Acabar com a “pejotização” em seu sentido
amplo – a diferença de tributação entre pessoas que exercem uma mesma
atividade como pessoa jurídica e aquelas que trabalham como autônomas ou
empregadas – é fundamental para reduzir a desigualdade na carga de
impostos entre trabalhadores de alta e baixa renda. Esta deverá ser uma
das prioridades de uma eventual reforma tributária a ser realizada pelo
próximo presidente, defendem especialistas em
tributação.
Para que isso aconteça, mais do que apenas extinguir por lei a possibilidade de prestação de serviços por meio de pessoa jurídica, será necessária uma série de mudanças na legislação tributária. A discussão sobre o tema voltou à
tona diante das recentes declarações do economista Mauro Benevides, responsável pelo programa econômico de Ciro Gomes (PDT), de que um eventual governo do pedetista deve pôr fim à pejotização por meio de lei.
“O fato de que um sócio de empresa pague muito menos imposto do que um empregado ou autônomo para fazer
exatamente o mesmo serviço é injustificável do ponto de vista social e distributivo, pois normalmente são pessoas de alta renda que se beneficiam desse modelo tributário”, afirma Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF).
Segundo Appy, o termo pejotização é usado em dois sentidos – um estrito, que é a contratação como pessoa jurídica de trabalhadores que poderiam ser empregados, e outro amplo, que diz respeito à diferenciação tributária já mencionada. Na primeira acepção, a pejotização de fato poderia ser extinta por lei, como propôs Benevides em entrevista ao Valor em maio. Mas, na visão do especialista, a solução mais correta seria endereçar a distorção
tributária, o que exigiria um conjunto de medidas.
A diferença na tributação entre “pejotas” e empregados se dá em duas dimensões: a primeira é o imposto de renda (IR) – enquanto o funcionário paga IR sobre a totalidade dos seus rendimentos, o “pejota” enquadrado no lucro presumido paga imposto na empresa sobre o equivalente a até 32% da receita, e o ganho excedente é distribuído na forma de lucro e isento na pessoa física.
A segunda diferença está na contribuição previdenciária: paga pela empresa sobre o salário total, no caso dos empregados, enquanto os “pejotas” pagam apenas até o teto da contribuição, hoje pouco mais de R$ 5 mil.
Para o diretor do CCiF, a solução passaria, portanto, por uma correção no IR, que poderia ser feita por meio de uma mudança na forma de cálculo do lucro presumido ou da taxação do excedente na pessoa física. Além disso, a contribuição previdenciária para o empregador deveria ser limitada ao teto da contribuição.
Conforme Appy, a perda de arrecadação gerada pela segunda medida poderia ser compensada pelo ganho da maior tributação dos “pejotas” na pessoa física. Assim, embora o efeito líquido para a arrecadação possa ser neutro haveria melhora da distribuição de renda, ao fazer a parcela da população com melhores rendimentos pagar mais imposto.
“Não queremos aumento na carga tributária, mas apenas que a regra seja igual para todo mundo”, afirma o economista. Segundo ele, isso automaticamente resolveria a questão da contratação de trabalhadores que poderiam ser empregados como pessoa jurídica, pois tiraria a vantagem do sócio de empresa em relação ao empregado formal.
Não há dados claros sobre quantos profissionais trabalham como “pejotas” no Brasil atualmente, mas números da Receita Federal dão algumas pistas. Dos 28 milhões de declarantes do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) em 2016, 29,2% se declararam empregados de empresas privadas, contra 25,9% ditos capitalistas, proprietários de empresa e trabalhadores por conta própria, segundo levantamento do economista José Roberto Afonso, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). “Em que outro lugar do mundo se tem 1,1 proletário para cada 1 capitalista?”, questiona Afonso, em artigo publicado em fevereiro.
Ainda conforme dados da Receita, entre os declarantes que são sócios de empresas estão profissionais liberais, como jornalistas, médicos, engenheiros, advogados e economistas. Com rendimento médio mensal na casa de cinco dígitos – comparado à renda média de R$ 1,2 mil do brasileiro em 2016 -, esses profissionais chegam a ter mais de 80% de rendimentos isentos, por declararem parte dos ganhos na forma de lucros e dividendos.
