USP, UFMG e PUC-RS formam rede para analisar como alguns idosos com mais de 80 anos mantiveram desempenho cognitivo de pessoas 30 anos mais jovens; pesquisas indicam que manter mente ativa e ser sociável e otimista podem ser caminhos
29 jul 2018
SÃO PAULO - Aos 82 anos, a professora aposentada
Loyde de Carvalho Fagundes faz hidroginástica, frequenta o clube, faz
psicoterapia, escreve poemas e está sempre ligada nas notícias. Na
terceira idade, passou a ter como lema um famoso ditado popular, só que
adaptado por ela: "Mente vazia, oficina do Alzheimer, por isso tento
sempre me ocupar".
A rotina do engenheiro aposentado Mauricio José Tosi
Ferreira Lemos, de 85 anos, não é menos agitada. Ele é conselheiro do
condomínio onde mora, faz aulas de dança, participa de excursões aos
fins de semana e acaba de ingressar no curso repórter 60+, voltado para
idosos com vontade de aprender um pouco mais sobre jornalismo. "Tem
gente que é caseira. Sou 'rueiro', não gosto de ficar quieto, não",
conta, aos risos.
Loyde e Lemos fazem parte de um grupo seleto que começou
a ser estudado nos últimos meses por uma rede formada por três
instituições de pesquisa brasileiras: as Universidades de São Paulo
(USP), Federal de Minas (UFMG) e Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUC-RS).
No fim do ano passado, elas se uniram para tentar descobrir os
segredos dos chamados superidosos - indivíduos com mais de 80 anos que
apresentam desempenho cognitivo, principalmente no campo da memória,
compatível com o de uma pessoa 20 ou 30 anos mais jovem.
Com o envelhecimento da população e o aumento do número
de pessoas com mais de 80 anos, os pesquisadores querem entender o que
faz os cérebros dos superidosos serem mais resistentes aos efeitos do
avanço da idade, investigação que pode dar pistas sobre como prevenir ou
adiar quadros de Alzheimer ou outras demências.
"Estudar isso abre a perspectiva de saber se essa
característica é mero acaso ou se há algo ao longo da vida que fez com
que esses superidosos obtivessem um envelhecimento bem-sucedido.
Queremos saber se é só genética ou se há algo mais", destaca Ricardo
Nitrini, professor de Neurologia da USP. "Em vez de se estudar só os
indivíduos com demência e ver o que de ruim fizeram, a ideia é pegar um
indivíduo que está bem e descobrir o que de bom ele fez."
Ele e seu doutorando, o neurologista do Hospital das
Clínicas Adalberto Studart Neto, já estão estudando dois casos
identificados como superidosos e buscam mais voluntários. "O tema tem
despertado cada vez mais interesse na comunidade científica, mas a
dificuldade é encontrá-los. São raros, por isso juntamos esforços com
outros grupos, para ter uma casuística maior", explica Nitrini.
Segundo Studart Neto, os primeiros testes realizados
pelos grupos para identificar superidosos são os neuropsicológicos,
capazes de mostrar o desempenho desses pacientes em várias funções
cerebrais. "O principal teste que se usa é o RAVLT (teste de aprendizagem auditivo-verbal de Rey, na sigla em inglês),
que avalia a memória tardia espontânea. A pessoa é exposta a 15
palavras por cinco vezes; em seguida entra em contato com outras
palavras e, após 30 minutos, tem de repetir as 15 palavras iniciais",
detalha.
Com a perda da capacidade de memorização, natural ao
envelhecimento, o esperado para a faixa dos 80 anos é que os
participantes recordem de sete a oito palavras, mas, entre os
superidosos, a média de memorização é de mais de dez palavras -
desempenho compatível com o de alguém de 50 a 60 anos.
"Fui para o Hospital das Clínicas como voluntário, na
verdade, para um estudo para medir o risco de Alzheimer, mas fiz os
testes de memória e fui tão bem que acabei sendo incluído nesse outro
estudo", brica Lemos, um dos participantes da pesquisa da USP.
Na PUC-RS, primeira a iniciar os estudos com
superidosos, em 2015, já há dez com alto desempenho cognitivo estudados.
A experiência do grupo, liderado pelo neurocientista Jaderson Costa da
Costa, diretor do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul, os levou a
mudar concepções. "O conceito de super-agers (em inglês) foi
criado nos Estados Unidos. Por isso, em consenso com os professores
Nitrini e Paulo Caramelli (UFMG), adaptamos a definição para o cenário
brasileiro, considerando superidosos os maiores de 75 anos com
desempenho cognitivo de pessoas mais jovens", diz Wyllians Vendramini
Borelli, da PUC-RS.
Ele embarcou neste mês para Nova York para realizar
parte de seu doutorado no Instituto de Pesquisa em Psiquiatria Nathan
Kline, onde irá aprender a usar técnicas de big data para analisar
imagens dos cérebros dos superidosos.
Com as investigações no País e no exterior, já há
algumas pistas sobre as características dos idosos de alto desempenho.
