Pensar que o desenvolvimento econômico não
caminha junto com a sustentabilidade é, além
de ultrapassado, equivocado
Por Dandara Valadares
O Brasil é a maior cadeia têxtil completa
do Ocidente. Produzimos fibras, passamos
por fiações e tecelagens, temos a maior
semana de moda da América Latina,
confecções e ainda um varejo aquecido.
Contudo, essa indústria gera 175 mil
toneladas de resíduos têxteis por ano,
de acordo com a Associação Brasileira
da Indústria Têxtil (Abit) – 48 toneladas
por dia só no município de São Paulo,
de acordo com o Dieese, os quais possuem
potencial para reciclagem e reaproveitamento.
A reciclagem de resíduos têxteis ainda acontece de forma experimental
no País. Assim, todo resíduo acaba sendo destinado a aterros, demorando
até 400 anos para se decompor (como o poliéster), ou é incinerado,
liberando gases tóxicos responsáveis pelo efeito estufa, mudanças
climáticas e poluição do ar. Esses gases tóxicos são emitidos não
só na incineração no final da cadeia, mas em todas as etapas de produção.
A mistura de fibras e aviamentos dificulta a reciclagem, pois a segregação
de materiais acaba exigindo uma mão de obra que inviabiliza o processo.
Nesse ponto, percebemos que a destinação e ciclo de vida de um produto
precisa ser pensado desde o momento de sua criação. O descarte não
vem sendo levado em conta pela indústria tradicional, que, ainda com o
pensamento de uma economia linear, entende que é responsável pela
produção e comercialização de um produto, mas não pela destinação correta
no fim de sua vida útil.
Nós também enquanto consumidores nos preocupamos muito mais com
a compra de novos produtos do que com a destinação correta de seus resíduos.
Em 2010, foi instituída a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS),
colocando o Brasil em patamar de igualdade aos principais países desenvolvidos
no que concerne ao marco legal e inova com a inclusão de catadoras e catadores
de materiais recicláveis e reutilizáveis, tanto na Logística Reversa quando na
Coleta Seletiva. Sob a Lei nº 12.305/10, a PNRS institui a responsabilidade
compartilhada dos geradores de resíduo, ou seja, setor público, indústria,
comerciantes e consumidores.
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No entanto, além da falta de ações educativas para a sociedade, o
próprio Ministério do Meio Ambiente aponta fragilidades no projeto,
como falta de recurso para promover a coleta seletiva e a fiscalização
e há pouco estímulo à cooperação entre os segmentos que deveriam estar
envolvidos na gestão de resíduos.
Os governos possuem o poder de regulamentar e incentivar práticas mais
sustentáveis, mas percebemos que globalmente ainda é privilegiado o
crescimento econômico sobre o desenvolvimento sustentável. Os
governos poderiam incentivar uma “corrida pelo primeiro lugar”,
em que cidadãos e empresas sejam solicitados, incentivados e apoiados à
adotar medidas de desenvolvimento sustentável. Contudo, o que vemos
é a falta de maturidade de representantes da sociedade no entendimento
da economia circular e oportunidades do desenvolvimento sustentável.
Ao mesmo tempo, o papel do governo é primordial no estímulo à
essa mudança de mentalidade e na promoção de mudanças estruturais,
de uma forma que seja interessante para as indústrias e consumidores.
Pensar que o desenvolvimento econômico não caminha junto com
a sustentabilidade é, além de ultrapassado, equivocado.
Podemos começar essa mudança pela nossa percepção do que é considerado
lixo. Lembrando que não existe “jogar fora” do planeta, é essencial pensar
no descarte com a mesma importância que pensamos nas outras etapas do
ciclo de vida de um produto.
A partir dessa mudança de mentalidade, conseguimos enxergar nos resíduos
uma nova oportunidade de mercado. Através da reciclagem, da reinserção de
resíduos na cadeia produtiva, ou até mesmo compra e venda desses resíduos,
empresas encontram soluções estratégicas que viabilizem a responsabilidade
socioambiental.
A utilização de resíduos como matéria-prima na
prática
Em sua edição de 2019, o projeto Trama Afetiva da Fundação Hering
trouxe como tema “Um novo passo rumo à Economia Circular”. Foi
apresentado um tecido de feltro feito a partir da desfibração de peças com
defeitos de fábrica da Cia. Hering e que foram submetidas a um processo
de tecelagem industrial, realizado pela empresa paulista Feltros Santa Fé.
O reuso e a reciclagem de materiais são primordiais para evitar a produção de
novas matérias-primas. Segundo o CEO da Santa Fé, Luciano Amado,
“sustentabilidade não é só um valor que defendemos, é a base de produção
da nossa empresa. Tiramos 41 milhões de PETs/mês do lixo, transformamos
em mais de 700 variações de feltros que são usados por um universo de artesãs
que já soma 14 milhões.”
O estúdio Ratoroi criou a partir de sacolas plásticas recicladas o Byeplastic,
um laminado de plástico que está sendo usados desde objetos de decoração à
acessórios de moda.
Já a Sagui é uma marca de óculos que reutiliza para cada armação, de 3 a 5 tubos
de pasta de dente e uma sacola plástica.
Projetos como esses mostram que, sim, é possível repensar e melhorar a
forma como as roupas, embalagens e outros materiais são produzidos,
consumidos e descartados. De acordo com o relatório A new textiles economy
da Fundação Ellen MacArthur, o número de vezes em que uma roupa é vestida
caiu 36% nos últimos 15 anos. Nos EUA por exemplo, as roupas são usadas
1/4 a menos que a média global, e o número de vezes de uso na China caiu
70% nos últimos 15 anos. Esse desperdício representa 460 bilhões de dólares
para esses consumidores, que descartam suas roupas após 7 a 10 usos.
Ainda de acordo com o relatório, menos de 1% das roupas são recicladas ou
reutilizadas no mundo. Esse número mostra que o mercado de resíduos têxteis
ainda é infimamente aproveitado, e que é um mercado com potencial, considerando
que o modelo de economia linear não se sustenta mais no mundo contemporâneo.
A transição para uma economia circular exige mudanças estruturais no sistema,
mas é urgente e de responsabilidade de todos nós, sejamos governos, indústrias
ou consumidores.
Dandara Valadares faz parte da equipe de comunicação e articulação de
campanha nacional do Fashion Revolution Brasil
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