A proporção é de 3,4 novas oportunidades para cada vaga fechada; programas brasileiros de combate à pobreza e sustentabilidade foram citados no relatório.
14 mai 2018
A transição da economia mundial para um modelo mais verde e sustentável
deverá criar 24 milhões de empregos, se países adotarem as políticas
certas. É o que aponta um relatório da Organização Internacional do
Trabalho, OIT, divulgado nesta segunda-feira. No Brasil, a diferença
entre fechamento de postos e abertura de novas vagas também é positiva e
chega a 440 mil novos empregos, segundo informou a OIT com
exclusividade à BBC Brasil.
"Estamos falando de 620 mil novas vagas, o que mais do que compensa os
180 mil empregos que poderão ser perdidos (no Brasil)", resumiu
Guillermo Montt especialista da organização e pesquisador. A proporção é
de 3,4 novas oportunidades para cada demissão em território nacional.
O documento mostra que seis milhões de trabalhadores devem perder seus
empregos no mundo, mas é otimista em relação ao saldo total, que deve
ser positivo pela criação de outras 18 milhões de vagas. Uma das chaves
será requalificar esses desempregados para ocuparem esses novos postos. A
relação entre geração e extinção de empregos é de quatro para um,
revelam os números do órgão da Organização das Nações Unidas.
A principal mudança no mercado de trabalho ocorrerá no contexto do
cumprimento do acordo climático de Paris 2015 - que prevê restringir o
aumento da temperatura global a até 2°C acima de níveis pré-industriais.
Para cumprir a meta, será necessário abandonar energias poluentes,
transformar os meios de produção e repensar o modo de consumo como um
todo. A abertura de novas vagas resultará da adoção de práticas
sustentáveis na geração e no uso de energia nesse contexto.
Será necessário, por exemplo, priorizar fontes energéticas renováveis,
desenvolver o uso de veículos elétricos, além de construir e adaptar
edifícios a padrões ecológicos. A OIT também prevê que muitas posições
se abrirão com a reestruturação do modelo mundial de consumo para o
chamado "sistema circular".
Na economia circular, a dinâmica deixa de ser
"extração-produção-consumo-descarte" e passa a ser
"extração-produção-consumo-reaproveitamento-novo uso". Somente nesse
segmento, a OIT estima que seis milhões de novos empregos podem ser
criados com a popularização de atividades de reciclagem como reparos,
aluguel e remanufatura, exemplifica o documento.
No contexto da sustentabilidade, o relatório elenca diversos modelos de
políticas públicas e projetos da iniciativa privada bem-sucedidos que
resultam em desenvolvimento sustentável. Entre os casos de sucesso, há
dois exemplos brasileiros: o Bolsa Verde e o RenovAção.
Bolsa Verde
O Bolsa Verde é um programa do Ministério do Meio Ambiente do tipo
"PES" (Payment for Ecosystem Services, pagamento por serviços de
ecossistema, em inglês). Nesse tipo de projeto, beneficiários recebem
subsídios para gerir o ecossistema que habitam. Dependendo do local e da
população, podem ser projetos relacionados ao uso do solo, à
preservação de mananciais, à produção e autossuficiência de energia,
entre outros.
No programa brasileiro, por exemplo, a transferência de renda é
principalmente direcionada às famílias que substituem queimadas e
desmatamento por atividades de manejo e preservação ambiental. O
programa está presente em 22 Estados, totalizando 904 áreas assistidas e
distribuídas por um total de 30 milhões de hectares.
Desde que entrou em funcionamento, em 2011, o Bolsa Verde já beneficiou
cerca de 76 mil famílias. A região amazônica concentra o maior número
de beneficiários (93%), com destaque para o Estado do Pará.
Para participar é necessário comprovar baixa renda, atuar em área de
ecossistema e estar também inscrito no Bolsa Família. Os participantes
recebem R$ 300,00 por trimestre, ou seja, R$ 1.200,00 por ano, para
adotar práticas sustentáveis nas suas comunidades.
"Nas áreas abrangidas pelo programa houve visível redução do
desmatamento e aumento da qualidade de vida das famílias. O
monitoramento demonstrou uma queda de 30% nos desmatamentos", informou à
BBC Brasil Juliana Simões, secretária de Extrativismo e Desenvolvimento
Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente.
