral, US$ 0,08 para a costura do decote das camisas. Ganhava,
em média, US$ 270 (R$ 1.094) por semana, o equivalente a US $ 4,66 (R$
18) por hora, disse.
Em 2016, ela deixou a Coco Love e, tempos
depois, chegou a um acordo com a empresa para receber US$ 5.000 (R$ 20,2
mil) em salários atrasados. Continuou a trabalhar em fábricas que
costuravam roupas da Fashion Nova, mesmo sabendo que as blusas que
costurava por poucos centavos chegavam a custar US$ 12 (R$ 48,6). “As
roupas são muito caras pelo que nos pagam”, disse Mercedes.
“Os
consumidores podem dizer: ‘Bom, é assim que funciona em Bangladesh ou no
Vietnã, mas esses são países em desenvolvimento’”, disse David Weil.
“As pessoas simplesmente não querem acreditar que a mesma coisa acontece
aqui no nosso quintal.”
Apesar das condições degradadas, essas
fábricas ainda estão produzindo roupas para os principais varejistas
americanos. Pela lei federal, as marcas não podem ser punidas por
irregularidades de salário nas fábricas caso possam provar que não
sabiam que suas roupas são feitas por trabalhadores que recebem salários
abaixo da legislação.
O Departamento do Trabalho arrecadou
milhões em salários atrasados e multas sobre empresas de roupas de Los
Angeles nos últimos anos, mas não multou nenhum varejista.
Este
ano, as etiquetas da Fashion Nova foram as mais encontradas por
investigadores federais que inspecionavam fábricas que pagam salários
extremamente baixos, segundo uma pessoa familiarizada com as
investigações.
Em setembro, três funcionários do departamento se
reuniram com os advogados da Fashion Nova para dizer a eles que, em
quatro anos, as roupas da marca foram encontradas em 50 inspeções de
fábricas que pagam menos do que o salário mínimo federal ou não pagam
horas extras.
Os advogados da empresa disseram às autoridades que
haviam tomado medidas imediatas e já haviam atualizado os acordos da
marca com os fornecedores. Agora, se a Fashion Nova descobrir que uma
fábrica foi acusada de violar as leis “que regem os salários e as horas
de seus funcionários, o trabalho infantil, o trabalho forçado ou as
condições de segurança do trabalho”, a marca colocará o intermediário
que contratou a fábrica em um período “probatório” de seis meses,
afirmou-se em comunicado.
A relação de trabalho pode continuar, a
menos que os trabalhadores apresentem outra queixa contra a mesma
fábrica ou outra que o intermediário contratou durante esses seis meses.
Nesse caso, a marca suspenderá o contratado até que este seja aprovado
por uma auditoria externa.
Embora a Fashion Nova tenha tomado
medidas para tratar das descobertas do Departamento do Trabalho,
Meierhans observou que a marca trabalha com centenas de fabricantes e
“não é responsável pela maneira como esses fornecedores lidam com suas
folhas de pagamento”.
'O melhor preço possível'
Muitas
das pessoas que trabalham com Saghian ocupam salas com paredes de vidro
nos quarteirões mais frenéticos do bairro da moda no centro de Los
Angeles. Estas são as empresas que desenham as roupas e as vendem a
granel para a Fashion Nova e outros varejistas. Essas empresas
terceirizam o trabalho de confecção das roupas para fábricas próximas,
as quais trabalham como subcontratadas.
Em novembro, o Times visitou
sete empresas que fazem roupas para a Fashion Nova em fábricas que
pagam remunerações baixas aos trabalhadores, de acordo com as
investigações do Departamento do Trabalho. Algumas pessoas falaram
livremente sobre sua relação com a marca. Outras se recusaram a comentar
ou falaram sob a condição de anonimato, temendo perder o contrato com a
empresa, caso se pronunciassem publicamente.
Os cinco
proprietários e funcionários que concordaram em dar entrevista disseram
que a Fashion Nova sempre fez pressão para pagar o preço mais baixo
possível por peça de roupa, exigindo retornos rápidos. “Eles me dão o
melhor preço que podem dar e, ainda assim, tiram lucro”, disse Saghian.
As empresas podem negociar com a Fashion Nova, mas seu poder é limitado.
É cada vez menor o número de varejistas que ainda faz negócios
em Los Angeles, e alguns pedidos grandes da Fashion Nova podem manter
uma pequena empresa à tona por mais um ano. Por isso, elas procuram
subcontratados que possam costurar as roupas o mais rápido e mais barato
possível.
Mesmos proprietários, nomes diferentes
Quando
Teresa Garcia começou a trabalhar na Sugar Sky, o lugar ainda se
chamava Xela Fashion. Era 2014 e a Xela Fashion, como mostram os
registros estaduais, era propriedade de Demetria Sajche, uma mulher a
quem Teresa fora instruída a chamar de Angelina.
Vários meses
depois – Teresa não se lembra quantos – o nome em seus cheques havia
mudado, embora ela trabalhasse na mesma fábrica suja no coração da
cidade, a poucos quarteirões de uma academia SoulCycle.
Agora,
quem pagava seu salário era a Nena Fashion, uma empresa fundada por
Leslie Sajche, parente da chefe de Teresa, de acordo com registros
comerciais arquivados na Secretaria de Estado da Califórnia. Cerca de um
ano depois disso, o nome mudou novamente, para GYA Fashion.
Em
2017, a fábrica se mudou para um trecho industrial do Olympic Boulevard,
no leste de Los Angeles, e começou a usar um novo nome: Sugar Sky. Mais
um ano depois, Demetria Sajche parou de administrar as operações do
dia-a-dia e entregou o trabalho a Eric Alfredo Ajitaz Puac, que os
trabalhadores conheciam como seu namorado.
Semanas de tentativas
de contatar Puac e Demetria Sajche não tiveram sucesso. Uma viagem ao
último local conhecido da Sugar Sky, pouco antes do Dia de Ação de
Graças, encontrou em seu lugar apenas uma loja de móveis. Os vizinhos
disseram que a fábrica de roupas havia se mudado dois meses antes.
Fernando
Axjup, listado como gerente de um setor da fábrica, concordou em dar
entrevista. Ele foi demitido recentemente e entrou com processo por
salários atrasados. “Eles continuam mudando os nomes para não precisar
pagar as pessoas”, disse. “Tinha muita exploração”. Como gerente, ele
tinha acesso aos dados da folha de pagamento e afirmou que Teresa
raramente ganhava o salário mínimo. / TRADUÇÃO DE RNATO PRELORENTZOU
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