Marcelo Leite
Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)
Corte raso de 13.235 quilômetros quadrados derrubou 2,8 milhões de toras por dia, 32 a cada segundo
Pouco importa se o leitor se incomoda com a destruição da Amazônia, se votou em Jair Bolsonaro ou se considera a crise do clima
uma farsa para impedir o desenvolvimento nacional: entre agosto de 2020
e julho de 2021, cada brasileiro contribuiu com quatro árvores para
dizimar a maior floresta tropical do mundo.
A conta do passivo ambiental per capita é fácil de fazer.
Foram 13.235 km2 de corte raso neste ano, segundo informou o
Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) na quinta-feira (18).
Cada hectare de mata amazônica tem cerca de 600 árvores, o que dá 60 mil
por quilômetro quadrado.
A devastação de 2021, terceiro ano na conta de Bolsonaro, ceifou um
total aproximado de 800 milhões de árvores, ou 3,75 por habitante. Não
acontece só corte raso na Amazônia, porém.
Para cada hectare derrubado se estima que outro tenha sido degradado com
abertura de estradas quase invisíveis para satélites, fogo rasteiro que
adentra a mata e efeito de borda (morte de árvores expostas a fogo,
vento e ressecamento na vizinhança de áreas desmatadas).
É possível que, para cada quatro árvores derrubadas, outra morra no
interior das áreas ainda com cobertura vegetal. Ou seja, 1 bilhão de
árvores mortas só neste ano, 83,3 milhões por mês, 2,8 milhões por dia,
116 mil por hora, 2.000 por minuto, 32 por segundo (ao ler este texto em
voz alta, mais 7.500 estarão no chão).
Isso sem incluir outros biomas também sob pressão, como o cerrado. A
savana brasileira, mais aberta, mas com muitas espécies lenhosas, tem
perdido 7.000 km2 por ano --uma enormidade para área com
apenas metade da Amazônia, onde 50% já caíram sob correntões, fogo,
tratores e patas de bois (na irmã maior, 20%).
Nos três anos de Bolsonaro dominados pelo ministro Ricardo Salles na pasta do Meio Ambiente, a floresta amazônica se reduziu em 34.215 km2, superfície maior que a Bélgica. Se o poste sucessor (Joaquim Leite) preferir, 2 bilhões de árvores.
Comecei a escrever sobre Amazônia em 1988, mesmo ano em que as queimadas
se tornaram tema de debate global e o Inpe passou a publicar
estimativas de corte raso. Foi também o ano em que Chico Mendes foi
assassinado, líder seringueiro que Salles considerou irrelevante.
De lá para cá, foram mais de 470 mil km2 de floresta
devastada. Uma Suécia, ou 28 bilhões de árvores caídas. Para cada
terráqueo vivo, 3,5 delas a menos. É acabrunhante.
Desmate, queimadas e trabalho escravo afetam cadeia da carne
Ficamos atrás dos EUA (20%), China (11%) e Rússia (7%). A diferença:
nesses países, as emissões serviram em geral para desenvolver a
indústria, gerar empregos e melhorar a vida da população.
Por aqui, a destruição da mata atlântica, da floresta amazônica, do
cerrado, da caatinga e do Pantanal tem contribuído só para abrir áreas
de pastagens improdutivas e para enriquecer garimpeiros, madeireiros
ilegais, grileiros e pecuaristas. O povo de quem Bolsonaro gosta e que
vota nele sem pestanejar.
O leitor talvez não se incomode com a destruição da Amazônia,
pode ter votado em Bolsonaro e considerar a crise do clima uma farsa
contra o desenvolvimento nacional. Quem sabe não se importe com as mentiras do governo Bolsonaro em Glasgow nem com a ocultação dos dados do desmatamento antes da COP-26.
Esse é o problema: uma parte considerável do Brasil não tem vergonha na cara.
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