Num exemplo concreto, citado por Appy, um economista que recebe R$ 30 mil como empregado de uma empresa do lucro real pagará R$ 14,9 mil em impostos, sobrando, para ele, R$ 15,1 mil. O mesmo economista, se prestar o serviço como sócio de uma empresa do lucro presumido, arcará com R$ 5,6 mil em impostos, se contribuir pelo teto da Previdência, recebendo R$ 24,4 mil líquidos.
Para Tathiane Piscitelli, professora de direito tributário e finanças públicas da Escola de Direito de São Paulo da FGV, simplesmente proibir a pejotização seria atacar o problema errado. Na sua avaliação, é preciso diferenciação entre pessoas que constituem empresas para formalizar a prestação de serviços que de outra maneira estariam à margem do direito, de situações onde a pessoa jurídica é usada para mascarar um vínculo empregatício como forma de obter vantagem tributária.
“Possibilitar que as pessoas constituam sociedades ou pessoas jurídicas individuais estimula a formalização e o recolhimento de tributos”, afirma. “Me parece que o problema que tem que ser atacado é o fato de a distribuição de lucro para sócios [de empresas] não sofrer nenhuma tributação na pessoa física”, completa, lembrando que, dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), somente a Estônia oferece esse tipo de isenção.
Além de retirar o incentivo à pejotização, através da promoção da isonomia tributária, seria necessário corrigir o Simples, programa de simplificação tributária para empresas com receita anual até R$ 4,8 milhões, acredita
Manoel Pires, também do Ibre-FGV. Segundo ele, da forma como é hoje, o Simples acaba servindo de desincentivo ao crescimento das pequenas empresas. Para corrigir isso, o programa deveria ser reduzido e a alíquota de imposto para quem sai do regime por ultrapassar o limite de receita deveria ser suavizada, diz.
Pires defende ainda a tributação de lucros e dividendos. “Esta é uma medida altamente progressiva, pois quem tem renda de lucros e dividendos no Brasil acaba sendo subtributado por conta da isenção”, afirma, reforçando que uma
parte do ajuste fiscal terá que ser feito via aumento de impostos. Segundo o economista, no entanto, como a tributação para empresas no Brasil já é muito pesada, o caminho é tributar menos na pessoa jurídica e mais na física,
o que serviria de incentivo ao investimento.
Fonte: Valor Econômico
tributação.
Para que isso aconteça, mais do que apenas extinguir por lei a possibilidade de prestação de serviços por meio de pessoa jurídica, será necessária uma série de mudanças na legislação tributária. A discussão sobre o tema voltou à
tona diante das recentes declarações do economista Mauro Benevides, responsável pelo programa econômico de Ciro Gomes (PDT), de que um eventual governo do pedetista deve pôr fim à pejotização por meio de lei.
“O fato de que um sócio de empresa pague muito menos imposto do que um empregado ou autônomo para fazer
exatamente o mesmo serviço é injustificável do ponto de vista social e distributivo, pois normalmente são pessoas de alta renda que se beneficiam desse modelo tributário”, afirma Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF).
Segundo Appy, o termo pejotização é usado em dois sentidos – um estrito, que é a contratação como pessoa jurídica de trabalhadores que poderiam ser empregados, e outro amplo, que diz respeito à diferenciação tributária já mencionada. Na primeira acepção, a pejotização de fato poderia ser extinta por lei, como propôs Benevides em entrevista ao Valor em maio. Mas, na visão do especialista, a solução mais correta seria endereçar a distorção
tributária, o que exigiria um conjunto de medidas.
A diferença na tributação entre “pejotas” e empregados se dá em duas dimensões: a primeira é o imposto de renda (IR) – enquanto o funcionário paga IR sobre a totalidade dos seus rendimentos, o “pejota” enquadrado no lucro presumido paga imposto na empresa sobre o equivalente a até 32% da receita, e o ganho excedente é distribuído na forma de lucro e isento na pessoa física.
A segunda diferença está na contribuição previdenciária: paga pela empresa sobre o salário total, no caso dos empregados, enquanto os “pejotas” pagam apenas até o teto da contribuição, hoje pouco mais de R$ 5 mil.
