Texto publicado no site Ideias na Mesa no dia 21/02/17 de autoria do nutricionista Rafael Rioja.
Desde meados de 2016 a Globo passou a exibir no horário nobre de sua programação e com múltiplas entradas a campanha “Agro é Pop, Agro é Tech, Agro é tudo”. Concebida pela gerência de Marketing e Comunicação da própria emissora, os vídeos de 1 minuto continuarão a ser “martelados” nos intervalos das novelas, jornais e programas até junho de 2018.
Segundo os criadores, a campanha têm entre outros objetivos: “tratar a importância dos produtos agrícolas e das coisas do campo; procuramos também sempre citar quantos empregos aquela atividade agrícola gera e quanto ela movimenta na economia”
O Brasil é sem dúvida um país de vocação agrícola fruto de nossa exuberante biodiversidade, e não por outra razão, tivemos em nossas terras desde que os europeus “descobriram” nossos povos indígenas e nossas riquezas naturais, seguidos ciclos de produção capitaneados por diferentes caravanas colonizadoras. Nos dias de hoje, essa riqueza agrícola continua, sem sombra de dúvidas, a movimentar a economia brasileira. Mas o que realmente está por trás da campanha “Agro é Pop” e quais as verdades inconvenientes que ela tenta esconder?
Agro é Tech
A retórica de que o agronegócio gera riquezas e atua no combate a fome não é recente e nem exclusividade brasileira. A “Revolução Verde” iniciada nos Estados Unidos na década de 50, e que de verde mesmo teve só o nome da cor, trouxe a promessa de acabar com a fome no mundo através do uso da tecnologia aumentando a produção de alimentos. Em termos absolutos, a produção de gêneros alimentícios aumentou, mas mesmo décadas depois, problemas como a fome e a insegurança alimentar e nutricional continuam a assolar mais de 800 milhões de pessoas ao redor do mundo.
O grande legado da dita “Revolução Verde” foi na verdade a concentração de grandes porções de terras nas mãos de poucos latifundiários e o escoamento de pacotes tecnológicos e de insumos por multinacionais estrangeiras que incluíam agrotóxicos com princípios ativos excedentes da segunda guerra mundial, fertilizantes químicos e sementes transgênicas destinados a países em desenvolvimento como o Brasil.
Em território nacional, agrotóxicos banidos na União Européia e em outros países no mundo circulam com isenção de impostos e linhas de créditos bancárias para pequenos agricultores condicionadas ao uso dos venenos. Esse cenário levou o Brasil à condição de maior consumidor de agrotóxicos do mundo com sérias implicações para a saúde humana incluindo consumidores e trabalhadores rurais, e para o meio ambiente. A Associação Brasileira de Saúde coletiva (ABRASCO), compilou em 2015 sua versão mais recente do Dossiê: “Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde“, livro com mais de 600 páginas reunindo artigos, estudos e pesquisas mostrando entre outros aspectos, as contaminações pelo uso de agrotóxicos que vão desde o comprometimento de aquíferos locais até a presença de compostos tóxicos no ar e no leite materno.
Além de se destacar no consumo de agrotóxicos, o agronegócio brasileiro também nos colocou no patamar de maiores produtores de milho e soja transgênica ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Do ponto de vista da segurança para saúde humana do consumo de organismos geneticamente modificados (OGM), a publicação “Lavouras Transgênicas” analidou 750 trabalhos publicados e mostrou que a única certeza é de que não existe consenso científico sobre o consumo seguro deste tipo de alimento. Não resta dúvidas, no entanto, dos sérios agravos para biodiversidade, soberania e segurança alimentar causados pelo monopólio de patentes das multinacionais que controlam a produção de OGM. Recentemente a equipe do IM traduziu matéria alertando que pequenos agricultores da Tanzânia, estão sendo criminalizados por utilizar e trocar sementes nativas ao invés de comprar as sementes transgênicas da Syngenta. A situação de extrema gravidade não é exclusividade do país Africano e se repete em outras regiões.
O Brasil saiu em 2015 pela primeira vez na história do mapa da fomesegundo a Organização das Nações Unidas (ONU), e essa conquista foi possibilitada não pelo modelo “Agro Tech” sinônimo de agrotóxicos e sementes transgênicas. De acordo com a entidade, os principais fatores que possibilitaram essa conquista foram as políticas de combate a fome e insegurança alimentar e nutricional que resultaram nos programas como o “Fome Zero” e o “Bolsa Família”. As iniciativas de transferência de renda e o fornecimento de uma alimentação adequada e saudável por meio de diferentes ações e programas foram de fundamental importância para esse novo cenário.
O que a campanha do agronegócio esconde atrás do “Tech” é o que ele realmente significa e quem verdadeiramente lucra com as riquezas geradas. Acompanhe a coluna de quinta feira para saber da onde vem a popularidade do “Agro Pop” e porquê esse modelo de negócio “Agro(não) é Tudo”.
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