sábado, 2 de novembro de 2019

A MORTE vai se tornar opcional, segundo futurologista


Entrevista
JOSÉ LUIS CORDEIRO, ENGENHEIRO E FUTUROLOGISTA
Claudio Gatti

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O engenheiro e futurologista venezuelano José Luis Cordeiro, de 
57 anos, é um entusiasta da vida eterna. Seu otimismo com o fim 
da morte, baseado, em grande parte, no pensamento no filósofo 
da singularidade, Raymond Kurtzweil, é realista e embasado por 
dados e argumentos. Formado pelo Massachusetts Institute of 
Technology (MIT), Cordeiro se concentra nos recursos médicos 
e computacionais que já ajudam a prolongar a vida e prometem 
transformar a morte em um mal evitável. Seu interesse pelo 
assunto aumentou quando seu pai faleceu, há cinco anos, 
desamparado pela falta de recursos da medicina na Venezuela. 
A situação o abalou emocionalmente e o levou a mergulhar nos 
estudos sobre rejuvenescimento e imortalidade. Junto com o 
matemático David Wood, escreveu o livro “A morte da morte”, no 
qual coloca à prova suas ideias sobre a interrupção da velhice, 
considerada por ele uma doença. “Já temos novas tecnologias de 
reprogramação celular e estamos entre a última geração humana 
mortal e a primeira imortal”, disse Cordeiro em entrevista à ISTOÉ.
O senhor considera o envelhecimento uma doença. 
Como assim?
A ideia é que tratemos o envelhecimento como uma doença a mais, 
a pior das doenças, a mãe de todas as doenças. Acaba de sair um 
livro chamado “Lifespan: Why we age — and Why we don´t have to”, 
de um cientista da Universidade de Harvard, David Sinclair, biólogo 
muito respeitado. E ele fala isso: o envelhecimento é uma enfermidade 
e temos de classificá-lo assim para que tenhamos mais pesquisas. 
As companhias não investigam o envelhecimento porque ele não é 
ainda considerado doença, como antes a sarcopenia, que diminui a 
massa magra do corpo, não era enfermidade. Se estudarmos o 
envelhecimento, se o curarmos, curaremos outros males que são 
causados por ele, como as doenças neurodegenerativas, cardíacas 
e o câncer. Hoje, as pessoas morrem principalmente de doenças 
relacionadas ao o envelhecimento.    Poderemos impedir o 
envelhecimento?    Sabemos que há células e organismos que não 
envelhecem, como, por exemplo, as bactérias. Elas são as primeiras 
formas de vida no planeta. Dividem-se de maneira simétrica e podem 
viver indefinidamente. As bactérias que se juntaram para formar 
organismos multicelulares geraram dois tipos de células: as células 
germinais de reprodução, os espermatozóides e óvulos, que são imortais, 
e as células somáticas do corpo, que ficam velhas. As células germinais 
podem morrer, porque quando o corpo, o soma, morre, elas morrem 
também, ainda que não envelheçam.
Há outros exemplos?
Outro tipo de célula que se descobriu que não envelhece é a do câncer. 
O câncer envolve uma série de mutações que podem acontecer em 
qualquer parte do corpo e que detém a degeneração celular. Esse é 
o problema do câncer, ele não envelhece e por isso é preciso matar 
todas as células cancerosas porque, se deixar uma sobrevivente, elas 
voltam a se reproduzir. Nós temos células imortais boas, as germinais, 
e desordenadas como as do câncer. Também há organismos como as 
hidras e as medusas, que são considerados biologicamente imortais. 
Estamos descobrindo cada vez mais organismos pequenos e simples 
que não degeneram. Quando as pessoas falam que é impossível ser 
imortal, falo que é possível, que já existem formas de vida na natureza 
que nunca morrem.
E como isso pode servir para o ser humano?
Pela primeira vez, estamos compreendendo isso. Depois do sequenciamento 
do genoma humano conseguimos entender, por exemplo, que o câncer é 
uma mutação para se manter jovem. Por isso, companhias de computação 
como a Microsoft anunciaram que vão curar o câncer. Não foi uma 
companhia médica ou farmacêutica que falou isso, mas a Microsoft, 
porque o câncer é um problema computacional, não um problema médico. 
Podemos encontrar as mutações que geraram o câncer e compará-las 
com as células não cancerosas. Outra coisa incrível é a descoberta, em 
2006, de um cientista japonês da Universidade de Tóquio, chamado 
Shinya Yamanaka. Ele descobriu que células podem ser reprogramadas 
e que é possível modificar genes de uma célula velha e torná-la novamente 
jovem. Em 2012, ganhou o Prêmio Nobel. Graças a Yamanaka, sabemos 
que o envelhecimento é controlável e reversível. Isso já foi feito a nível 
celular. Agora os cientistas trabalham com os órgãos e com o corpo inteiro. 
Temos novas tecnologias e estamos entre a última geração humana mortal 
e a primeira geração imortal.
Qual é o papel da inteligência artificial contra a velhice?
O sequenciamento do genoma envolve três bilhões de bases nitrogenadas 
(adenina, timina, citosina e guanina), que não podemos compreender. A 
mente humana não consegue ver a diferença entre três bilhões de bases 
não mutantes e três bilhões mutantes. Nosso cérebro é limitado. E a 
inteligência artificial não tem esse problema. Por isso, ela será decisiva 
para a cura de muitas doenças e para a criação de novos tratamentos. 
Os tratamentos têm sido feitos em ratos, que, geneticamente, são 90% 
iguais aos humanos, mas só vivem dois anos, dois anos e meio. Agora 
temos espécimes que vivem cinco anos. Conseguimos duplicar a expectativa 
de vida dos ratos. E já temos conhecimento suficiente para usar isso 
experimentalmente com os humanos. A Food and Drugs Administration 
(FDA) aprovou nesse ano os primeiros tratamentos com drogas senolíticas 
para prolongar a vida. Os cientistas descobriram que as células não 
envelhecem igualmente. Há algumas células que envelhecem e não 
morrem, chamadas de células zumbis. Com o tratamento senolítico, é 
possível matar as zumbis, e as células-tronco que ainda estão no corpo 
geram novas células boas e jovens. É uma coisa que não conhecíamos 
e agora sabemos que é um caminho para prolongar a vida.
Mas há algumas complicações. Se todos se tornarem imortais, 
se criará uma superpopulação.     
Essa era a armadilha malthusiana. As pessoas falam sempre que há 
superpopulação. Quando Thomas Malthus escreveu, há mais de dois 
séculos, que o mundo estava superpovoado, que havia muita gente, 
viviam na Terra menos de 1 bilhão de pessoas. A Inglaterra tinha 10 
milhões de habitantes. Hoje, somente Londres possuí 12 milhões e a 
Inglaterra está com quase 70 milhões. A população de muitos países 
começou a diminuir. O caso mais terrível é o do Japão. A população do 
Japão decresce há mais de dez anos. Nesse ritmo, o país não mais 
existirá em dois séculos. Mas, como deixaremos de envelhecer, isso 
não irá acontecer. As pessoas não vão morrer a partir de 2045.
Por que 2045?
Muitas dessas projeções são do futurista Raymond Kurzweil. Ele fez 
previsões que utilizo no meu livro. Ele fala que no ano de 2045 o 
envelhecimento e a morte se tornarão opcionais. É a singularidade 
tecnológica, quando a inteligência artificial ultrapassará a inteligência 
humana. São extrapolações segundo a Lei de Moore, comparando os 
neurônios com os transístores. Em 2045 vamos chegar a uma inteligência 
artificial superior a todos os humanos juntos. Mas, antes, outra data 
importante é o ano de 2029, quando alcançaremos a velocidade de 
escape da longevidade. Isso é muito importante. Com o alcance da 
velocidade de escape para cada ano que vivermos, ganharemos um 
ano a mais. Atualmente, para cada ano que sobrevivemos, ganhamos 
quatro meses de vida. Não é suficiente. Kurzweil estima que a partir de 
2029 passaremos a viver indefinidamente, mas ainda envelhecendo. E no 
ano de 2045 teremos as tecnologias de rejuvenescimento biológico com a 
reprogramação celular. Poderemos copiar nosso cérebro e transferi-lo para 
um computador. As tendências tecnológicas atuais não são lineares e sim 
exponenciais. Nas próximas duas décadas veremos tantas mudanças 
como nos últimos dois mil anos.    
Não se corre o risco da imortalidade ser algo só para as elites?
Essa é uma das perguntas mais típicas. A primeira é a da superpopulação. 
A segunda é essa. Todas as tecnologias quando começam são caras e 
malucas. E quando se democratizam se tornam mais baratas e eficientes. 
Três exemplos. Os primeiros telefones celulares eram para ricos. Agora 
todo mundo tem um. O celular é uma máquina mais poderosa que o 
computador da missão Apolo. Outra coisa é o sequenciamento do 
genoma. O sequenciamento do primeiro genoma humano demorou 
treze anos para ser concluído e custou três bilhões de dólares. Hoje, 
pode ser feito por duzentos dólares em um dia. Em cinco anos, 
sequenciaremos o genoma por dez dólares em um minuto. O terceiro 
exemplo é a Aids, que era mortal e agora não é mais. Os primeiros 
tratamentos custavam milhões e hoje são baratos. Ninguém morre 
mais de Aids nos países desenvolvidos.

Lutar contra o envelhecimento é ético?
É essencialmente ético. É a coisa mais ética que se pode fazer. Se queremos verdadeiramente evitar o sofrimento e a dor, temos de acabar com o envelhecimento. As pessoas falam que o grande problema é o ambiental. Mas o verdadeiro problema é que as pessoas morrem.      Um pobre indigente, por exemplo, pode não ter interesse em se tornar imortal. Para algumas pessoas, viver eternamente pode não ser um bom negócio.

Acho que a imortalidade será muito boa para todos, porque não se trata só de extensão da vida, mas também da expansão da vida. Aumentaremos a quantidade, mas também a qualidade de vida. Poderemos 
ver mais filmes, ler mais livros, aprender muitos idiomas novos. 
Há muitas coisas no mundo para aprendermos. As pessoas não 
têm tempo para fazer todas as coisas que gostariam. E, se 
vivermos mais, faremos muito mais. Na verdade, todos sairão 
ganhando.
As religiões sempre se ocuparam da vida depois da 
morte. Com a imortalidade as religiões deixarão de existir?
Sou muito atacado pela Opus Dei. Eles me detestam e têm uma 
campanha contra mim na Espanha. Chamaram-me de falso profeta, 
charlatão, para me desacreditar. Mas sei, como meus amigos cientistas, 
que estou do lado certo da história. É uma questão de tempo. O fim 
da morte implica a morte da religião, porque ela vive da pós-vida. O 
propósito das religiões é explicar o que acontece quando se morre. 
As religiões atuais vão desaparecer ou deveriam desaparecer.
Mas haverá pessoas que vão preferir morrer em nome da fé.
Haverá pessoas que vão ficar no passado, como os Amish hoje em dia, 
mas todas as religiões falam que seu objetivo é a vida eterna. No futuro 
próximo a vida eterna será aqui mesmo.     

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