A entidade liderada pelos americanos está em perigo, mas ainda pode ser resgatada
20 jul 2018
A sede da Organização Mundial do Comércio (OMC), às
margens do Lago de Genebra, já pertenceu à Liga das Nações. Aquela
instituição malfadada foi debilitada pelo isolacionismo americano. Hoje
também o ocupante do edifício está à mercê das decisões tomadas em
Washington.
O presidente Donald Trump driblou a OMC para impor
tarifas sobre as importações de aço e alumínio, incluindo aquelas dos
aliados dos Estados Unidos. Queixando-se de tratamento injusto, a
administração está bloqueando as nomeações para cargos no órgão de
apelações da OMC, o que poderia impedi-lo de ouvir casos depois de 2019.
De forma mais sinistra, os EUA estão envolvidos em uma guerra comercial
com a China. Os dois lados impuseram tarifas sobre produtos no valor de
dezenas de bilhões de dólares e ameaçam piorar a situação.
A tarefa da OMC deveria ser a de conter disputas
comerciais e impedir o aumento das retaliações. Hoje, a instituição
parece ser um espectador horrorizado ante o desmoronamento do sistema
que supervisiona. Os adeptos do livre-comércio estão certos em estarem
preocupados, mas ainda não devem se entregar ao desespero. Acontece que
são perceptíveis esboços de um plano para salvar o sistema.
Isso pode parecer fantasioso, dada a beligerância de
Trump, a não ser por dois motivos. Primeiro porque o presidente não é a
única pessoa que forja a política comercial americana. A União Europeia
(UE) e o Japão têm dialogado com Robert Lighthizer, seu discreto
principal negociador comercial, sobre a reforma da OMC.
As tiradas de Trump criam manchetes, mas Lighthizer quer
refazer a OMC, não a abandonar por completo. Ele poderia usar as
ameaças do presidente como alavancagem para fazer negócios. Pense nisso
como uma situação do tipo policial bonzinho/policial mau, embora daquela
em que o mau policial tem apenas uma débil compreensão de que lhe foi
atribuído tal papel.
A segunda coisa a entender é que o foco de grande parte
da ira dos EUA - a China - também desperta profundas suspeitas em outros
lugares. Desde que ingressou na OMC em 2001, a China não se voltou para
os mercados, como o Ocidente esperava. Em vez disso, distorceu o
comércio em escala que é muito maior do que o dumping e outras causas de
disputas entre economias de mercado para as quais a OMC foi projetada.
UE e Japão compartilham o desejo dos EUA de restringir o
mercantilismo chinês. Estatais chinesas e seus amplos e pouco
transparentes subsídios distorceram os mercados e causaram saturação no
fornecimento de commodities como o aço. Empresas estrangeiras que operam
na China lutam contra a regulamentação opressiva e são obrigadas a
transferir sua propriedade intelectual como condição de acesso ao
mercado.
Mas responsabilizar a China é difícil com o livro de
regras existentes. As reformas que estão sendo discutidas por UE, Japão e
EUA poderiam tapar muitas das brechas. Estabeleceriam como julgar a
escala de distorções de um governo em relação ao mercado, facilitariam a
coleta de informações sobre infrações e imporiam limites para uma
retaliação proporcional. Também definiriam o que conta como braço do
governo e ampliariam a abrangência de subsídios proibidos. E reduziriam o
ônus da prova para os queixosos, o que, dada a opacidade do sistema
chinês, é elevado demais.
Mesmo o mais animado dos otimistas será capaz de
identificar os obstáculos a esse plano. Obviamente, por que a China
aceitaria uma reforma que põe em risco seu modelo econômico estatal?
Explicitamente, porque os EUA poderiam causar estragos de outra forma. É
do interesse da China preservar a ordem comercial global porque, se o
país estiver isolado, o Partido Comunista não poderá alcançar a
prosperidade que consolida sua legitimidade.
Os benefícios para a China de sua adesão à OMC vieram
não de tarifas mais baixas nos EUA - elas já eram baixas -, mas da
certeza de relações comerciais estáveis. Seu plano "Made in China 2025"
para dar incentivo a indústrias vitais parece ameaçador, mas, se fosse
obrigada a produzir tudo em casa, o prazo para implantar esse projeto
seria retardado por décadas. Com certeza, China e UE concordaram em 16
de julho em cooperar na reforma da OMC.
Alcançar um acordo global que abrigasse os 164 membros
da OMC também seria difícil. A última grande rodada global de
negociações sobre comércio ficou estagnada devido às demandas das
economias em desenvolvimento, como a Índia, por mais margem de manobra
para proteger agricultores. Por sorte, os negociadores podem
esquivar-se, se necessário, assegurando um acordo "plurilateral" entre
um grupo de grandes economias. A OMC ainda iria impor os termos, embora
eles não se aplicassem a seus outros membros.
Por último vem o maior bloco para uma grande barganha, o
próprio Trump. O presidente é um feroz crítico da OMC e acredita que os
acordos bilaterais são mais adequados a interesses americanos. Ele
chamou a UE de um "inimigo" no comércio. Se ele achar que Lighthizer o
está manipulando, vai revidar.
Uma ideia melhor do que a estratégia de demolição do
governo Trump seria unir a maior parte do mundo em torno de um conjunto
de regras de interesse dos EUA, formando blocos tão grandes que a China
teria de escolher entre conformidade e isolamento. Essa foi a ideia por
trás tanto da Parceria Transpacífico (TPP), um pacto do qual Trump se
retirou poucos dias depois de assumir o cargo, como de um acordo
comercial estagnado com a Europa.
No entanto, estratégias de demolição nem sempre
fracassam. Às vezes trazem grandes recompensas. Uma OMC preparada para
lidar com reclamações sobre concorrência desleal seria um presente para o
mundo. O talento do sistema baseado em regras é que ele derrubou
barreiras ao persuadir os produtores de que o prêmio de um acesso a
mercados estrangeiros vale a competição global que o acompanha.
Quando essa competição é considerada ilegal, o apoio
político ao livre-comércio murcha. Um mundo no qual a China é perseguida
por seus críticos por meio da OMC e enfrenta retaliações proporcionais
quando necessário, é bem preferível a uma guerra comercial implacável.
Trump é difícil de prever. Ele ainda pode abandonar a
OMC. Se o fizer, outros países provavelmente continuarão construindo
vínculos e redigindo regras. Mas se Lighthizer for capaz de apresentar a
Trump um acordo do qual o presidente gostar, o sistema de comércio
mundial pode ser salvo. Pode até mesmo ser aperfeiçoado. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO
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