Dólar alto é ruim. Real baixo, nem tanto. Entenda o que fez nossa moeda perder valor, e porque Trump reagiu aumentando tarifas para produtos brasileiros.
Parece um desafio à lógica: se o dólar alto é ruim para o
Brasil, porque é que Trump está bravo? Para quem não viu: hoje de
manhã, ele tuitou que “O Brasil e a Argentina estão promovendo uma
desvalorização maciça de suas moedas, o que não é nada bom para os
nossos fazendeiros. Logo, para efeito imediato, restabeleço as tarifas
sobre o aço e o alumínio que esses dois países exportam para os EUA.”
Opinião política à parte, o único erro técnico do
tweet foi o de trazer a imagem de fazendeiros plantando aço e alumínio.
De resto, é o cara defendendo o dele. Para quem não se dedicou a estudar
economia em algum momento da vida, porém, não é fácil entender. Se toda
vez que o dólar sobe é um Deus nos acuda, porque catzo o Brasil (e a
Argentina) estariam “promovendo desvalorização”?
Primeiro, não tem aspas aí. O Brasil está, sim, forçando uma
desvalorização do real. Seria então um plano maquiavélico de Paulo
Guedes para destruir o País e vender como sucata para banqueiros suíços.
Não. O ato de desvalorizar a moeda é um artifício bem mais
comum em regimes de esquerda – e nada indica que estejamos sob um. Se
você quer entender melhor o que está acontecendo, então, pegue sua
ideologia e deixe num cantinho por enquanto.
Agora, vamos começar pelo começo. A primeira coisa a ser
compreendida é o seguinte: moeda é uma mercadoria como qualquer outra.
Está sujeita à lei da oferta e demanda. Se muitos gringos quiserem
reais, seja para comprar chapa de aço da Usiminas, seja para picotar e
fazer confete (já que as notas são coloridas), o real vai subir de
preço. Seu valor em dólar vai aumentar.
Outra coisa que aumenta a demanda por uma moeda, e o valor
dela, é o preço que o governo cobra por essa moeda. O governo, afinal,
tem um superpoder. Ele fabrica moeda.
Outra coisa que aumenta a demanda por uma moeda, e o
valor dela, é o preço que o governo cobra por essa moeda. O governo,
afinal, tem um superpoder. Ele fabrica moeda.
Fabrica e entrega para você? Não. Fabrica e entrega para os
bancos. Todo final de dia, os bancos do País se reúnem numa mesa
virtual. O que eles fazem lá? Ficam emprestando dinheiro uns para os
outros. Sim, banco também precisa de dinheiro. Às vezes, um está sem
caixa para bancar as despesas do dia e vai pedir emprestado, prometendo
pagar já no dia seguinte.
Nisso, o Bradesco chega lá e pede um zilhão de reais para o
Itaú. Não significa que o Bradesco não tenha essa grana. Ele tem. Mas
fica tudo investido, a maior parte em títulos públicos. E não vale a
pena vender títulos na correria para pagar despesas do dia a dia quando o
caixa está baixo. É melhor usar esses títulos como garantia, e pedir
para o Itaú, pagando um juro pequenininho.
O nome dessa ciranda de empréstimos é “overnight”, justamente
porque os empréstimos acontecem de um dia para o outro. A média dos
juros que os bancos cobram um dos outros nessa roda é algo tão
importante para a economia que tem até um nome: Selic. Você sempre paga
mais do que a Selic nos seus financiamentos, entre outros motivos,
porque não deixa títulos públicos como garantia. Já os outros motivos
são o lucro que o banco tira, claro.
Mas vem cá: você sempre ouviu que a Selic é algo determinado pelo governo, certo? Bom, até é, mas de uma forma bem indireta.
O que o governo faz é entrar na ciranda de empréstimos entre os
bancos. Se o governo quiser baixar a Selic, como tem feito, como ele
opera, então? Ele senta na mesa como se fosse um dos bancos, sob a
alcunha de “Banco Central”, e vai ouvindo a conversa dos outros. Aí o
Itaú pega e cobra 5% do Bradesco. O governo, porém, quer baixar a Selic
para 4,5%. O que ele faz, então? Oferece o mesmo empréstimo para o
Bradesco a 4,5% (essa é a taxa anualizada, ou seja, a porcentagem que o
Bradesco pagaria se ficasse com o dinheiro por um ano; como ele fica só
por um dia, a taxa que ele paga para valer é só uma fração disso).
