Aconteceu com Coreia do Norte, Irã e México. Agora, foi a vez de o Brasil sentir a fúria de Trump em um episódio que trouxe boas lições de política externa
São Paulo – Aconteceu com a Coreia do Norte, com o Irã e com o
México. Nesta semana, foi a vez de o Brasil sentir na pele as ameaças
do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Na última segunda-feira (02), ele acusou Brasil e Argentina de manipulação cambial e anunciou que iria restaurar tarifas ao aço e ao alumínio exportados pelos países, pegando seu aliado, Jair Bolsonaro, de surpresa.
O episódio foi descrito por analistas e a imprensa internacional como uma demonstração de fracasso de um dos pilares da política externa do governo Bolsonaro:
o alinhamento com os Estados Unidos. Trouxe, ainda, lições valiosas
para o governo brasileiro. A maior delas? Tratando-se de Trump, usar o
seu boné de campanha e fazer uma visita à Casa Branca não são gestos
suficientes para blindar o Brasil.
O estilo agressivo do americano ensina que negociar com a sua gestão
não é fácil, ainda que o presidente Bolsonaro alegue ter um canal aberto
com ele. “Trump é coercitivo, sabe identificar as fraquezas do
oponente”, explicou Joshua Sandman, cientista político da Universidade
de New Haven. Essas características deixam claro que o americano
pressionará as vulnerabilidades e até conseguir o que deseja, custe o
que custar.
Nos casos da Coreia do Norte e Irã, por exemplo, a pressão tinha como
objetivo fazer com que os países acabassem com seus programas
nucleares, mas analistas alertaram Trump de que a agressividade dos
tuítes poderia levar a uma guerra. Já no embate com o México, Trump
desejava que o país tomasse medidas para conter o fluxo migratório, sob
ameaça de tarifas que poderiam afetar diretamente os americanos.
Com Brasil e Argentina, importantes aliados dos Estados Unidos na
América Latina, a avaliação é a de que o movimento de Trump teria
relação com questões domésticas a pressão de grupos de interesse. Em
busca da reeleição em 2020, o presidente americano estaria tentando
garantir que sua base eleitoral se mantenha satisfeita.
“Trump construiu uma base forte entre a classe trabalhadora impactada
negativamente pela globalização”, explicou a EXAME o professor Joshua
Sandman, da Universidade de New Haven, “e seu objetivo é reconstruir o
comércio global justamente em benefício desse eleitorado”. Sob a
perspectiva do presidente americano, portanto, não há aliado mais
importante que os seus eleitores. Nem mesmo um fã declarado, como o
brasileiro.
Há, ainda, um ponto delicado, e que é justamente o fato de o Brasil
ter reorientado a sua política externa na direção de uma aproximação com
Trump, mas se viu frustrado pelo desprezo com o qual o americano vem
tratando o país. Embora o caso das tarifas seja o mais recente, há
outros exemplos, como a promessa americana de apoio à entrada do Brasil
na OCDE, que não se concretizou.
“Depois de o Brasil ter feito juras de amor, Trump demonstra um
desprezo quase casual em relação a essa aproximação que o governo
brasileiro tentou consolidar”, notou Carlos Gustavo Poggio, professor de
Relações Internacionais da FAAP, “com isso, ele mostra que, se for
preciso jogar um dos seus principais aliados na América Latina embaixo
de um ônibus, ele fará isso”, analisou Poggio, que é especialista em
política americana.
Na avaliação de Poggio, uma política externa de aproximação com os
Estados Unidos precisa incluir todos os atores do mecanismo de
formulação, como a sociedade, grupos de interesse e o Congresso
americano. Peças que parecem ter ficado de fora do cálculo do governo
Bolsonaro (o qual ignorou, inocentemente, de que acima de amizades há o INTERESSE NACIONAL - e os eleitores sabem muito bem disto).
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