Pesquisa mostra que pais brasileiros dedicam 8 horas semanais a acompanhar vida escolar das crianças; para especialistas, ajuda paterna deve estimular sobretudo a autonomia e organização do tempo e do ambiente.
12 mai 2018
09h44
Há cerca de dois meses, a servidora pública mineira Cristina Dorneles,
43, começou a mudar o jeito como ajuda na lição de casa da filha Maria
Rita, de 10 anos, aluna de uma escola particular de Brasília.
"Eu sempre a acompanhava, todos os dias. Explicava novamente as
questões estudadas, ia até pesquisar no YouTube. Ficávamos até as 23h
fazendo as tarefas, mas percebi que ela ficava esperando a minha ordem
(para fazer a lição). O fato de eu estar sempre ali estava tirando a
autonomia dela", conta Dorneles.
"Conversamos e eu disse: 'Vamos fazer de forma diferente? A mamãe acaba
te dando uma segurança que nem sempre você vai ter, e você tem que
fazer o seu esforço'. Ela ainda está se adaptando, mas ajudo só quando
ela tem dúvidas e a gente pesquisa juntas."
Assim como Dorneles, muitos pais fazem bastante esforço para ajudar os
filhos com a lição de casa. Mas qual é a melhor forma de fazer isso?
Uma pesquisa recente da fundação educacional britânica Varkey concluiu
que pais brasileiros dedicam uma média de oito horas por semana ajudando
os filhos com as atividades escolares - uma hora a mais do que a média
global, entre 29 países que participaram do levantamento.
E 46% dos mil pais brasileiros entrevistados na pesquisa acham que não
passam tempo suficiente auxiliando na educação dos filhos.
Como ajudar - e como não ajudar?
Mais importante do que o tempo, porém, é o modo como os pais participam da vida escolar dos filhos.
A primeira coisa é nunca ceder à tentação de resolver os problemas da
tarefa para as crianças, destacam especialistas ouvidos pela BBC Brasil.
E lembrar, assim como fez Cristina Dorneles, que a lição é um momento
de praticar autonomia.
"A tarefa é para o aluno, não para o pai. É de se questionar se ele se
envolve demais e com muita frequência na tarefa do filho", diz Silviane
Bueno, diretora escolar no Balneário Camboriú (SC) e autora de
dissertação de mestrado sobre lição de casa na Universidade Federal de
Santa Catarina.
"É o momento em que o aluno se depara sozinho com seu conhecimento, e isso não pode exigir sempre a presença de um adulto."
Dito isso, acrescenta Bueno, os pais têm um papel importante na lição
de casa: principalmente para as crianças menores, é ajudar a preparar o
ambiente - um local bem iluminado, organizado e silencioso - e a
controlar o tempo, "para que o filho não acabe se distraindo e ficando
quatro horas fazendo a mesma tarefa".
É o que Cristina tem aprendido em seu novo modo de acompanhar a vida
escolar tanto de Maria Rita quanto do filho mais novo, Davi Henrique, de
5 anos.
"Já ensinei que ele é que tem a responsabilidade de me dizer quando tem
lição de casa. E criamos uma rotina: o Davi toma banho ao chegar da
escola, janta, descansa um pouco e eu leio para ele a tarefa (o menino
está em processo de alfabetização), mas é ele quem faz." Com Maria Rita,
Dorneles tem focado seus esforços em mostrar à filha em quais fontes
confiáveis ela pode buscar dados para tirar as dúvidas das lições.
Silviane Bueno sugere ainda explicar às crianças a importância de
limitar o acesso a eletrônicos - celulares e tablets - durante a lição:
"As crianças hoje já funcionam no modo 'multitask' (de fazer múltiplas
coisas ao mesmo tempo). É importante que o momento da tarefa seja para
elas pensarem, sem interrupções de WhatsApp, e usar os eletrônicos
apenas para pesquisa".
E se a criança deixou a tarefa para última hora e não vai conseguir terminar sozinha?
Bueno acha que nem sempre os pais devem intervir nesse momento. "Às
vezes, deixar que a criança vá à escola sem a tarefa e enfrente as
consequências disso é um momento educativo. A frustração faz parte do
processo", diz.
Aproveitar para conversar
Vale lembrar que a lição de casa serve, também, para indicar à escola o
que os alunos aprenderam ou não. Mais um motivo para os pais serem
cautelosos ao intervir.
"A utilidade da tarefa é a criança entender que ela consegue fazer
aquilo sozinha, se estiver dentro dos seus limites. E, se ela não
conseguir fazer, o professor precisa saber disso", diz Maria Amabile
Mansutti, coordenadora técnica do Cenpec - Centro de Estudos e Pesquisas
em Educação, Cultura e Ação Comunitária.
Ao mesmo tempo, as especialistas afirmam que as tarefas de casa podem
ser bons ganchos para conversas entre pais e filhos - seja sobre os
temas das lições, que podem render bons debates ou leituras em conjunto,
seja sobre o cotidiano das crianças na escola.
"A juventude acha que sabe tudo, mas às vezes sua base teórica é o que
leu no Facebook. Então quanto mais os pais conversarem, mais deixarão
claros seus valores, que serão bases de construção de opinião",
prossegue Bueno.
