Artigo na Nature revela que vários pilares da estabilidade da Terra – como as florestas equatoriais, o permafrost siberiano e as geleiras do Ártico – estão entrando em colapso simultaneamente. E um amplifica o efeito do outro.
Você sabe bem o que acontece quando enfileiramos um punhado de
peças de dominó e a última delas é derrubada: ela arrasta junto todas as
outras. Quanto mais nosso entendimento em sustentabilidade avança, mais
claro fica que a habitabilidade da Terra funciona como uma gigantesca
fileira de dominós. E vários indícios apontam que não é só uma peça que
ameaça tombar — são nove.
Especialistas de renomadas instituições de pesquisa pelo mundo publicaram nesta quarta (27) na revista Nature
um artigo com a conclusão de que metade dos “pilares” de sustentação da
estabilidade climática global parecem começar a desabar. Cientistas da
área chamam essas “peças de dominó” de tipping points: pontos de ruptura que, se ultrapassados, ameaçam desestabilizar todo o sistema terrestre.
Esse conceito foi criado há cerca de 20 anos pelo IPCC, o
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da ONU. Naquela
época, os pesquisadores achavam que só haveria risco de efeito cascata
caso as temperaturas globais subissem 5°C acima dos níveis
pré-industriais – o que deve acontecer até o final do século, se nada
mudar. É motivo de consternação ver que a situação é mais grave do que
se pensava.
“Não é só que as pressões humanas na Terra continuam crescendo a
níveis sem precedentes”, disse em comunicado o co-autor Johan
Rockström, diretor do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto
Climático. “Também se trata de que conforme a ciência avança, nós
precisamos admitir que subestimamos os ricos do desencadeamento de
mudanças irreversíveis, em que o próprio planeta amplia o aquecimento
global.”
E isso com apenas 1°C de aumento na temperatura. Os nove tipping points
que aparentam ter sido ativados ficam nas geleiras do Ártico, da
Groenlândia e da Antártida, nas florestas boreais, nas correntes do
Oceano Atlântico, na Amazônia, em recifes de corais e no permafrost
(o solo permanentemente congelado do Ártico). São todos elementos
vitais para manter aspectos básicos do nosso planeta funcionando da
forma como funciona hoje.
“Cientificamente, isso fornece evidências fortes para declarar
um estado de emergência planetária, para desencadear ação mundial e
acelerar o caminho adiante para um mundo que possa continuar evoluindo
em um planeta estável”, afirma Rockström.
Mas como é possível que ecossistemas tão diversos e distantes
estejam encadeados numa mesma fileira de dominó? Bem, por maior que a
Terra nos pareça, ela não é tão grande assim.
Muitos dos ciclos e processos que ocorrem em escala regional
afetam o equilíbrio do sistema na escala global. As florestas tropicais,
as boreais e o permafrost, por exemplo, são tipping points especialmente catastróficos. A vegetação, quando queimada, emite CO2 na atmosfera – bem como gelo siberiano, que ao derreter libera gases de efeito estufa que antes estavam retidos no solo. Já
a perda total das geleiras da Groenlândia e da Antártida causaria um
aumento de 10 metros no nível do mar — com danos irreparáveis às
populações costeiras do planeta.
Nem tudo está perdido, contudo.
“É possível que nós já tenhamos passado do limiar para um efeito cascata de tipping points
inter-relacionados”, disse outro co-autor da análise, Tim Lenton, da
Universidade de Exeter, no Reino Unido. “No entanto, a taxa nas quais
eles progridem, e portanto o risco que eles oferecem, podem ser
reduzidos se cortarmos nossas emissões.” No artigo, os cientistas
analisam tal efeito no derretimento das geleiras.
Contendo o aquecimento global a 1,5°C, a perda total das
estruturas e o consequente aumento de 10 metros no nível do mar levariam
10 mil anos para acontecer. Caso a temperatura suba 2°C, a estimativa
cai para mil anos. Nossa única esperança para manter a Terra e a
civilização humana minimamente estáveis é largar de vez os combustíveis
fósseis até 2050. Só assim teremos tempo de nos adaptar para as mudanças
que virão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário