A dualidade entre fêmeas e machos, que ainda intriga cientistas, acabou impedindo o surgimento de um terceiro sexo; a natureza também tem seres assexuados, com suas vantagens e desvantagens.
                            
                            
                                                                        
                                                                        
                            5 mai 2018
                            
                            10h33
                        
 Um parceiro conhece o outro, eles se cortejam e procriam. Mas por que 
temos apenas dois sexos na natureza? E para que exatamente eles existem?
 Esse, que é um dos maiores mistérios da biologia, foi o tema de uma 
investigação do geneticista Adam Rutherford e da matemática Hannah Fry, 
apresentadores do programa
 
  The Curious Cases of Rutheford and Fry
 
 , da BBC Radio 4.
 E, analisando o intrincado e curioso mundo da sexualidade animal, eles 
descobriram que nem sempre são necessários dois parceiros para se gerar 
descendentes.
Autonomia sexual
 Alguns animais podem se reproduzir sem necessidade de formar um casal e
 acasalar, como é o caso das minúsculas criaturas chamadas
 
  Bdelloidea
 
 , uma classe de rotíferos que vive em qualquer lugar onde haja água e que só pode ser vista com microscópios.
 Essa espécie não tem machos, e as fêmeas se encarregam da reprodução com suas próprias células sexuais não fecundadas.
 Há também o caso de Ganas, um dragão de Komodo que é uma das principais atrações do Zoológico de Londres.
 "Ele não tem pai, foi gerado só por uma mãe", explica Chris Michaels, 
herpetólogo do zoo. A mãe de Ganas o concebeu de forma espontânea.
 Esse processo é conhecido como parentogênese, ou literalmente: um 
"parto virginal". É algo que ocorre muito raramente e só produz crias 
masculinas.
 Os dragões de Komodo estão entre os poucos vertebrados que podem chegar a se reproduzir através da parentogênse.
Uma perspectiva matemática
 E isso vale a pena, no sentido evolutivo? Sob essa ótica, qual seria o 
modelo de procriar mais "eficiente"? A partir dos anos 1970, essas 
perguntas relacionadas ao sexo ganharam uma abordagem matemática, diz 
Fry.
 "O grande geneticista e biólogo britânico John Maynard-Smith aplicou a 
Teoria dos Jogos à evolução e concluiu que a existência dos homens 
simplesmente não faz sentido. Procriar homens provoca o desperdício de 
50% dos recursos de uma criatura viva, porque (a maioria delas) não 
consegue produzir descendentes (por si só)", explica.
 A geneticista Aoife McLysaght, especialista nessa questão pelo Trinity 
College (Irlanda), argumenta que, embora haja tantos organismos que 
praticam sexo e se reproduzam, o relacionamento sexual é um dos grandes 
enigmas da biologia e da evolução.
 "Em termos evolucionistas, a forma de ser bem-sucedido é passar seus 
genes a outras gerações. Quando pensamos em reprodução sexual, o que 
estamos fazendo é passando a metade de nossos genes a nossos filhos, que
 terão a outra metade composta de genes de outra pessoa. É um grande 
esforço, e (ainda assim) parecia algo ineficiente", diz McLysaght.
 Ainda não há uma resposta conclusiva para isso, mas sim algumas pistas,
 diz Rutherford. Para entendê-las, precisamos conhecer melhor a 
reprodução assexuada, ou sem sexo.
O que nos ensina um pequeno organismo
 Chris Wilson, pesquisador do Imperial College, no Reino Unido, é um especialista em criaturas diminutas como a
 
  Bdelloidea
 
 .
 Em sua reprodução assexuada, elas criam "filhotes" femininas que são cópias exatas de si mesmas.
 "Isso é duplamente mais eficiente do que produzir machos e fêmeas, 
porque você dispensa o gasto energético depositado na geração de machos e
 tem uma taxa de 100% (de eficiência) no uso da energia para criar 
fêmeas, que por sua vez botarão mais ovos. Assim, quando toda a 
população é capaz de botar ovos, ela é mais eficiente do que quando gera
 machos incapazes de fazê-lo", explica Wilson à BBC.
 Mas essas criaturas assexuadas têm suas próprias ineficiências com as 
quais lidar quando se trata de crescer e se reproduzir, diz o 
especialista.
 Como não há mistura genética na procriação, "todos (os membros da comunidade de
 
