Embora existam centenas de pretendentes disputando o ilustre título de verdadeiro Santo Graal, a capela do Santo Cáliz, na Catedral de Valência, na Espanha, lidera a lista.
30 jul 2018
É difícil chegar na Catedral de Valência, na Espanha, sem sentir
certo fascínio. Logo na entrada, fui recebido com ecos de canto
gregoriano que reverberavam nas abóbadas. Estendia-se diante de mim uma
longa procissão de arcos guiando-me a uma plataforma baixa na outra
ponta da catedral. E mais poucos degraus levavam até o altar, que estava
protegido por uma meia cúpula impecavelmente adornada com esculturas e
pinturas que retratavam cenas de anjos e apóstolos.
Mas eu não tinha vindo à terceira maior cidade da Espanha apenas para conhecer a catedral. Em vez disso, dirigi-me a uma pequena sala na lateral, em um lugar tão discreto que eu quase passei direto. Dentro dessa capela simples, envolto em vidro, pouco depois do altar, estava o objeto que procurava: um cálice repousado sobre um pedestal de ouro iluminado. Segundo a legenda, essa foi a taça usada por Jesus Cristo durante a Última Ceia - ou, como a taça é comumente conhecida, o Santo Graal.
Presente em histórias desde os épicos medievais do Rei Arthur e seus cavaleiros até às expedições cinematográficas de Indiana Jones, o Santo Graal sempre foi um dos tesouros mais procurados da humanidade, uma misteriosa relíquia que trafega entre a fantasia e a realidade. Embora plausível a ideia de que um cálice usado por Cristo seja venerado e, portanto, preservado, um vaso mágico capaz de conceder a vida eterna nunca chegou a ser mencionado na Bíblia. Trata-se de uma convenção da lenda arturiana, escrita por nomes como Chrétien de Troyes e Robert de Boron, dois poetas franceses que influenciaram fortemente o desenvolvimento da lenda arturiana nos séculos 12 e 13. A primeira menção escrita ao Graal, como o conhecemos, está no romance "Percival", de Troyes; e ele é descrito não como um cálice, mas como uma travessa, provavelmente remetendo aos caldeirões mágicos do mito celta.
Crescendo com as histórias míticas do Rei Arthur, sempre fui um cético; para mim, o Graal é um tesouro literário. Mesmo assim, não pude deixar de me sentir intrigado diante do Santo Cáliz (cálice sagrado) de Valência. Há mais de 200 pretendentes apenas na Europa que disputam o ilustre título de Santo Graal; e teorias do local de descanso final da relíquia estão por toda parte, desde a Escócia até Accokeek, em Maryland, nos EUA.
No entanto, dentre todos da lista que pesquisei, o cálice de Valência invariavelmente ocupa o primeiro lugar. Ele atrai peregrinos de todo o mundo e foi usado em cerimônias pelos papas João Paulo II e Bento XVI. Ansioso pela oportunidade de seguir os passos de Sir Galahad em minha própria busca pelo Graal, vim até aqui para descobrir o que torna este cálice tão especial entre tantos outros.
Entrei na Capilla del Santo Cáliz (a capela do cálice sagrado), que estava vazia. Embora não tenha planejado, cheguei à catedral no meio da missa do Sábado de Aleluia, o dia antes ao Domingo de Páscoa. Por isso todos os visitantes estavam preocupados com a cerimônia no cômodo ao lado. Um único feixe de luz vinha de um vitral acima do altar. O distante sussurrar do coro gregoriano era o único som na capela. Embora eu tenha vindo ao local mais como um pesquisador do que como um peregrino, foi difícil não ser levado pelo solene silêncio do momento.
Fui informado depois por uma das atendentes fora da sala que a relíquia verdadeira é meramente a peça no topo, uma taça lavrada com ágata e polida com mirra. As alças e a base, que têm marcas do artesanato medieval, foram adicionadas muito mais tarde. Com meu ceticismo temporariamente amenizado, voltei-me para a tarefa de descobrir como essa taça supostamente fez a viagem de Jerusalém, onde se acredita que a Última Ceia ocorreu, até a costa leste da Espanha.
