A moeda passa por forte desvalorização. Os brasileiros
deveriam se preparar, porque a situação não é passageira. Ela é sinal de
uma mudança radical na economia – similar à de 25 anos atrás, com o
Plano Real.
Semana passada, Ciudad del Este. Shopping centers como o Monalisa ou o
Paris estão vazios. Até o típico engarrafamento matinal na Ponte da
Amizade, entre Brasil e Paraguai, já se dissolveu no início da tarde.
Assim, tão pouco antes do Natal, a cidade no triângulo
fronteiriço costuma estar lotada. Os brasileiros costumavam comprar
tanto que tinham que se empurrar através das multidões, como num bazar
asiático.
A razão para o marasmo? "O dólar forte!", reclamam os
vendedores e lojistas em uníssono. Primeiro, dizem, a internet arruinou o
comércio, e agora o dólar está acima de 4 reais – nenhum brasileiro vai
ao Paraguai para fazer compras. "Em breve os primeiros shoppings
fecharão", prevê um taxista.
O prognóstico é realista. O governo
do Brasil está deliberadamente permitindo que o real se enfraqueça. Esta
nova política cambial é parte integrante das políticas monetária,
fiscal e econômica do ministro Paulo Guedes. Ele disse claramente que os
brasileiros deveriam se preparar para um real mais fraco por um longo
período. Desde o início do ano, o dólar subiu 15% em relação ao real.
Trata-se
de uma mudança revolucionária para a economia brasileira, e o alcance e
consequências ainda não foram devidamente notados. A economia
brasileira está recebendo atualmente um novo fundamento, comparável, em
seu radicalismo, ao Plano Real de 25 anos atrás. Desde a reforma
econômica de 1994, o Brasil vinha tendo quase sempre um real
sobrevalorizado. Isso agora vai mudar.
Isso é possível porque as
taxas de juros estão mais baixas do que nunca: com uma taxa Selic em
breve na casa dos 4,5% e a inflação de cerca de 3,5%, os mercados
financeiros do Brasil são extraordinariamente estáveis. O Banco Central
não precisa aumentar absurdamente as taxas de juro para conter
uma inflação notoriamente elevada. Durante décadas, as autoridades
monetárias mantiveram a inflação sob controle com taxas de juros de dois
dígitos. Com os juros elevados, o Banco Central retirou dinheiro da
circulação, e a desvalorização abrandou.
A inflação, por outro
lado, é particularmente baixa porque a economia brasileira ainda está
estagnada depois de uma severa recessão. A capacidade industrial é
subutilizada, e o desemprego é elevado. Aumentos gerais dos salários e
dos preços são, por conseguinte, difíceis de se aplicar. As exceções a
essa regra, como o aumento dos preços da carne bovina devido à elevada
procura na China, não mudam nada nesse cenário.
As baixas taxas
de juros são uma das razões de um real mais fraco: os fundos
estrangeiros não estão mais trocando dólares por reais para investir em
títulos brasileiros. Não há mais altas taxas de juros. Então eles
retiram seu capital, demandam menos real, e o valor da moeda brasileira
cai.
Ao mesmo tempo, o fluxo de dólares cai. Por um lado, os
leilões dos campos petrolíferos foram decepcionantes. Os
megainvestimentos esperados e os influxos de dólares não se
concretizaram. Do outro lado, o Brasil está ganhando menos com suas
exportações de produtos agrícolas e matérias-primas para a indústria
devido ao crescimento mais fraco da economia chinesa. Em geral, os
investidores do mercado financeiro estão evitando o Brasil e toda a
América do Sul por causa do baixo crescimento e das tensões políticas.
Para
o governo, a desvalorização do real é útil: por um lado, as exportações
do Brasil se tornarão mais competitivas; por outro, as importações
estão se tornando mais caras, o que funciona como proteção para a
indústria doméstica e o setor de serviços. A desejada abertura da
economia, tal como planeada por Guedes e sua equipe, pode se tornar
politicamente mais fácil de ser alcançada. Com uma participação no
comércio exterior de 25% do PIB, o Brasil é uma das economias mais
fechadas do mundo.
A acusação de Trump de que o Brasil está
ganhando vantagens no comércio com sua desvalorização é, portanto,
parcialmente correta. Que o governo do Brasil está manipulando o câmbio,
como Trump acusa, é errado. O ministro da Economia e o Banco Central do
Brasil só estão deixando o real oscilar em um novo patamar.
Os brasileiros terão que se acostumar com a nova taxa de câmbio. O jornalista Claudio Dantas, do site O Antagonista,
perguntou outro dia a Guedes o que ele aconselharia ao brasileiro que
quer passar o Natal em Miami ou fazer compras por lá. Ele respondeu de
forma seca: "Fique no Brasil!"
Há mais de 25 anos, o
jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo
editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung.
Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em
Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e
Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
______________
Nenhum comentário:
Postar um comentário