Por: Rosângela Aguiar – SiteMetamorfose
O
assunto fez parte de debate durante o 20° FICA realizado entre 5 a 10 de
junho na Cidade de Goiás e surpreendeu quem participou.
Mãe
Flávia Lima, umbandista no FICA 2018. Foto: Maria Luiza Graner
Um católico, uma umbandista e um indígena. O que os
três tem em comum? A certeza de que a humanidade deve mudar a relação que tem
com a natureza, com o planeta, antes que ele sucumba pelo esgotamento do uso
exploratório, que suga todas as energias e faz com que padeça em uma crise que
certamente pode levar ao fim da humanidade. Os três têm em comum uma visão da
religiosidade para além das mais diversas denominações, que passa pelo respeito
ao outro e ao meio ambiente, do resgate da espiritualidade para além da
religião e com respeito ao sagrado da natureza.
Como as diferentes religiosidades enfrentam e se
relacionam com a crise ambiental pela qual passa o planeta? Como estão
ressignificando o postulado? Um debate inesperado durante o 20° FICA em um
lugar mágico e que emana espiritualidade: à sombra do centenário pé de
tamarindo no pátio do Convento do Rosário na Cidade de Goiás. Mãe Flávia
Lima, Babá da Casa do Perdão, terreiro de umbanda do Rio de Janeiro,
socióloga, militante negra e feminista; Frei Paulo Castanhede, teólogo e
integrante da Ordem dos Frades Dominicanos, e Ailton Krenak, líder e
ativista indígena a tribo Krenak e integrante do júri da mostra comepetitiva do
20° FICA; emocionaram do início ao fim todos ali presentes nesta inesperada
mesa de debates no dia 9 de junho. Ao final das falas e perguntas, uma benção
feita por cada um e no estilo de suas crenças levou muitos ao choro e à mais
pura emoção e elevação de espírito numa integração perfeita com a natureza ali
presente: homens, mulheres e natureza.
Ailton
Krenak, líder indígena. Foto: Maria Luiza Graner
O líder indígena Ailton Krenak não estava previsto
para compor a mesa “A nova espiritualidade”, mas ao vê-lo no fundo do pátio em
estado de êxtase com o debate, pensativo e “viajando” nas ideias, o coordenador
da mesa, o jornalista André Trigueiro, não se conteve e o chamou para
participar, para a felicidade de todos e da discussão. Pois ele, Ailton Krenak,
um lutador e defensor das crenças indígenas, um povo que vive da natureza e a
respeita porque é dela que tiramos nosso sustento, a nossa vida, corroborou com
que Mãe Flávia e Frei Paulo falavam: temos que resgatar a nossa relação com a
natureza, temos que respeitá-la para que ela continue nos dando os frutos que
nos alimenta e mata nossa sede.
A interseccionalidade entre espiritualidade e meio
ambiente foi o ponto de partida das discussões porque são temas que se
confundem, uma vez que a base de toda e qualquer religião e da tradição
espiritualista defende a vida e está intrinsecamente ligada à proteção e
conservação da natureza e dos recursos naturais.
“Não se trata de propor uma nova espiritualidade,
mas de resgatar a espiritualidade que está para além da religiosidade. Quem
bebe do sagrado de cada religião, não tem problema em dialogar”,
esclareceu Frei Paulo Castanhede. Este foi um ponto em comum nas falas
daquela manhã de sábado, assim como a necessidade de recuperar e
reconhecer o sagrado da natureza que nos alimenta.
Frei
Leonardo Boff. Foto: Maria Luiza Graner
Se, por um lado, a umbanda tem na sua raiz de
espiritualidade uma forte ligação com os recursos naturais, porque trabalha com
os elementos da natureza como a água, por exemplo, os rituais indígenas de todas
as etnias têm uma ligação ainda mais forte de respeito pelo que o planeta nos
fornece de alimento. “Nós fomos perdendo ao longo dos séculos a nossa relação
com o sagrado da natureza como meio único de vida, porque há séculos atrás era
dela que tirávamos o que precisávamos para nos alimentar e não existia
desequilíbrio da natureza como agora”, ressaltou Mãe Flavia.
A umbandista ressaltou a necessidade de
respeitarmos os povos originais do Brasil, os povos indígenas e suas tradições
e conhecimentos de lidar com a natureza. “Na Casa do Perdão agradecemos por
todo alimento que temos porque alguém plantou e passou pelo ciclo da natureza.
Temos que agradecer”, disse. Para o líder indígena, Ailton Krenak, é necessário
ir além e enxergar o mundo de forma plural. “Recriando o mundo todo dia, toda a
noite, é assim em nossa tradição. Nós trocamos de corpo, de pele, e a terra
também troca de corpo”, explica.
Segundo Frei Leonardo Boff, citado durante as
discussões, é preciso exercer a ética do cuidar, ou seja, cuidar das pessoas,
da água, do ar, da árvore. “Uma pregação religiosa que não faz isso foge da
espiritualidade, do encontro com o sagrado”, ressalto Frei Paulo Castanhede.
Uma ética que todos presente ao debate concordam e o que se espera é que levem
para o dia a dia este cuidar do meio ambiente que vivemos. E como disse o líder
Krenak, livres porque “devemos agir como átomos livres interagindo entre si”.
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