Como em todas as histórias dos pretendentes do Graal, essa também é complicada. Uma atendente da catedral deu uma explicação básica sobre como o cálice fez a viagem há 2 mil anos:
"São Pedro, o primeiro papa, levou-o para Roma", ela explicou. "Os papas eram os únicos que podiam celebrar as missas, então São Pedro e o resto dos papas usavam o Graal na eucaristia, considerando-o como aquele usado por Cristo. Depois, quando o Imperador Valeriano começou a perseguir os cristãos (a partir de 257 aC), ele foi enviado a Huesca, Espanha, porque Roma não era mais segura".
Ela continuou explicando que o cálice supostamente ficou em Huesca por algumas centenas de anos. No século 8, durante a conquista árabe na Península Ibérica, ele foi levado, por medo de ser roubado, para um mosteiro ao na beira de um penhasco em San Juan de la Peña, no norte da Espanha.
Embora seja um relato elaborado, a história por si só não foi suficiente para me convencer de que aquele era o verdadeiro graal. Afinal de contas, quase todos os pretendentes ao Graal apresentam histórias complexas sobre como a relíquia foi transportada através de mares e montanhas. Como nenhuma delas pode ser verificada, o que fez tantos acreditarem que esse é o único?
O principal detalhe que distancia o cálice de Valência dos demais é seu estilo e formato. O arqueólogo espanhol Antonio Beltrán, que estudou o cálice em 1960, explica que seus traços remetem a um período entre os séculos 2 aC e 1 dC, provavelmente de uma oficina do Oriente Médio. A avaliação arqueológica sugere que a taça se encaixa nos parâmetros, pelo menos geográfica e cronologicamente. Embora isso esteja longe de ser uma prova definitiva, a descoberta certamente conta a seu favor.
Quando me dirigia para a saída, perguntei a uma das assistentes sua opinião. Afinal, será que as histórias das incessantes buscas pelo Santo Graal não tinham sido manchadas pelo fato de que ele estava aqui simplesmente para todo o mundo ver?
"Eu acho que o mistério continua", ela disse com um sorriso que me fez sentir que não era a primeira vez que ela ouvia a pergunta. "Afinal, este não é o único Santo Graal na Espanha. Você tem que escolher qual é o real para você".
Depois, enquanto pesquisava sobre o assunto, entendi o que ela queria dizer. Em 2014, dois historiadores publicaram "Kings of the Grail" (Reis do Graal, em tradução livre), um livro no qual afirmam terem encontrado o verdadeiro Graal na Basílica de San Isidoro de León, no norte da Espanha. A dupla citou como fonte de sua descoberta dois manuscritos egípcios achados na época. Assim como o cálice de Valência, o novo pretendente tinha uma história detalhada por trás e também foi cientificamente datado no prazo apropriado.
Embora a nova descoberta ponha em dúvida o cálice de Valência, não pude deixar de sentir uma estranha sensação de confiança. Para mim, a verdadeira maravilha do Santo Graal nunca esteve na descoberta, mas na busca. O tesouro não é o cálice, mas as histórias que criamos ao longo do tempo. Senti-me feliz em saber que, enquanto novos competidores continuarem a aparecer, o mistério irá perdurar, a lenda sobreviverá e a busca pelo Santo Graal continuará.
Mas eu não tinha vindo à terceira maior cidade da Espanha apenas para conhecer a catedral. Em vez disso, dirigi-me a uma pequena sala na lateral, em um lugar tão discreto que eu quase passei direto. Dentro dessa capela simples, envolto em vidro, pouco depois do altar, estava o objeto que procurava: um cálice repousado sobre um pedestal de ouro iluminado. Segundo a legenda, essa foi a taça usada por Jesus Cristo durante a Última Ceia - ou, como a taça é comumente conhecida, o Santo Graal.
