Por José Antonio Lima (@zeantoniolima)
A crise deflagrada pela paralisação dos caminhoneiros em todo o Brasil serviu para deixar claro que o deputado federal Jair Bolsonaro, o candidato do PSL à Presidência da República, é um líder despreparado, o que o torna ainda mais perigoso para a democracia brasileira.
Bolsonaro é, antes de tudo, um sintoma de dois anseios da sociedade. Por um lado, ele personifica o que muitos acreditam ser a solução para o problema da corrupção exposto em praça pública pela Operação Lava Jato – seria o homem capaz de “moralizar” a política.
Escapa a essa turma a noção de que o problema de corrupção no Brasil está muito mais relacionado a questões sistêmicas do que a escolhas individuais dos próprios políticos. Qualquer presidente eleito só vai governar se formar uma base aliada a partir de negociações com centenas de parlamentares de cerca de 25 partidos. Aí está o principal mecanismo a colocar a corrupção em marcha.
Escapa também ao julgamento desse pessoal que Bolsonaro sempre esteve à margem desse processo de alianças porque, ao contrário da maioria de seus colegas parlamentares, tem uma base eleitoral do tipo ideológica e era até aqui praticamente o único representante dos militares no Congresso.
Graças à propagação de suas ideias e à exclusividade como candidato da “família militar”, Bolsonaro conseguiu seis mandatos consecutivos sem precisar, por exemplo, vender votos para Eduardo Cunha para obter verba de campanha no pleito seguinte. Acreditar que a suposta incorruptibilidade de Bolsonaro proporcionará uma formação de alianças menos corrupta não é uma opção racional, é fé.
Por outro lado, Bolsonaro personifica a imagem do político linha-dura que poderá resolver o problema da violência no Brasil, o campeão mundial de homicídios. Aqui, a turma de apoiadores do deputado usa o mesmo tipo de “lógica” utilizada na questão da corrupção. Acredita-se que há soluções rápidas para a segurança pública que uma única pessoa ou carreira (no caso, os militares), pode promover. Ocorre que as soluções para a segurança são, em larga medida, contra-intuitivas.
Vejamos o caso da “guerra às drogas” no México, que tem paralelos com a intervenção federal decretada por Michel Temer no Rio de Janeiro. O governo mexicano envolveu os militares no combate ao narcotráfico em dezembro de 2006. Naquele momento, havia quatro grandes cartéis no país. Hoje há oito e mais 40 cartéis menores. A violência explodiu e 2017 foi o ano mais violento da história do México.
Bolsonaro foi contra a intervenção, não apenas porque, naquele momento, Temer, tentava roubar-lhe a pauta da segurança. Bolsonaro lamentava que, no Brasil, os militares não poderiam atirar contra suspeitos, como ocorria no Haiti, então a intervenção não daria certo. Ou seja, Bolsonaro queria mais força, justamente o que não funciona na segurança pública, que exige inteligência e engajamento com a sociedade.
O eleitor de Bolsonaro, assim, tem pressa, e quer soluções rápidas, para problemas complexos como a corrupção e a segurança. Ele odeia políticos, a política, mas quer alguém para aplacar seus anseios – um salvador da pátria.
A paralisação dos caminhoneiros tem paralelos com esse tipo de pensamento. O movimento teve início com uma pauta específica, mas ganhou a adesão de causas difusas. Como mostrou reportagem de Marina Rossi e André de Oliveira no jornal El País, há muita solidariedade aos motoristas, apesar dos indícios de que se trata ao menos parcialmente de um locaute (“greve” dos patrões), de que o Tesouro (e o cidadão, portanto) pagará a conta da demanda dos caminhoneiros, do desabastecimento e do negativo impacto econômico que o movimento legará ao país.
Alguns apoiam por ter pautas análogas e tão legítimas quanto a inicial dos caminhoneiros. Se estes protestaram por conta do preço do diesel, é fácil perceber a insatisfação diante dos valores da gasolina ou do botijão de gás, itens essenciais para segmentos significativos da população.
Outros apoiam porque a paralisação é um recado à classe política e ao governo Temer, visto como ilegítimo. É preciso lembrar que um dos grandes pontos deficitários da democracia brasileira são os impedimentos à participação popular nos rumos do país. O voto, sozinho, não serve para a população ser ouvida. Assim, muitos toleram os transtornos causados pela paralisação em nome do recado enviado aos políticos.
E o que fez Bolsonaro neste cenário? Preferiu jogar gasolina na fogueira e aderiu ao movimento. Fez diversas manifestações de apoio à paralisação e, na manhã de domingo, disse que revogaria qualquer multa, prisão ou confisco imposto aos caminhoneiros. Bolsonaro apostou no caos para, como escreveu Celso Rocha de Barros na Folha de S.Paulo, produzir desordem agora e vender ordem nas eleições de outubro. Em outras palavras, o candidato “patriótico” colocou sua candidatura à frente de qualquer outro interesse.
É óbvio que a classe política é de péssima qualidade e que o governo Temer é ilegítimo, mas como devastar a economia seria uma boa forma de resolver isso? A postura de Bolsonaro neste episódio revela seu total despreparo para liderar um país. Age como um arrivista, um aventureiro sem visão.
Nesta terça-feira, Bolsonaro fez uma inflexão e passou a dizer que o movimento está indo longe demais. “A paralisação precisa acabar, não interessa a mim, ao Brasil, o caos”, afirmou à Folha.
Curiosamente, mesmo ao adotar uma postura mais racional, o candidato demonstra seu despreparo, o que o torna ainda mais perigoso para a democracia. Bolsonaro mudou de posição em consonância com a fala pública do general da reserva Antônio Hamilton Martins Mourão, notório por defender um golpe de Estado quando ainda estava na ativa.
Mourão, que presidirá o Clube Militar e pretende ser uma espécie de patrono dos mais de 70 candidatos militares a apoiar Bolsonaro em outubro – se não resolver entrar na disputa ele próprio – criticou na noite de segunda-feira o movimento dos caminhoneiros e afirmou ser preciso garantir os serviços essenciais e evitar a instalação de uma situação caótica.
Trata-se, evidente, de um movimento coordenado no grupo bolsonarista. A jornalista Joice Hasselmann, conselheira de Bolsonaro e apontada até como sua vice, também mudou de postura nas últimas horas. Só não se sabe quem manda, se é Bolsonaro ou Mourão.
Despreparado para liderar e mal-assessorado, Bolsonaro tem sua popularidade calcada na ignorância geral de muitos a respeito das complexidades dos problemas do país. Ao mesmo tempo, o principal grupo político que o rodeia é o dos militares linha-dura que desejam retomar o controle do país. A ascensão de Bolsonaro necessariamente implicará em mais autoritarismo. Com ele, o futuro do Brasil é aterrador.
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