Suzana Herculano-Houzel
Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).
Pesquisa mostra efeito do jejum em períodos noturnos em moscas
Fazer jejum forçado pelas circunstâncias é pavoroso. Mas, na melhor demonstração de que mais de uma coisa boa não é necessariamente melhor, sabemos que comida demais também mata, ainda que de uma maneira mais prolongada, e que expia a culpa do dono do cérebro que comeu. Afinal, não se morre imediatamente após o Menu Refeição cotidiano do MacD, e sim décadas mais tarde, de um ataque cardíaco. Convencido de que estabelecer causa e efeito requer associação temporal imediata, o cérebro, entupido de xarope de frutose e batata frita, segue adiante.
Através de mecanismos que começam a ser compreendidos, a redução da ingestão alimentar, também chamada de restrição calórica, mas que também atende pelo singelo "comer menos", é maneira certeira de estender a duração da vida saudável. Funciona em humanos, macacos, vermes e moscas.
Contudo, "comer menos" é aquilo que todo mundo detesta. Porque moderação sozinha não basta: para a restrição calórica funcionar, é preciso ficar eternamente com uma fominha, uns 20% aquém das calorias usuais.
Eis que surge em cena o jejum voluntário como o salvador dos nossos apetites. Em jejum, o corpo usa predominantemente gorduras como fonte de energia: os pneus vão-se gradualmente embora, o metabolismo fica mais saudável, o cérebro mais acordado. No dia seguinte, dá até para enfiar o pé na jaca —desde que se respeite novamente o jejum a seguir.
O problema é que o tal do jejum intermitente, onde se come por 12 horas depois não, funciona muito bem para alguns, mas não para todos. Por que não?
Um novo estudo feito na Universidade Columbia, em NY, nos EUA, explica, testa variações, e ainda demonstra como a coisa funciona. Usando mosquinhas da fruta de laboratório, que não reclamam da dieta, não escondem bombom debaixo do colchão e não assaltam a geladeira no meio da noite, Mimi Shirasu-Hiza e equipe descobriram que o que importa é adentrar a noite já num estado de jejum, pulando o jantar, e continuar assim até o dia seguinte.
A mágica acontece quando o jejum potencializa algo que já acontece normalmente durante a noite, tanto em moscas quanto em gente: o processo de autofagia celular. O nome é feio e remete a autodestruição, mas o processo é positivo para o corpo, e está mais para reciclagem bacana que de fato diminui a pilha de lixo que se acumula pelas células conforme elas vivem suas vidas.
Usando aqueles truques bacanas de manipulação genética que custam dinheiro que o CNPq não dá e requerem reagentes pacíficos, mas que a alfândega brasileira adora segurar por uns meses, Shirasu-Hiza e colaboradores provam e comprovam que o que o jejum noturno faz pelas moscas é maximizar a reciclagem daquela tralha que se acumula em nossas células ao longo da vida e que, de maneiras ainda não compreendidas, acabam matando a gente.
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