Presente em histórias desde os épicos medievais do Rei Arthur e seus cavaleiros até às expedições cinematográficas de Indiana Jones, o Santo Graal sempre foi um dos tesouros mais procurados da humanidade, uma misteriosa relíquia que trafega entre a fantasia e a realidade. Embora plausível a ideia de que um cálice usado por Cristo seja venerado e, portanto, preservado, um vaso mágico capaz de conceder a vida eterna nunca chegou a ser mencionado na Bíblia. Trata-se de uma convenção da lenda arturiana, escrita por nomes como Chrétien de Troyes e Robert de Boron, dois poetas franceses que influenciaram fortemente o desenvolvimento da lenda arturiana nos séculos 12 e 13. A primeira menção escrita ao Graal, como o conhecemos, está no romance "Percival", de Troyes; e ele é descrito não como um cálice, mas como uma travessa, provavelmente remetendo aos caldeirões mágicos do mito celta.
Crescendo com as histórias míticas do Rei Arthur, sempre fui um cético; para mim, o Graal é um tesouro literário. Mesmo assim, não pude deixar de me sentir intrigado diante do Santo Cáliz (cálice sagrado) de Valência. Há mais de 200 pretendentes apenas na Europa que disputam o ilustre título de Santo Graal; e teorias do local de descanso final da relíquia estão por toda parte, desde a Escócia até Accokeek, em Maryland, nos EUA.
No entanto, dentre todos da lista que pesquisei, o cálice de Valência invariavelmente ocupa o primeiro lugar. Ele atrai peregrinos de todo o mundo e foi usado em cerimônias pelos papas João Paulo II e Bento XVI. Ansioso pela oportunidade de seguir os passos de Sir Galahad em minha própria busca pelo Graal, vim até aqui para descobrir o que torna este cálice tão especial entre tantos outros.
Entrei na Capilla del Santo Cáliz (a capela do cálice sagrado), que estava vazia. Embora não tenha planejado, cheguei à catedral no meio da missa do Sábado de Aleluia, o dia antes ao Domingo de Páscoa. Por isso todos os visitantes estavam preocupados com a cerimônia no cômodo ao lado. Um único feixe de luz vinha de um vitral acima do altar. O distante sussurrar do coro gregoriano era o único som na capela. Embora eu tenha vindo ao local mais como um pesquisador do que como um peregrino, foi difícil não ser levado pelo solene silêncio do momento.
Cálice simples
Quando me aproximei do altar para observar o cálice mais de perto, notei que ele era bem mais elaborado do que pensara. Com duas enormes alças de ouro e uma base incrustada de pérolas, esmeraldas e rubis, o cálice imediatamente me encheu de incredulidade. Pois qualquer um que tenha visto "Indiana Jones e a Última Cruzada" deve lembrar que o Santo Graal seria algo bem simples - um cálice de um carpinteiro.Fui informado depois por uma das atendentes fora da sala que a relíquia verdadeira é meramente a peça no topo, uma taça lavrada com ágata e polida com mirra. As alças e a base, que têm marcas do artesanato medieval, foram adicionadas muito mais tarde. Com meu ceticismo temporariamente amenizado, voltei-me para a tarefa de descobrir como essa taça supostamente fez a viagem de Jerusalém, onde se acredita que a Última Ceia ocorreu, até a costa leste da Espanha.
Como em todas as histórias dos pretendentes do Graal, essa também é complicada. Uma atendente da catedral deu uma explicação básica sobre como o cálice fez a viagem há 2 mil anos:
"São Pedro, o primeiro papa, levou-o para Roma", ela explicou. "Os papas eram os únicos que podiam celebrar as missas, então São Pedro e o resto dos papas usavam o Graal na eucaristia, considerando-o como aquele usado por Cristo. Depois, quando o Imperador Valeriano começou a perseguir os cristãos (a partir de 257 aC), ele foi enviado a Huesca, Espanha, porque Roma não era mais segura".
