Banco de Paraisópolis promete oferecer empréstimos com juros baixos a pequenos comerciantes e moradores de comunidade de 100 mil pessoas - e financiar projetos sociais; saiba como operam os 103 bancos comunitários no Brasil.
7 mai 2018
08h03
A favela de Paraisópolis, a maior de São Paulo (segundo o censo de 2010
do IBGE), vai ter um banco e uma moeda própria administrados por seus
moradores. Será a primeira vez que uma comunidade da zona oeste
paulistana terá uma iniciativa como essa.
A instituição financeira vai se chamar Banco de Paraisópolis e será
gerida pela associação de moradores e comerciantes da área. Já a moeda,
apelidada de Nova Paraisópolis, deverá ser impressa e vai circular
apenas dentro do bairro.
Segundo a Rede Brasileira de Bancos Comunitários, há 103 dessas
instituições operando no país e elas giraram R$ 40 milhões entre 2016 e o
final do ano passado. Elas
Uma de suas funções, por exemplo, é possibilitar microcrédito com juros
baixos para moradores e pequenos comerciantes - em grandes bancos,
normalmente as taxas são maiores.
O Banco de Paraisópolis terá uma agência dentro da favela, além de
oferecer contas correntes, cartão de débito e um aplicativo para
celular. Mais de 6 mil pessoas já utilizam um cartão de crédito
exclusivo para moradores da comunidade.
"Nossa ideia é que as pessoas tenham uma conta, possam fazer saques e
pequenos empréstimos", diz Gilson Rodrigues, líder comunitário e
presidente da União de Moradores e Comerciantes de Paraisópolis.
Para financiar a iniciativa, a associação vai realizar um jantar de
doações com empresários e personalidades. O dinheiro arrecadado irá para
um fundo, que financiará as ações do banco - jantares como esse já
ajudaram a criar uma série de projetos sociais na região.
Quando um morador pedir um empréstimo, por exemplo, o valor sairá desse
fundo - depois, quando ele pagar a dívida, o dinheiro retorna ao banco
para ficar disponível para outras pessoas.
Já os juros e as taxas de funcionamento serão usados para financiar
causas da comunidade, além de 32 projetos sociais que a associação de
moradores toca na área, como uma orquestra de jovens, um grupo de balé e
um bistrô em uma laje da favela.
"Nosso objetivo não é ganhar dinheiro, não é gerar lucro, mas investir
no desenvolvimento da comunidade, no comércio e no consumo local,
gerando empregos", diz Gilson. Ele promete que cadastros de
inadimplentes, como Serasa e SPC, não serão consultados.
Estima-se que Paraisópolis tenha cerca de 100 mil habitantes e 8 mil
estabelecimentos comerciais - a maioria pertence a moradores. Grandes
empresas também estão de olho nesse potencial econômico e abriram lojas
na área, como Banco do Brasil, Casas Bahia e Bradesco.
Cerca de 21% dos moradores trabalham dentro da própria favela, segundo a
associação de moradores. Quem tiver conta no banco local terá descontos
no comércio credenciado.
Por outro lado, apesar do comércio aquecido e da fama adquirida com uma
novela da TV Globo que usava suas vielas como cenário, Paraisópolis
ainda tem uma série de problemas comuns a toda favela do Brasil, como
pobreza extrema e falta de saneamento básico.
Obras de urbanização estão paradas há anos, como canalização de um
córrego e a construção de moradias sociais. Cerca de 5 mil famílias da
comunidade vivem de bolsa-aluguel pagos pela prefeitura.
O novo banco deve priorizar empréstimos que financiem o comércio local,
dando cursos para os clientes desenvolverem seus negócios. "Quando a
gente incentiva e prepara os comerciantes, a tendência é que o negócio
dê certo e ele nos devolva o dinheiro", diz Gilson, que tem 33 anos.
'Por que somos pobres?'
Os bancos comunitários existem há 20 anos no Brasil. O primeiro foi o
Banco Palmas, criado em 1998 na favela de Palmeiras, em Fortaleza, e
tido como referência na modalidade.
Joaquim de Melo Neto, coordenador da instituição, conta que o banco
surgiu quando a associação de moradores local fez um levantamento sobre a
pobreza extrema da área. "A pergunta que mudou nossa vida foi: 'por que
nós somos pobres?'", diz Neto, que foi morar em Palmeiras como
seminarista em 1984, a pedido da Igreja Católica.
