A TV Escola vai acabar ou virar veículo de propaganda da extrema direita?
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
O ano vai terminando, mas o presidente Jair Bolsonaro parecer disposto a atrair chuvas e trovoadas e causar marola até o último dia, o último minuto. Xingar o patrono da Educação brasileira de “energúmeno”? Acusar a TV Escola de ser esquerdista e “deseducar”? É, no mínimo, chocante.
Energúmeno significa
endemoniado, possuído, mas costuma ser usado para denegrir a imagem de
alguém como idiota, louco, bobo, às vezes fanático e exaltado. Quem, em
sã consciência, pode achar que Paulo Freire
é merecedor de algum desses adjetivos? Um homem que dedicou a vida à
educação, sonhou e trabalhou pela igualdade, pelos direitos dos mais
desvalidos, pela consciência coletiva de que, sem condições iguais na
largada, ou na infância, o Brasil jamais será um país igual para todos.
Fica ainda mais trágico quando quem chama Paulo Freire de endemoniado enaltece demônios como Pinochet, Stroessner, Brilhante Ustra.
Freire lutou pela vida, pelo bem. Os ídolos do presidente geraram
morte, tortura, desaparecimentos, destroçando vidas e famílias
cruelmente.
Nada anda
na educação, que acaba de perder mais um ano e acumula déficits há
décadas (inclusive porque jogaram fora os princípios e métodos de Paulo
Freire). Veio o patético Vélez Rodriguez, que demorou, mas caiu. Veio o performático Abraham Weintraub,
que está demorando e, segundo Bolsonaro, não vai cair. E a política
para o ensino básico, o ensino médio, o ensino superior? Ninguém sabe,
ninguém viu. No MEC, o foco está em ideologia.
Só se ouve um
ministro mandar professores e alunos decorarem e entoarem o slogan de
campanha do presidente da República e o outro acusar as universidades de
só servirem para “balbúrdia” e plantação de maconha, enquanto imita Gene Kelly num vídeo, faz palhaçadas em outro, ataca todo mundo e não perdoa nem Paulo Guedes.
E
por que o presidente Bolsonaro avisa que não vai demitir ministro
nenhum e classifica Weintraub como “excelente”? Provavelmente porque o
ministro da Educação participa de um amplo plano político para 2020,
quando haverá eleições municipais.
Sem partido, depois de abandonar o PSL e os laranjais, Bolsonaro pode não ter condições para viabilizar o Aliança pelo Brasil
a tempo de concorrer a prefeituras e câmaras legislativas. Logo, ele
precisa de um plano B para eleger os futuros militantes da nova sigla.
A
campanha maciça pela internet, tão eficaz na eleição de 2018, tende a
ser de novo importante, mas não tão determinante em 2020. Eleição
municipal exige presença, cara, voz, líder local. E onde se encontram
esses fatores de campanha? No caso de Bolsonaro e de seu futuro partido,
nos templos evangélicos e nas escolas. Sempre haverá pastores, pais e
professores prontos a acreditar que “ser de direita” é ser isso aí:
contra a igualdade, a educação inclusiva, o respeito às diferenças, os
direitos das minorias.
Enquanto xinga Paulo Freire e promove quem xinga Fernanda Montenegro, Bolsonaro fecha a TV Escola
com um pretexto daqui, outro dali, mas no fundo por um único motivo:
ele acha, ou foi convencido de que ali só tinha esquerdista.
A
TV Escola, porém, não era de esquerda e era muito importante para
divulgação de métodos, técnicas e informações relevantes para um nicho
específico: professores e estudantes. Com o perfil institucional, não
seria justo exigir que competisse com TVs comerciais, mas tinha boa
audiência, maior do que a TV Câmara e a TV Senado.
Agora, não se
sabe o que é pior: fechar a TV Escola pura e simplesmente ou
transformá-la num instrumento de propagação em massa de ideologias
conservadoras e virulentas. Ela não era de esquerda, mas pode vir a ser
de extrema direita.
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