Novo estudo apresenta resultados da primeira análise global da vida marinha selvagem e conclui que quase nada restou em regiões costeiras; maior parte dos remanescentes intocados se concentram no Ártico, na Antártica e em áreas remotas do Oceano Pacífico
26 jul 2018
Uma parcela de apenas 13% dos oceanos do planeta
ainda pode ser classificada hoje como "vida marinha selvagem" - isto é,
intocada por influências humanas -, de acordo com um novo estudo
realizado por um grupo internacional de cientistas e publicado nesta
quinta-feira, 26, na revista científica Current Biology.
De acordo com os autores da pesquisa, o trabalho é a
primeira análise sistemática da vida marinha selvagem com abrangência
global. Segundo eles, essas áreas, importantes para a biodiversidade
marinha, estão atualmente distribuídas de forma assimétrica,
concentrando-se especialmente no Ártico, na Antártica e em torno de
remotas ilhas do Oceano Pacífico. Praticamente nada restou nas regiões
costeiras dos continentes.
"Essas áreas marinhas que podem ser consideradas
intocadas estão se tornando cada vez mais raras, enquanto as frotas de
navios pesqueiros e de carga expandem seu alcance por quase todos os
oceanos do mundo, ao mesmo tempo em que o escoamento de sedimentos
sufoca muitas áreas costeiras", disse o autor principal do estudo,
Kendall Jones, da Universidade de Queensland (Austrália).
Para realizar o estudo, os cientistas usaram dados
classificados em 19 categorias de impactos humanos, incluindo navegação
comercial, escoamento costeiro de fertilizantes e de sedimentos e vários
tipos de atividades pesqueiras, considerando seu impacto cumulativo. No
critério utilizado no mapeamento, foram consideradas como áreas de vida
selvagem marinha aquelas nas quais o impacto dessas categorias foram
menores que 10%.
"Ficamos atônitos ao descobrir como sobraram tão poucos
remanescentes de vida marinha selvagem. Os oceanos são imensos e cobrem
mais de 70% da superfície do nosso planeta, mas nós já conseguimos
provocar impacto considerável em quase todo esse vastíssimo
ecossistema", disse Jones.
Em terra firme, o rápido declínio da vida selvagem tem
sido bem documentado, de acordo com o pesquisador, mas a ciência sabe
muito menos sobre a situação da vida selvagem marinha. "As áreas
selvagens intocadas mantêm altos níveis de biodiversidade e de espécies
endêmicas . Elas estão entre os poucos lugares da Terra onde ainda se
encontram grandes populações de predadores que estão no topo da cadeia
alimentar", explicou Jones.
O estudo também concluiu que menos de 5% da vida
selvagem marinha está atualmente sob proteção, sendo a maior parte em
ecossistemas bem distantes das costas. Uma quantidade muito pequena de
vida selvagem protegida foi encontrada em áreas de alta biodiversidade,
como recifes de corais.
"Isso significa que a vasta maioria da vida selvagem
marinha pode ser perdida a qualquer momento, já que os aprimoramentos
tecnológicos nos permitem pescar em profundidades maiores e levar navios
cargueiros para locais cada vez mais remotos. Por causa do aquecimento
global, algumas áreas que no passado estavam seguras, por ficarem o ano
todo cobertas por gelo, agora estão se tornando áreas de pesca", disse
Jones.
Acordos e proteção. De acordo com outro
dos autores do estudo, James Watson, também professor da Universidade
de Queensland e diretor científico da Sociedade de Conservação da Vida
Selvagem (WCS, na sigla em inglês), as áreas intocadas têm níveis
incomparáveis de biodiversidade - e essa imensa abundância garante a
elas resiliência contra ameaças como as mudanças climáticas.
"Sabemos que essas áreas de vida selvagem marinha estão
em declínio catastrófico e que protegê-las deve se tornar um foco dos
acordos ambientais multilaterais. Se isso não acontecer, é provável que
essas áreas desapareçam completamente nos próximos 50 anos", disse
Watson.
Segundo Watson, preservar a vida selvagem marinha também
exigirá a regulação das águas internacionais, onde historicamente há
dificuldades de conservação, já que nenhum país tem jurisdição dessas
regiões. Para Jones, no entanto, uma resolução recente da Organização
das Nações Unidas (ONU) poderá ajudar a mudar esse quadro.
"No ano passado, a ONU começou a desenvolver um tratado
de conservação do alto mar juridicamente vinculativo - que é,
essencialmente, um Acordo de Paris do Oceano. Esse acordo poderia ter o
poder de proteger grandes áreas em alto mar e poderia ser nossa melhor
chance de salvar alguns dos últimos remanescentes de vida marinha
selvagem na Terra", disse Jones.
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