O paranaense Paulo Sérgio Pacheco, de 43 anos, aproveitou o interesse
do filho Paulo Henrique, 11, em um trabalho escolar de filosofia para
presenteá-lo com o livro
O Mundo de Sofia
, obra infantojuvenil de referência sobre o assunto. Ele e a mulher
também ajudaram o menino a fazer uma apresentação de PowerPoint sobre
filósofos, e a avó vai costurar para ele uma fantasia, com a qual vai
apresentar o projeto na escola.
"A gente curte muito o processo de acompanhar a vida escolar dele",
conta. "Eu ajudo mais com as dúvidas de história e geografia, por
exemplo, e a mãe, com matemática, sempre deixando ele fazer antes para
identificar o que entende ou não e permitindo que ele chegue à própria
conclusão. Mas é um processo que não tem hora nem lugar - acontece o
tempo todo. Estamos sempre conversando sobre os temas que despertam a
curiosidade dele."
Para que serve a lição?
A escola, por sua vez, tem um papel crucial nesse processo: garantir
que a tarefa de casa reforce o conteúdo dado em sala de aula de modo
estimulante e construtivo, o que nem sempre acontece.
"É algo sobre o qual ainda há pouca reflexão, tanto que há poucos
estudos sobre isso", diz Silviane Bueno. "Mas estamos avançando: antes, a
lição de casa era usada só para controle - 'aluno fez, aluno não fez'.
Hoje, já é vista como um momento importante da aula, que permite a
retomada do conteúdo no dia seguinte. E já existem softwares online em
que os alunos completam as tarefas (no computador ou celular) e o
professor recebe imediatamente um relatório de quais foram as principais
dúvidas."
"A tarefa não pode ser para castigar o aluno, mas sim para ajudar no
desenvolvimento de competências", agrega Amabile Mansutti, do Cenpec.
"Tem que ser relevante, adequada (à faixa etária) e voltada a rever o
que foi dado em sala de aula, mas não só repetindo-o, e sim motivando a
criatividade."
Mansutti cita, por exemplo, o modelo de "aula invertida" - em que os
alunos pesquisam o tema da aula antes e, depois, ajudam a construir um
conhecimento conjunto em sala - como um método cada vez praticado nas
etapas do ensino médio e do fundamental II.
De todo modo, a própria lição de casa é alvo de debates - desde a
intensidade com que deve ser aplicada até mesmo se ela deve existir. Há
especialistas, escolas e sistemas educacionais no mundo inteiro que
rejeitam a prática, com base em algumas pesquisas acadêmicas que
encontraram pouca evidência de que as tarefas de casa ajudavam a
melhorar o desempenho escolar dos jovens.
Em 2016, a mensagem da mãe de uma aluna da 2ª série de uma escola no
Texas (EUA) viralizou na internet: ela postou o bilhete que recebeu da
professora da filha, explicando que a classe havia abolido a lição de
casa e sugerindo aos pais que dedicassem seu tempo com os filhos
"fazendo coisas que comprovadamente influenciam com seu sucesso
acadêmico, como refeições em família, leituras em conjunto, brincadeiras
e dormir cedo".
Na Finlândia, país que é referência global em educação, a lição de casa
continua a existir, mas tem um papel muito claro, explica à BBC Brasil
Pasi Sahlberg, especialista no sistema educacional finlandês.
"A quantidade de tempo dedicada a tarefas escolares aumenta com a idade
do aluno, e estudantes do ensino médio muitas vezes têm uma carga
pesada de trabalho a ser feito em casa", diz ele. "(Mas) muitas escolas
acreditam que as crianças devem ser capazes de fazer na própria escola a
maior parte da preparação para o próximo dia de aula."
Papel dos pais
Segundo Sahlberg, "é muito importante ensinar crianças a serem
responsáveis por suas próprias obrigações escolares. Fazer as tarefas
dos filhos seria uma grande violação desse valor educacional. (...) Não é
comum que pais ajudem os filhos com a lição - o melhor que podem fazer é
ajudar as crianças a assumirem essa responsabilidade e manter
comunicação constante com a escola delas."
De volta ao Brasil, Mansutti, do Cenpec, diz que há muitas formas de
participar da vida escolar dos jovens, citando estudos que mostram que
até mesmo pais com pouca instrução - e, portanto, com dificuldade em
acompanhar a lição de casa - conseguem ser presentes mantendo diálogo
constante com os filhos, ensinando-os a se esforçar e cobrando capricho
nas tarefas.
Para os pais entrevistados pela BBC Brasil, a tarefa de casa acaba
sendo um momento para se manter a par da vida escolar das crianças - e
tentar criar laços ainda mais forte com elas.
"O dever de casa acaba sendo um momento para toda a família, de ver
como meus filhos agem, como eles estão lidando com as frustrações e até
mesmo se a escola está conforme os meus anseios", diz Cristina Dorneles.
"Também quero que eles não tenham vergonha de dizer 'não sei', de falar
a verdade e de receber críticas. E mostrar que estou aqui para
ajudá-los, mas não para resolver o problema para eles, como fiz tantas
vezes antes."
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