"Programas PES são uma forma de promover objetivos sociais e ambientais
simultaneamente. Isso é particularmente relevante no caso do Brasil, um
dos países mais mega-diversos do mundo", defendeu Montt.
"O Bolsa Verde é um exemplo nesse sentido, porque protege as famílias
da pobreza ao mesmo tempo em que preserva as florestas. Os benefícios
retornam não apenas para aqueles que são diretamente remunerados, mas
para a sociedade como um todo", elogia o especialista da OIT.
Para ilustrar o caso brasileiro em particular, Montt cita a preservação
das florestas como estratégia fundamental para "regular o clima e a
precipitação de chuva em todo o país". Ou seja, o programa desenvolvido
nas matas acaba por gerar benefícios que impactam também as cidades.
Renovação
A OIT destacou também o programa RenovAção, que chamou de "importante
iniciativa". O projeto foi iniciado em 2009 com base em uma parceria da
União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) com o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (Senai) e outras instituições de ensino.
Trabalhadores rurais do sudeste que perderam seus empregos por conta da
abolição da prática da queima da palha de cana foram treinados para
adquirir novas qualificações. Por meio do aprendizado, eles conseguiram
se reposicionar na mesma indústria e também em outros setores.
Durante a transição os ex-lavradores receberam uma renda mensal, até
obter uma nova posição. O programa inclui 300 horas de cursos e atendeu
mais de 6650 trabalhadores entre 2010 e 2015.
"O RenovAção no estado de São Paulo é uma prática modelo que vale a
pena. Ajudou a avançar a sustentabilidade na indústria da cana-de-açúcar
e melhorou a transição dos trabalhadores para outros setores", destacou
Montt.
"É um bom exemplo de como a modernização leva à dispensa, mas também de
que é possível encontrar alternativas. As cadeias produtivas necessitam
da modernização para avançar no ganho de produtividade e na
sustentabilidade", resume o professor e especialista em gerenciamento
ambiental da Universidade de São Paulo Sérgio Pacca.
Estresse térmico
O estudo também estima que a mudança climática deverá afetar
profundamente o nível de produtividade dos trabalhadores, porque o
aumento na temperatura fará com que o estresse térmico desencadeie
condições médicas como exaustão e até mesmo derrames com maior
frequência.
Esses problemas de saúde ocupacionais relacionados ao aquecimento
causarão uma perda global de 2% nas horas trabalhadas até 2030.
Empregados da indústria agrícola nos países em desenvolvimento serão
especialmente afetados.
O relatório afirma, ainda, que a transição para a economia verde
beneficiará a maioria dos setores pesquisados. Em todo o mundo, dos 163
setores produtivos analisados, apenas 14 perderão mais de 10 mil
empregos. O fechamento das vagas se concentrará principalmente na
indústria do petróleo.
Petróleo
Mundialmente, dois segmentos serão os maiores perdedores, concentrando o
fechamento de mais de um milhão de vagas: são os setores de extração e
de refino do petróleo. Em regiões com economias altamente dependentes
dessa matéria-prima - como no caso do Oriente Médio - o saldo líquido
será uma queda de 0,48% no nível de emprego em decorrência do abandono
dos combustíveis fósseis.
"Fala-se muito em desenvolver o pré-sal no Brasil, mas esse é um modelo
ultrapassado. O que deveria estar se pleiteando agora é o futuro. Ainda
estamos olhando para o tema do desenvolvimento com um olhar de um
século atrás. Não estamos sabendo nos modificar em termos de inovação e
adequação", critica o professor Pacca.
Globalmente, 2,5 milhões de novos postos de trabalho serão criados nos
setores de eletricidade gerada por fontes renováveis, compensando cerca
de 400 mil vagas perdidas na geração de eletricidade baseada em
combustíveis fósseis.
Na conclusão, a OIT sintetiza a recomendação de que países adotem uma
combinação de políticas que inclua transferências de renda, seguros
sociais mais fortes e limites no uso de combustíveis fósseis.
Essa abordagem conjunta levaria a um "crescimento econômico mais
rápido, com maior geração de empregos e com uma distribuição de renda
mais justa", bem como menores emissões de gases causadores do efeito
estufa.
"O Brasil precisa aproveitar que tem uma natureza tão abundante e
repensar seu desenvolvimento. Não dá pra ficar vendendo commodities pra
sempre. Acredito que a conservação vai ter no futuro um valor muito
maior, muito mais relevante, do que a expansão das commodities",
profecia Bacca.
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