Para o diretor do CCiF, a solução passaria, portanto, por uma correção no IR, que poderia ser feita por meio de uma mudança na forma de cálculo do lucro presumido ou da taxação do excedente na pessoa física. Além disso, a contribuição previdenciária para o empregador deveria ser limitada ao teto da contribuição.
Conforme Appy, a perda de arrecadação gerada pela segunda medida poderia ser compensada pelo ganho da maior tributação dos “pejotas” na pessoa física. Assim, embora o efeito líquido para a arrecadação possa ser neutro haveria melhora da distribuição de renda, ao fazer a parcela da população com melhores rendimentos pagar mais imposto.
“Não queremos aumento na carga tributária, mas apenas que a regra seja igual para todo mundo”, afirma o economista. Segundo ele, isso automaticamente resolveria a questão da contratação de trabalhadores que poderiam ser empregados como pessoa jurídica, pois tiraria a vantagem do sócio de empresa em relação ao empregado formal.
Não há dados claros sobre quantos profissionais trabalham como “pejotas” no Brasil atualmente, mas números da Receita Federal dão algumas pistas. Dos 28 milhões de declarantes do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) em 2016, 29,2% se declararam empregados de empresas privadas, contra 25,9% ditos capitalistas, proprietários de empresa e trabalhadores por conta própria, segundo levantamento do economista José Roberto Afonso, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). “Em que outro lugar do mundo se tem 1,1 proletário para cada 1 capitalista?”, questiona Afonso, em artigo publicado em fevereiro.
Ainda conforme dados da Receita, entre os declarantes que são sócios de empresas estão profissionais liberais, como jornalistas, médicos, engenheiros, advogados e economistas. Com rendimento médio mensal na casa de cinco dígitos – comparado à renda média de R$ 1,2 mil do brasileiro em 2016 -, esses profissionais chegam a ter mais de 80% de rendimentos isentos, por declararem parte dos ganhos na forma de lucros e dividendos.
Num exemplo concreto, citado por Appy, um economista que recebe R$ 30 mil como empregado de uma empresa do lucro real pagará R$ 14,9 mil em impostos, sobrando, para ele, R$ 15,1 mil. O mesmo economista, se prestar o serviço como sócio de uma empresa do lucro presumido, arcará com R$ 5,6 mil em impostos, se contribuir pelo teto da Previdência, recebendo R$ 24,4 mil líquidos.
Para Tathiane Piscitelli, professora de direito tributário e finanças públicas da Escola de Direito de São Paulo da FGV, simplesmente proibir a pejotização seria atacar o problema errado. Na sua avaliação, é preciso diferenciação entre pessoas que constituem empresas para formalizar a prestação de serviços que de outra maneira estariam à margem do direito, de situações onde a pessoa jurídica é usada para mascarar um vínculo empregatício como forma de obter vantagem tributária.
“Possibilitar que as pessoas constituam sociedades ou pessoas jurídicas individuais estimula a formalização e o recolhimento de tributos”, afirma. “Me parece que o problema que tem que ser atacado é o fato de a distribuição de lucro para sócios [de empresas] não sofrer nenhuma tributação na pessoa física”, completa, lembrando que, dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), somente a Estônia oferece esse tipo de isenção.
Além de retirar o incentivo à pejotização, através da promoção da isonomia tributária, seria necessário corrigir o Simples, programa de simplificação tributária para empresas com receita anual até R$ 4,8 milhões, acredita
Manoel Pires, também do Ibre-FGV. Segundo ele, da forma como é hoje, o Simples acaba servindo de desincentivo ao crescimento das pequenas empresas. Para corrigir isso, o programa deveria ser reduzido e a alíquota de imposto para quem sai do regime por ultrapassar o limite de receita deveria ser suavizada, diz.
Pires defende ainda a tributação de lucros e dividendos. “Esta é uma medida altamente progressiva, pois quem tem renda de lucros e dividendos no Brasil acaba sendo subtributado por conta da isenção”, afirma, reforçando que uma
parte do ajuste fiscal terá que ser feito via aumento de impostos. Segundo o economista, no entanto, como a tributação para empresas no Brasil já é muito pesada, o caminho é tributar menos na pessoa jurídica e mais na física,
o que serviria de incentivo ao investimento.
Fonte: Valor Econômico
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