  Bdelloidea)
 
 têm as mesmas vulnerabilidades, sobretudo quanto a doenças", explica Wilson.
 "Se um espécime é infectado por um fungo, por exemplo, facilmente vai 
transmitir isso a todas as suas filhas, irmãs e parentes fêmeas porque 
todas são geneticamente iguais. Formam-se epidemias muito rapidamente e 
estas podem afetar a todos os rotíferos dessa combinação genética."
 Eis então um problema fundamental da reprodução assexuada: a menor variedade genética acaba sendo um calcanhar de Aquiles.
 No caso desses rotíferos, uma forma de driblar isso é pela desidratação total. "Quando a população (de
 
  Bdelloidea)
 
 fica totalmente afetada por fungos, consegue perder toda a água de seu 
corpo (...) e mover-se para uma nova área hidratada e voltar à vida - e o
 fungo não consegue segui-la", diz Wilson.
 Os cerca de 50 milhões de anos de existência das
 
  Bdelloidea
 
 mostram que essa tática tem funcionado para elas, mas a maioria das 
criaturas assexuadas são relativamente mais recentes e não duram muito, 
adverte Rutheford. O motivo disso? Justamente sua vulnerabilidade a 
doenças.
A vantagem de ter dois sexos
 É neste ponto que começamos a entender os benefícios biológicos da existência do sexo masculino.
 Se você pudesse se clonar neste exato momento, teria uma população resultante geneticamente idêntica a você, diz McLysaght.
 "Todos os membros (dessa população) são igualmente fortes mas também 
igualmente frágeis. Qualquer debilidade que um tenha, os demais também a
 terão."
 "Algo que já sabemos sobre a forma como o DNA muda é que cada um de nós
 temos cerca de 60 mutações (genéticas) totalmente novas, que não foram 
herdadas de nossos pais. (...) Quando falamos de reprodução sexual, 
falamos de combinar o DNA de dois indivíduos diferentes. Como não se 
trata de 100% de DNA (de nenhum deles), há a probabilidade de unir dois 
genes bons e até mesmo gerar melhoras em relação ao passado e deixar 
males (genéticos) de fora dessa combinação", agrega a cientista.
 Sendo assim, unindo genes tendemos a nos tornar mais resistentes a 
parasitas e doenças e aumentamos a probabilidade de melhorar nossa 
genética.
Por que há dois, e não três sexos?
 No mundo animal, há espécies que têm simultaneamente partes do corpo 
masculinas e femininas, como vermes, lesmas, estrelas-do-mar e mais de 
20 famílias de pequenos peixes. Trata-se do hermafroditismo, que permite
 a geração de gametos masculinos e femininos.
 Há, ainda, o caso de fungos, por exemplo, que têm dificuldades em 
encontrar pares compatíveis para acasalar. E os biólogos descobriram que
 eles aumentaram o número de seus sexos (que os especialistas chamam de 
"tipos de acasalamento", sem a associação típica que fazemos com fêmeas e
 machos) para a casa das centenas, de forma a elevar a chance de se 
reproduzir e propagar seus genes.
 Mas esse é um caso único, o que leva à pergunta: por que na maioria avassaladora da natureza não temos mais de dois sexos?
 Quem responde é Wilson.
 "O problema é que, como já existem dois sexos, é muito difícil para um 
terceiro sexo aparecer e prosperar. Se surgisse um sexo intermediário, 
com quem ele iria acasalar? Já há machos e fêmeas, cada um com seus 
mecanismos específicos de adaptação para maximizar seu sucesso (na 
relação) com o outro. Havendo um terceiro sexo, ele teria dificuldades 
em encontrar parceiros", diz o pesquisador do Imperial College.
 E uma das razões pelas quais nós humanos e outros animais complexos 
gravitamos para a dualidade dos sexos é a dimensão complementar dos 
nossos gametos, ou células reprodutivas - os óvulos (que são as maiores 
células humanas) e os espermatozoides (as menores), prossegue Wilson.
 O esperma e o óvulo proporcionam diferentes imperativos biológicos para
 os machos e as fêmeas: os espermatozoides são rápidos e pequenos, 
enquanto os óvulos são grandes e estáveis. "São como chave e cadeado, 
não requerem peças adicionais", agrega Rutheford.
 Ou seja, não sabemos ao certo por que evoluímos para termos dois sexos,
 mas, uma vez que essa evolução ocorreu, ficou muito difícil sobrar 
espaço para terceiros sexos.
 
 
 
 
 
 
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário