Crise financeira de 2008 reanimou as denúncias contra o capitalismo
Moisés Naím, O Estado de S.Paulo
“Sou
capitalista e até eu penso que o capitalismo está mal”, disse há pouco
tempo Ray Dalio, fundador do Bridgewater, um dos maiores fundos privados
investimento do mundo. Segundo a revista Forbes, Dalio é o número 60 da
lista dos mais ricos do planeta. “Se o capitalismo não evoluir, vai
desaparecer”, acrescentou.
Jame
Dimon é o chefe do gigantesco banco JPMorganChase e também anda
preocupado com a saúde do capitalismo. Dimon, cujo salário anual no ano
passado foi de US$ 30 milhões, afirma que “graças ao capitalismo,
milhões de pessoas saíram da pobreza, mas isso não quer dizer que o
capitalismo não tenha defeitos, que não esteja deixando muita gente para
trás ou que não deva ser melhorado”.
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Isso
não é novo. As denúncias contra o capitalismo e a desigualdade que gera
são mais velhas que Karl Marx. O novo é que os titãs da indústria,
cujos interesses estão muito ligados ao capitalismo, o estão criticando
tão ferozmente quanto os mais agressivos críticos da esquerda. Os
empresários querem consertá-lo, enquanto os críticos mais radicais da
esquerda querem substituí-lo.
Obviamente, os grandes empresários
não são os únicos que fazem críticas ao capitalismo. Segundo pesquisa
Gallup, a porcentagem de americanos entre 18 e 29 anos que têm uma
opinião favorável do capitalismo caiu de 68% em 2010 para 45%, e hoje
51% dessa faixa têm uma opinião positiva do socialismo. Isso também é
novidade.
Essas preocupações também existem no mundo acadêmico.
Paul Collier, por exemplo, é um renomado economista e professor da
Universidade de Oxford e no ano passado publicou um livro intitulado O
Futuro do Capitalismo. No livro ele adverte que “o capitalismo moderno
tem o potencial de elevar todos a um nível de prosperidade sem
precedentes, mas atualmente está em bancarrota moral e vai caminhando
para uma tragédia”.
As críticas ao capitalismo são muitas e
variadas e a maioria é muito antiga. A mais comum é que o capitalismo
condena as grandes massas à pobreza e concentra a riqueza nas mãos de
uma pequena elite.
Essa crítica havia se atenuado graças ao
êxito que tiveram países como China, Índia e outros em reduzir a
pobreza. Isso ocorreu em grande medida devido à adoção de politicas de
liberalização econômica que estimularam o crescimento, o emprego e
aumentaram a renda. Assim surgiu a maior classe média da história da
humanidade, claramente um fato inédito.
Mas a crise financeira
de 2008 trouxe de volta as preocupações com a desigualdade e reanimou as
denúncias contra o capitalismo. Enquanto para países como Brasil e
África do Sul a desigualdade econômica havia sido a regra, para outros
significava o retorno a uma dolorosa realidade que se acreditava
superada. Vários países europeus e os Estados Unidos se uniram ao grupo
de nações que viram aumentar a desigualdade entre seus habitantes.
Com
as recentes erupções de populismo e instabilidade política
generalizou-se a ideia de que é urgente reduzir a desigualdade
econômica. Mas a concordância sobre a necessidade de intervir não veio
acompanhada de uma concordância sobre como fazer isso. A falta de
consenso quanto ao que fazer tem muito a ver com diferenças de opinião
acerca dessa desigualdade.
Para Donald Trump, não há dúvida: as
importações da China e os imigrantes ilegais são a causa do sofrimento
econômico dos americanos que deixaram de se beneficiar com o sonho
americano. Isso não é verdade. Todos os estudos mostram que as novas
tecnologias que destroem postos de trabalho e mantêm baixos os salários
são uma importante causa de desigualdade. Uma variante dessa teoria é
que um crescente número de setores industriais está dominado por um
pequeno número de empresas bem-sucedidas e de grande tamanho cujas
estratégias de negócios inibe o aumento de salários e o crescimento
econômico.
Nos Estados Unidos, com frequência se assinala o peso
econômico desproporcional, e a consequente influência política, que
adquiriram o setor financeiro e o de saúde. Para os economistas da
Escola de Paris, “a desigualdade econômica é principalmente causada pela
desigual propriedade do capital tanto privado quanto público”.
Essas
generalizações são enganadoras. As causas do aumento da desigualdade na
Índia são diferentes das dos Estados Unidos e as da Rússia são
diferentes das do Chile ou da China. Em alguns países, a causa mais
importante da desigualdade é a corrupção; em outros, não.
É
possível também que estejamos pensando em batalhas do século passado e
que os novos desafios requeiram novas ideias. O impacto da inteligência
artificial na desigualdade ainda é incerto, mas tudo indica que será
enorme. E essa novidade pode tornar obsoletas todas nossas ideias sobre
as causas da desigualdade e suas consequências. Tudo será novo. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ
* MOISÉS NAÍM É ESCRITOR VENEZUELANO E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT EM WASHINGTON
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