Ao professor sempre caberá o ensino de argumentação
para elaboração de ideias embasadas
Leandro
Karnal, O Estado de S. Paulo
27 Junho
2018 | 02h00
A escola
é um conceito similar ao livro, a Deus, ao teatro e à família: todos tiveram
sua morte anunciada muitas vezes. A profecia revelou-se prematura. A morte de
Deus era debatida no século 19. O fim do livro foi anunciado como um fato na
última década do século 20. Eis que livros sobre Deus vendem muito e os
detratores de ambos envelhecem e morrem.
Profecias
fogem à competência do historiador. Mal conhecemos o passado, inútil tentar
desvendar o futuro. Não posso analisar algo que não ocorreu, porém, é viável
indicar tendências que podem vir a ser. Exemplo banal: o envelhecimento
sistemático de quase todas as sociedades urbanas indica a possibilidade de a
geriatria crescer mais do que a pediatria em futuro próximo. É um indicativo a
partir da curva atual. Tudo pode mudar em poucos anos. Exporei tendências de
uma nova escola que trabalhará com o aluno do século 21 e que, provavelmente,
chegará ao século 22. Vou elaborar apenas cinco por causa do espaço.
Primeira
tendência: os aparelhos conectados generalizam-se rapidamente. Todo celular
inteligente torna-se um HD externo da memória humana e não parece que isso
diminuirá. Assim, a evocação/repetição deixou de ser um foco de aprendizado.
Isso tem impacto enorme sobre modelos de aprendizado e avaliação. O treino
educacional será guiado para, frente a um mar de dados, aprimorar nossa
capacidade de usá-los e classificá-los ao mesmo tempo que rejeitamos fake news.
Toda avaliação deverá orientar-se por problemas. Analisar e selecionar dados da
rede para enfrentar perguntas ainda sem resposta é o novo modelo. Muitos acham
que tablets e engenhocas piscantes constituem a escola moderna. Não! O nazismo
introduziu projetores profissionais nas escolas alemãs. Computadores não
modernizam nada. Computadores podem ser ferramentas úteis para ajudar a
responder a perguntas boas. A modernidade é o projeto pedagógico-filosófico,
não a internet ou telas luminosas.
Segunda:
a escola do futuro precisa desburocratizar-se. Parte fundamental do esforço do
professor é preencher cadernetas, lançar notas, organizar tabelas e relatórios.
Esses procedimentos podem ser, muitas vezes, automatizados. O tempo que se
perde com uma chamada é espantoso! Os profissionais da educação devem ser mais
livres para educar. O treino para ensinar é árduo e mais desafiador do que
preencher quadrados. Não se deve ocupar todo o tempo do médico, do professor ou
do engenheiro longe da atividade-fim. A tecnologia pode servir de ferramenta para
registrar presença ou digitar notas e calcular médias e reservar ao humano
aquilo que somente o humano pode realizar.
Terceira:
a educação a distância, os módulos instrucionais via internet e orientações não
presenciais estão crescendo. Ensino com vídeos ou grupos de discussão vão se
expandir. O fim da escola? Não, apenas a perda do fetiche presencial. Ensinando
por vídeos gravados ou ao vivo, gravando coisas e recebendo textos e trabalhos
por e-mail, o professor continua indispensável para elaborar materiais, atuar e
avaliar. Perde-se algo, sim: a sociabilidade na escola é muito importante para
a educação integral do indivíduo. Teremos de achar alternativas, pois o
prédio-escola parece estar nos estertores. Conseguiremos separar o que é
substantivo e adjetivo na educação?
Quarta: o
autoritarismo em sala é insustentável. A concepção disciplinar prussiana que
marcou muitas escolas era fruto de um esforço para domesticar cidadãos,
produzir soldados e bons operários. O autoritarismo centralizado no professor
não pode conviver com novas necessidades, plataformas e tecnologias. A
autoridade, a capacidade de um professor-coordenador-diretor ter a técnica e o
conteúdo que melhor sirvam ao grupo, é sempre essencial. A autoridade do
professor deriva do seu preparo e de que ele, em última instância, serve a
todos os alunos e por isso não pode permitir que um atrapalhe. O autoritarismo
serve ao professor ou ao coordenador. A autoridade serve a todos.
Importantíssimo: jamais substituir o velho autoritarismo de professores pelo
autoritarismo de pais ou imperativos derivados do aluno-cliente no sistema
privado.
Quinta e
última: em um mundo de opiniões subjetivas derivadas de um “achismo” crescente,
a escola sempre será o lugar do treinamento científico e metódico para reunir
argumentos que superem meras convicções. Em vez de indicar posição A ou B, ao
professor sempre caberá o ensino de argumentação para elaboração de ideias
embasadas. A era do pensamento único nunca foi muito eficaz e está em crise
mais profunda hoje. Aprender a conviver com a diferença é uma tarefa da escola
agora e por todos os séculos dos séculos, amém. A escola deverá enfatizar a
capacidade de raciocinar e de ouvir.
Ela não
morreu e não morrerá. Em um mundo que buscará mais a inteligência do que o
capital ou a força física, o futuro de quem ajuda a pensar é brilhante. O papel
da educação tenderá a crescer, porém distante dos padrões atuais. Criatividade,
metodologia de argumentação, expressão oral e escrita, raciocínios ponderados e
capacidade crítica pavimentam a estrada do futuro. A velha escola morrerá sem
muita vela ou flor. A nova será construída pelo nosso esforço de educadores,
diretores, coordenadores, alunos e pais. Há um caminho aberto para a escola de
amanhã. Tudo pode e deve ser repensado. Boa semana para quem educa e para quem
aprende a aprender.
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