sábado, 7 de julho de 2018

O futuro da escola



Ao professor sempre caberá o ensino de argumentação para elaboração de ideias embasadas

Leandro Karnal, O Estado de S. Paulo
27 Junho 2018 | 02h00
A escola é um conceito similar ao livro, a Deus, ao teatro e à família: todos tiveram sua morte anunciada muitas vezes. A profecia revelou-se prematura. A morte de Deus era debatida no século 19. O fim do livro foi anunciado como um fato na última década do século 20. Eis que livros sobre Deus vendem muito e os detratores de ambos envelhecem e morrem. 
Profecias fogem à competência do historiador. Mal conhecemos o passado, inútil tentar desvendar o futuro. Não posso analisar algo que não ocorreu, porém, é viável indicar tendências que podem vir a ser. Exemplo banal: o envelhecimento sistemático de quase todas as sociedades urbanas indica a possibilidade de a geriatria crescer mais do que a pediatria em futuro próximo. É um indicativo a partir da curva atual. Tudo pode mudar em poucos anos. Exporei tendências de uma nova escola que trabalhará com o aluno do século 21 e que, provavelmente, chegará ao século 22. Vou elaborar apenas cinco por causa do espaço. 
Primeira tendência: os aparelhos conectados generalizam-se rapidamente. Todo celular inteligente torna-se um HD externo da memória humana e não parece que isso diminuirá. Assim, a evocação/repetição deixou de ser um foco de aprendizado. Isso tem impacto enorme sobre modelos de aprendizado e avaliação. O treino educacional será guiado para, frente a um mar de dados, aprimorar nossa capacidade de usá-los e classificá-los ao mesmo tempo que rejeitamos fake news. Toda avaliação deverá orientar-se por problemas. Analisar e selecionar dados da rede para enfrentar perguntas ainda sem resposta é o novo modelo. Muitos acham que tablets e engenhocas piscantes constituem a escola moderna. Não! O nazismo introduziu projetores profissionais nas escolas alemãs. Computadores não modernizam nada. Computadores podem ser ferramentas úteis para ajudar a responder a perguntas boas. A modernidade é o projeto pedagógico-filosófico, não a internet ou telas luminosas.
Segunda: a escola do futuro precisa desburocratizar-se. Parte fundamental do esforço do professor é preencher cadernetas, lançar notas, organizar tabelas e relatórios. Esses procedimentos podem ser, muitas vezes, automatizados. O tempo que se perde com uma chamada é espantoso! Os profissionais da educação devem ser mais livres para educar. O treino para ensinar é árduo e mais desafiador do que preencher quadrados. Não se deve ocupar todo o tempo do médico, do professor ou do engenheiro longe da atividade-fim. A tecnologia pode servir de ferramenta para registrar presença ou digitar notas e calcular médias e reservar ao humano aquilo que somente o humano pode realizar.
Terceira: a educação a distância, os módulos instrucionais via internet e orientações não presenciais estão crescendo. Ensino com vídeos ou grupos de discussão vão se expandir. O fim da escola? Não, apenas a perda do fetiche presencial. Ensinando por vídeos gravados ou ao vivo, gravando coisas e recebendo textos e trabalhos por e-mail, o professor continua indispensável para elaborar materiais, atuar e avaliar. Perde-se algo, sim: a sociabilidade na escola é muito importante para a educação integral do indivíduo. Teremos de achar alternativas, pois o prédio-escola parece estar nos estertores. Conseguiremos separar o que é substantivo e adjetivo na educação?
Quarta: o autoritarismo em sala é insustentável. A concepção disciplinar prussiana que marcou muitas escolas era fruto de um esforço para domesticar cidadãos, produzir soldados e bons operários. O autoritarismo centralizado no professor não pode conviver com novas necessidades, plataformas e tecnologias. A autoridade, a capacidade de um professor-coordenador-diretor ter a técnica e o conteúdo que melhor sirvam ao grupo, é sempre essencial. A autoridade do professor deriva do seu preparo e de que ele, em última instância, serve a todos os alunos e por isso não pode permitir que um atrapalhe. O autoritarismo serve ao professor ou ao coordenador. A autoridade serve a todos. Importantíssimo: jamais substituir o velho autoritarismo de professores pelo autoritarismo de pais ou imperativos derivados do aluno-cliente no sistema privado. 
Quinta e última: em um mundo de opiniões subjetivas derivadas de um “achismo” crescente, a escola sempre será o lugar do treinamento científico e metódico para reunir argumentos que superem meras convicções. Em vez de indicar posição A ou B, ao professor sempre caberá o ensino de argumentação para elaboração de ideias embasadas. A era do pensamento único nunca foi muito eficaz e está em crise mais profunda hoje. Aprender a conviver com a diferença é uma tarefa da escola agora e por todos os séculos dos séculos, amém. A escola deverá enfatizar a capacidade de raciocinar e de ouvir. 
Ela não morreu e não morrerá. Em um mundo que buscará mais a inteligência do que o capital ou a força física, o futuro de quem ajuda a pensar é brilhante. O papel da educação tenderá a crescer, porém distante dos padrões atuais. Criatividade, metodologia de argumentação, expressão oral e escrita, raciocínios ponderados e capacidade crítica pavimentam a estrada do futuro. A velha escola morrerá sem muita vela ou flor. A nova será construída pelo nosso esforço de educadores, diretores, coordenadores, alunos e pais. Há um caminho aberto para a escola de amanhã. Tudo pode e deve ser repensado. Boa semana para quem educa e para quem aprende a aprender.

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