De onde o governo tira dinheiro para fazer isso? Do Orçamento?
Da saúde? Da educação? Não. Nesses casos, o Banco Central simplesmente
fabrica o dinheiro, pois tem esse poder.
Conforme o Banco Central vai fabricando dinheiro e fazendo seus
empréstimos a juros mais baixos na ciranda do over, ele baixa a Selic
para o patamar que lhe interessa. Com a Selic mais baixa, a tendência é
que todos os juros do mercado baixem também, o que dá uma força para a
economia.
Mas não é só isso que ele faz. Ao baixar a Selic produzindo
dinheiro novo, a quantidade de reais em circulação no mercado aumenta.
Aí a lei de mercado se alevanta de novo: com muitos reais em circulação,
a tendência é que o preço da nossa moeda, em dólar, caia. É igual
tomate: uma safra grande enche as feiras com o vegetal vermelho. Com a
abundância tomateira, o preço dele cai. Com dinheiro é a mesma coisa:
Selic em baixa coloca muitos reais no mercado. E o valor da nossa moeda
cai. Desvalorização.
É igual tomate: uma safra grande enche as feiras com o
vegetal vermelho. Com a abundância tomateira, o preço dele cai. Com
dinheiro é a mesma coisa: Selic em baixa coloca muitos reais no mercado.
E o valor da nossa moeda cai. Desvalorização.
E porque a desvalorização é ruim para o Trump? Porque ela deixa
os produtos brasileiros mais baratos lá fora. A Usiminas vai e exporta
chapas de aço para a Tesla fazer seus carros. Digamos que ela cobra R$ 1
milhão. Com o real desvalorizado, a Tesla vai precisar de menos dólares
para pagar pela mesma quantidade de aço à Usiminas. Nisso, os
produtores de aço dos EUA tomam uma rasteira, já que vão ser obrigados a
baixar seus preços para concorrer – ou talvez nem tenham como concorrer
sem tomar prejuízo.
Existe um outro lado nessa moeda, claro. Se a Usiminas precisar
de uma máquina gringa, vai pagar mais caro, já que o real está
desvalorizado. Quando uma empresa assim já tem sua capacidade instalada,
porém, o dólar caro não é um problema, já que despesas correntes, como o
pagamento de dívidas com bancos brasileiros e os salários dos
empregados são pagos em reais mesmo. É assim que um real desvalorizado
ajuda a economia e cria empregos.
O grande outro lado da moeda é que todos os produtos importados
encarecem. Um deles é o trigo, que em sua maioria vem de fora. O pão
fica mais caro. A carne e a gasolina também. Mesmo que o Brasil tenha
boi e petróleo de sobra, essas duas commodities são cotadas em dólar no
mercado internacional. Como o dólar mais caro, o fazendeiro e a
Petrobras ganham mais exportando do que vendendo aqui. Então só vão
vender aqui para quem topar pagar o mesmo preço que estiver rolando lá
fora. Mais caro.
Por essas, não existe receita mágica. Quando um governo mantém
os juros altos, fazendo rarear a quantidade de reais em circulação, a
moeda brasileira valoriza, e o dólar cai. Nessas horas, porém, o governo
é chamado de “financista”. É acusado de governar para os “rentistas”,
que lucram com os juros altos. FHC e Lula sofreram esse tipo de ataque.
Quando o governo faz o oposto, a acusação é a de que estão deixando “o
povo sem pão” e de “dar dinheiro para banqueiro”, já que são eles que
recebem o dinheiro novo na fonte a juro de pai para filho. É o que Paulo
Guedes ouve.
Dá para pegar e chegar a um meio termo platônico, ideal, em que
ninguém reclame de nada? Não. Essa insanidade eterna é uma das belezas
da economia, a mais exata das ciências humanas, e a mais humana das
ciências exatas.
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