Reina considerável tumulto nas relações entre o Brasil
e a Argentina e qualquer diminuição de tarifas deve ser
gradual
em saída do Brasil do Mercosul ou em exclusão da Argentina. Não chegaremos a
esses extremos, mas o quadro é, sem dúvida, preocupante. Deixando de lado ruídos
políticos e declarações espalhafatosas, a questão central para o Mercosul é a intenção
brasileira de promover abertura radical da economia. O Ministério da Economia
planeja aparentemente uma redução rápida das tarifas de importação. Como o
Mercosul é uma união aduaneira e não apenas uma área de livre-comércio, o plano
precisa passar pelos outros integrantes do bloco.
Em outras palavras, é necessário negociar reduções na tarifa externa comum (TEC)
do Mercosul. Embora o Mercosul seja uma união aduaneira incompleta, pois diversos
produtos têm regimes próprios ou fazem parte de listas de exceções, a maior parte
das importações está na TEC, com eventuais alterações exigindo entendimentos
entre os membros do bloco.
Vazou recentemente para o jornal Valor Econômico um plano de abertura, apresentado
pelo Ministério da Economia e o Itamaraty aos outros três sócios do Mercosul. O
ponto central do plano é uma acentuada redução das tarifas no setor industrial em
apenas quatro anos. Para alguns segmentos importantes, a queda seria drástica. Por
exemplo, para automóveis, têxteis e vestuário as tarifas cairiam de 35% para 12%.
Sobre ônibus, de 35% para 4%. Sobre calçados, de 31,8% para 12%. Sobre máquinas,
materiais e aparelhos e elétricos, de 12% para 4,2%. São apenas alguns exemplos de
uma extensa relação de segmentos industriais que seriam afetados pela queda das
tarifas.
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Diante das reações negativas, integrantes da equipe econômica apressaram-se a
explicar que o documento vazado era “uma hipótese metodológica” e “um exercício
acadêmico”. Estranha explicação, pois não é usual que participantes de reuniões
oficiais internacionais se debrucem sobre elucubrações acadêmicas. Seja como for,
com a vitória de Fernández na Argentina, os planos de abertura radical tornaram-se
mais difíceis. O governo Macri simpatizava com essa abordagem. O futuro governo
Fernández indicou discordâncias.
Aí é que mora o perigo para o Mercosul. Se o governo Bolsonaro insistir com ideias
desse tipo e o novo governo argentino resistir, haverá risco de erosão do bloco. O
governo brasileiro pode ser levado a propor a transformação da união aduaneira em
área de livre-comércio, com supressão da TEC. Já apareceram defensores dessa
ideia no Brasil. Cada um dos quatro países ficaria então livre para aplicar as tarifas
que quisesse, obedecidos outros compromissos internacionais.
Vale a pena? Não acredito. Poderíamos perder preferências tarifárias de que
desfrutamos no mercado argentino e no resto do Mercosul, o que tem importância
considerável para a indústria brasileira. Não se deve perder de vista que a Argentina
é um dos principais mercados para as exportações industriais brasileiras,
especialmente para as de maior valor agregado. Além disso, e talvez mais
importante, não interessa ao Brasil, em especial à já combalida indústria
brasileira, embarcar em planos ambiciosos de abertura. Ideias desse tipo
são perigosas e têm grande potencial destrutivo.
A revisão das tarifas de importação deve pautar-se pela moderação e obedecer
a alguns princípios. Primeiro, qualquer diminuição de tarifas deve ser gradual
para que os produtores nacionais tenham tempo de se adaptar. Uma diminuição
apressada pode destruir empresas, empregos e até setores inteiros da indústria.
Segundo, a abertura deve ser negociada e não unilateral. Como obter mais acesso
para as exportações brasileiras em outros mercados se entregarmos o nosso de mão
beijada, sem contrapartidas?
Terceiro, é preciso lembrar que as tarifas de importação relativamente altas praticadas
pelo Mercosul constituem uma compensação – e apenas parcial – para desvantagens
competitivas sistêmicas que enfrentam as empresas do bloco. É o que os brasileiros
chamam de custo Brasil – as deficiências de infraestrutura e logística, as elevadas
taxas de juro e as dificuldades de acesso a crédito de longo prazo, os períodos
prolongados de sobrevalorização cambial, o peso e a complexidade dos tributos,
entre outros fatores.
Sem enfrentar essas desvantagens sistêmicas, que dificilmente serão superadas
em prazo curto, um plano de abertura radical poderá ter impacto tenebroso sobre
muitos setores importantes da economia, acelerando o processo de desindustrialização
e obstruindo o desenvolvimento do País.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O autor é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de
Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e
diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países
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