Algumas áreas do cérebro relacionadas a memória e motivação, por
exemplo, são mais desenvolvidas ou ativas nos superidosos (veja quadro acima). Na parte comportamental, eles são, na maioria, ativos, otimistas e sociáveis.
"Entre os nossos voluntários, todos demonstravam boa
capacidade de criar laços, gostavam de viajar, tinham uma vida mais
saudável", diz Costa.
"Nos estudos de prevenção de demência, já sabemos que há
fatores genéticos imexíveis, mas que fatores ambientais como maior
nível de escolaridade, atividade física e controle de doenças vasculares
impedem que a doença tenha manifestação clínica ou adiam seu
aparecimento, por isso que estudamos que tipos de estimulação cognitivas
podem melhorar o processo de envelhecimento", completa Caramelli,
professor da UFMG que coordena o grupo de estudos na universidade.
Na prática. Para Loyde e Lemos, não há
dúvidas: cabeça ocupada e uma vida feliz pelo menos contribuíram para a
memória excepcional. "Posso dizer que o que fiz na minha vida me ajudou.
Sempre tive muitos amigos, busquei boa saúde, me interessei em ampliar
minha cultura", conta o aposentado.
Loyde diz que exigências que a vida lhe impôs renderam
bons frutos. "Tive oito filhos, trabalhava fora como professora, tinha
de cuidar deles e preparar as aulas e ainda fiquei viúva cedo. Isso me
obrigou a ter uma vida bem ativa. E é nisso em que acredito: para ficar
forte, tem de preparar o cérebro: ele estar sempre bem cultivado."
Participe do estudo
Se você tem mais de 80 anos e acredita ter uma boa
memória ou conhece alguém com esse perfil que possa ser voluntário da
pesquisa, entre em contato com o grupo da USP que estuda o tema pelo
e-mail ceredic@uol.com.br
Em qualquer idade se pode 'fazer mais', diz professor
A ideia de acumular economias para chegar à velhice vale
para a saúde mental. Para Yaakov Stern, professor do Departamento de
Neurologia da Universidade de Columbia, em Nova York, deve-se ter uma
reserva cognitiva - conceito criado para determinar a capacidade que o
cérebro tem de se adaptar melhor aos danos sofridos ao longo da vida,
entre eles o processo de envelhecimento.
Essa reserva explicaria, por exemplo, por que algumas
pessoas com os mesmos níveis de lesão cerebral encontrados em exames de
imagem demoram mais a manifestar quadros de demência, como o Alzheimer.
O especialista esteve em Gramado (RS) em junho
participando da 15ª edição do Brain Congress, evento voltado ao estudo
do cérebro, emoções e comportamentos.
Essa capacidade do cérebro depende apenas da genética ou podemos fazer algo para melhorar essa reserva cognitiva?
Acredito que isso é influenciado por muitos fatores, não
só por questões genéticas, mas pelo nível de educação, tipo de
ocupação, pelas atividades que a pessoa desempenha na vida.
Podemos pensar em fazer uma reserva cognitiva como pensamos em uma reserva financeira?
Bem, a expressão surgiu um pouco dessa ideia: construir
uma resiliência que te permita viver melhor. Não é exatamente uma
reserva igual à financeira, mas, como há vários fatores que influenciam,
podemos pensar um pouco assim.
Muitos pensam que só é possível desenvolver as funções cerebrais durante a infância e a juventude. Essa crença está correta?
Não. Há boas evidências de estudos que acompanharam
pessoas desde a infância e mostraram que a educação formal e o QI são
importantes, mas todas as outras atividades realizadas durante a vida
podem contribuir também. Ou seja, você não deve desistir em uma idade
avançada mesmo que tenha tido baixa escolaridade. É sempre possível
fazer mais. Participar de atividades sociais, fazer exercícios, tudo
isso também faz bem para o cérebro e pode fazer diferença.
Muitas pessoas nas grandes cidades reclamam de participar de atividades em excesso. O que é melhor para o cérebro?
É óbvio que deve haver equilíbrio. Não adianta a pessoa
querer fazer mil coisas diferentes e ficar estressada, porque o estresse
não é benéfico.
Preste atenção
A ciência ainda não sabe explicar o que há no cérebro
dos superidosos que os torna especiais, mas sabe que alguns hábitos e
atividades aumentam a chance de um envelhecimento mais saudável e
diminuem risco de demência:
1. Educação. Quanto mais anos de estudo, menor o risco do desenvolvimento de demências.
2. Nunca é tarde. O cérebro é beneficiado por novos estímulos durante toda a vida.
3. De tudo um pouco. Diversifique as atividades: aprenda um instrumento musical, entre em redes sociais, faça trabalho voluntário.
4. Hábitos. Combata sedentarismo e a má
alimentação: estudos mostram que 1/3 das demências poderia ser evitado
com o controle de doenças cardiovasculares.
5. Não se isole. Participar de grupos e
manter relações sociais melhoram a capacidade do cérebro de se adaptar
aos danos sofridos ao longo da vida.
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