Ela continuou explicando que o cálice supostamente ficou em Huesca por algumas centenas de anos. No século 8, durante a conquista árabe na Península Ibérica, ele foi levado, por medo de ser roubado, para um mosteiro ao na beira de um penhasco em San Juan de la Peña, no norte da Espanha.
Pagamento de dívida
As contas desses primeiros mil anos de jornadas do Graal estão além da capacidade de verificação de qualquer um. Os registros mais confiáveis aparecem em 1399, quando o cálice se tornou parte do relicário real do rei Martinho de Aragão. De acordo com os registros da catedral, depois que Afonso, o Magnânimo, assumiu o trono em 1416, o relicário foi transferido para Valência e depois entregue à catedral como pagamento de uma dívida. Embora o cálice tenha sumido outras vezes por conta da guerra, ele acabou voltando à Catedral de Valência em 1939 - desta vez para sempre.Embora seja um relato elaborado, a história por si só não foi suficiente para me convencer de que aquele era o verdadeiro graal. Afinal de contas, quase todos os pretendentes ao Graal apresentam histórias complexas sobre como a relíquia foi transportada através de mares e montanhas. Como nenhuma delas pode ser verificada, o que fez tantos acreditarem que esse é o único?
O principal detalhe que distancia o cálice de Valência dos demais é seu estilo e formato. O arqueólogo espanhol Antonio Beltrán, que estudou o cálice em 1960, explica que seus traços remetem a um período entre os séculos 2 aC e 1 dC, provavelmente de uma oficina do Oriente Médio. A avaliação arqueológica sugere que a taça se encaixa nos parâmetros, pelo menos geográfica e cronologicamente. Embora isso esteja longe de ser uma prova definitiva, a descoberta certamente conta a seu favor.
Artefato lendário
Enquanto olhava para a taça de ágata em sua proteção de vidro, um pensamento continuava a ocupar minha cabeça. Se este era de fato o Santo Graal, um dos artefatos mais lendários de todos os tempos, seria assim tão fácil? Esta era supostamente a taça procurada, de tempos em tempos, pelos heróis e só encontrada por aqueles de coração mais puro. No entanto, aqui estava, não enterrada nas profundezas de alguma caverna distante, e sim repousando no centro da cidade, cercado por cafés cheios de pessoas casualmente tomando expressos.Quando me dirigia para a saída, perguntei a uma das assistentes sua opinião. Afinal, será que as histórias das incessantes buscas pelo Santo Graal não tinham sido manchadas pelo fato de que ele estava aqui simplesmente para todo o mundo ver?
"Eu acho que o mistério continua", ela disse com um sorriso que me fez sentir que não era a primeira vez que ela ouvia a pergunta. "Afinal, este não é o único Santo Graal na Espanha. Você tem que escolher qual é o real para você".
Depois, enquanto pesquisava sobre o assunto, entendi o que ela queria dizer. Em 2014, dois historiadores publicaram "Kings of the Grail" (Reis do Graal, em tradução livre), um livro no qual afirmam terem encontrado o verdadeiro Graal na Basílica de San Isidoro de León, no norte da Espanha. A dupla citou como fonte de sua descoberta dois manuscritos egípcios achados na época. Assim como o cálice de Valência, o novo pretendente tinha uma história detalhada por trás e também foi cientificamente datado no prazo apropriado.
Embora a nova descoberta ponha em dúvida o cálice de Valência, não pude deixar de sentir uma estranha sensação de confiança. Para mim, a verdadeira maravilha do Santo Graal nunca esteve na descoberta, mas na busca. O tesouro não é o cálice, mas as histórias que criamos ao longo do tempo. Senti-me feliz em saber que, enquanto novos competidores continuarem a aparecer, o mistério irá perdurar, a lenda sobreviverá e a busca pelo Santo Graal continuará.
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