"Percebemos que as pessoas gastavam todo seu dinheiro fora da
comunidade, comprando produtos que não geravam dinheiro nem emprego para
nós. Como éramos ambiciosos, montamos um banco para financiar os
comerciantes de dentro da comunidade", conta.
O investimento inicial foi de R$ 2.000, emprestados de uma ONG.
"Quebramos o banco no primeiro dia com tantos empréstimos", lembra Neto,
rindo. O episódio ficou famoso, e empresários da região doaram dinheiro
para financiar o projeto.
Depois, o Palmas lançou sua própria moeda, impressa em papel sulfite, e
que circula até hoje apenas no perímetro do bairro - cada nota vale R$
1. O sucesso gerou problemas: o Banco Central processou os moradores,
acusando o projeto de falsificar dinheiro.
"Quando o Banco Central mandou uma carta questionando nosso banco,
respondemos que a gente explicava se eles pagassem R$ 100 mil pela
consultoria", lembra Neto.
O Banco Palmas ganhou o processo em 2005. O Banco Central reconheceu
que instituições financeiras comunitárias podem existir - hoje elas
estão sob o guarda-chuva da Secretaria de Economia Solidária, do
Ministério do Trabalho.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) empresta
dinheiro para a criação dos fundos, onde fica o dinheiro que financia
os bancos comunitários.
O Palmas, por exemplo, tem R$ 3 milhões para realizar empréstimos e
administrar o banco. Ele cobra 0,8% de juros por mês, índice que Neto
considera alto - para ele, a taxa deveria ser zero.
A BBC Brasil procurou o Banco Central, mas a instituição não quis se pronunciar sobre as iniciativas.
Microeconomia
"Banqueiros" comunitários dizem que as unidades ajudam a desenvolver o
comércio e o consumo em áreas com pequena atividade financeira e
estatal. O último Censo, de 2010, apontava que 11,4 milhões de
brasileiros vivem em favelas.
Para Leonardo Leal, coordenador da Incubadora Tecnológica de Economia
Solidária da Universidade Federal de Alagoas, as iniciativas também
incluem pessoas que estão fora do sistema financeiro tradicional. "Hoje,
grande parte dos moradores de áreas rurais, ou de pequenas cidades, não
têm acesso a serviços como pagamento de boletos e microcrédito",
explica.
Leal participou da criação do Olhos D'água, banco tocado por moradores de Igaci, cidade de 25 mil habitantes em Alagoas.
A cidade tem uma moeda local, a Terra, que dá descontos no comércio e
só pode ser usada dentro do município. "Como o banco é administrado
pelos próprios moradores, existe um sistema de autogestão e controle
social que ajuda a diminuir as taxas de inadimplência", explica.
Criado em 2016 com uma linha de crédito do Ministério do Trabalho de R$
45 mil, o Olhos D'água já financiou 150 projetos de comércio local e de
agricultura familiar - os empréstimos chegam a R$ 1.500, no máximo.
Em Maricá, no Estado do Rio Janeiro, o banco Mumbuca também tem ajudado
a movimentar a economia local. Sua origem é um pouco diferente dos
demais bancos comunitários.
Em 2013, a prefeitura da cidade criou uma bolsa social para moradores
de baixa renda, mais ou menos nos moldes do Bolsa Família. O valor de R$
110 passou a ser pago na moeda Mumbuca, que dá descontos nos 309
estabelecimentos comerciais credenciados.
Hoje, cerca de 16 mil pessoas são clientes, que também é aberto para
famílias com renda maior. O Mumbuca financia iniciativas locais com
juros zero - ou seja, ele não tem lucros com a atividade.
"O comerciante paga uma taxa para usar nossos serviços, mas ela volta
para a comunidade em forma de cursos e oficinas de empreendedorismo",
diz Natalia Sciammarella, subcoordenadora de gestão do Mumbuca. "As
pessoas sabem que, usando nosso banco, elas movimentam a economia da
cidade, gerando emprego".
Em 2006, esse modelo de microcrédito rendeu o Prêmio Nobel de Economia
ao banqueiro Muhammad Yunus. O economista, nascido em Bangladesh, criou
um banco que emprestava pequenas quantias para milhões de pessoas pobres
de seu país.
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