Brasil
Lideranças e ONGs denunciam casos de roubo e vigilância
e alertam contra o aumento das invasões e da violência em terras
indígenas. Grupos condenam prisões injustificadas e veem tentantiva de
intimidação do governo.
Alessandra Munduruku, uma das lideranças mais ativas de sua etnia,
que habita as margens do rio Tapajós, convive há anos com ameaças. Mas o
roubo que sofreu no último sábado (30/11) elevou a tensão: ladrões
arrombaram a casa dela, em Santarém, no Pará, e levaram computador, pen
drives, celular, cartões de memória e relatórios de atividades e
pesquisas do povo munduruku.
Na última semana, eles denunciavam
em Brasília o aumento das invasões de madeireiros e garimpeiros nas
terras indígenas, que ainda aguardam demarcação.
"Estou
preocupada com meus filhos. A gente sabe que corre risco porque faz
denúncias e briga pelo nosso território e pelo rio", disse Alessandra
Munduruku à DW Brasil por telefone.
Ela acredita que os grupos de
invasores que foram denunciados estejam por trás do roubo. "Antigamente
eles tinham medo da represália, da Polícia Federal, do Ibama. Agora
eles não têm mais. A situação piorou. Eles estão atacando e querem nos
eliminar", afirma Alessandra, que deve registrar o boletim de ocorrência
nesta segunda-feira.
Recentemente, a Indigenistas Associados
(INA), associação que reúne servidores da Fundação Nacional do Índio
(Funai), emitiu uma nota alertando para a gravidade de várias medidas
legislativas e administrativas atualmente em elaboração ou implementação
que visam atender interesses de grupos econômicos nacionais e
internacionais sobre as terras indígenas.
A organização denuncia
ainda o aumento das invasões de terras indígenas e da violência
perpetrada por invasores que, segundo a INA, culminou nos assassinatos
do cacique Emyra Wajãpi, em julho, do colaborador da Funai Maxciel
Pereira dos Santos, em setembro, e do guardião indígena Paulo Paulino
Guajajara, em novembro.
Entre diversas organizações não
governamentais que defendem os direitos indígenas na Amazônia, o clima é
de intimidação. Recentemente, uma delas recebeu telefonemas e uma
visita surpresa de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin),
que se disseram interessados em conhecer os projetos da ONG na região. A
informação é da própria organização, que prefere não ter o nome
divulgado.
Há relatos ainda de advertências sobre o uso de
algumas palavras em relatórios de atividades. "Mobilização social", por
exemplo, passou a ser um termo proibido dentro de algumas organizações
que trabalham em projetos em parceria com o governo federal. O uso da
expressão em relatórios seria reprovado pelo governo do presidente Jair
Bolsonaro, segundo afirmou um membro da equipe em condição de
confidencialidade.
Investigação contra ONGs no Pará
Uma
semana depois da ação de policiais na sede do Projeto Saúde e Alegria
(PSA), Caetano Scannavino, diretor e irmão de um dos fundadores da
organização, diz que a situação é a mesma: o grupo continua sem saber do
que é acusado.
Em 26 de novembro, policiais armados levaram
documentos, notas fiscais e computadores da sede da ONG em Santarém com
um mandado policial. "Aquela foi a pior manhã da nossa história. Em 32
anos, nunca passamos por nada parecido", disse Scannavino à DW Brasil.
No
mesmo dia, policiais prenderam quatro brigadistas voluntários de Alter
do Chão, no Pará, acusados de terem provocado incêndios na Floresta
Amazônica para se beneficiar com doações de dinheiro de ONGs. Um dos
voluntários trabalhava no Projeto Saúde e Alegria, organização que já
recebeu vários prêmios por sua atuação na Amazônia.
A operação policial foi duramente criticada por outras entidades e por órgãos como o Ministério Público Federal (MPF), por não apresentar provas contra os acusados.
Neste
domingo, a ONG Repórter Brasil revelou o conteúdo de mensagens de áudio
trocadas entre o prefeito de Santarém, Nélio Aguiar (DEM), e o
governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). Nelas, Aguiar afirma que o
incêndio em Alter do Chão foi causado por "gente tocando fogo para
depois fazer loteamento, vender terreno", e que essas pessoas contam com
o apoio de policiais.
"Eu me solidarizo muito com os meninos
brigadistas", diz Scannavino sobre os voluntários acusados sem provas.
"Menos mal que agora eles estão soltos, mas eles estão muito abalados.
Existe toda uma pressão psicológica, uma humilhação pública. Eles
tiveram a cabeça raspada, os passaportes estão apreendidos", lamenta.
"Foi uma coisa que jamais acontece com um grileiro, ou um fazendeiro,
quando é preso. Mesmo quando a pessoa é culpada com provas cabais."
"'Pirotecnia' para tirar o foco de problemas graves"
Após a devassa policial na sede do Projeto Saúde e Alegria, mais de 200 entidades assinaram uma nota em defesa da organização.
"Esperamos
que essa ação não se trate de mais uma 'pirotecnia' para tirar o foco
dos graves problemas de desmatamento, queimadas, grilagem de terras e
perseguição aos povos tradicionais e agricultores familiares que estão
ocorrendo na região oeste do Pará e em toda a Amazônia e, por outro
lado, proteger os verdadeiros responsáveis por esse grave crime de
degradação sociocultural e ambiental e assim envolver e criminalizar os
movimentos sociais, organizações de trabalhadores agroextrativistas e
ONGs que sempre estiveram ao lado das lutas populares", diz trecho da
nota.
Sobre o caso em Alter do Chão, Scannavino pede que a
sociedade "cobre uma apuração rigorosa dos fatos, com toda a
transparência necessária".
"Num contexto de país polarizado,
clamamos para que as autoridades tenham responsabilidade sobre suas
falas acusatórias para que possam garantir a segurança de todos nós: dos
voluntários, das equipes, dos familiares", alerta o membro do Projeto
Saúde e Alegria.
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