Drauzio Varella
Médico cancerologista, autor de "Estação Carandiru"
Além das vacinas, surgem novos medicamentos promissores contra a Covid-19, como o molnupiravir
Vou dar uma notícia boa, alvissareira, como dizia minha avó: estamos perto de um tratamento precoce para impedir que a Covid se agrave.
Entre nós, o uso político da cloroquina, apresentada como droga milagrosa no combate ao coronavírus, desviou a atenção da possibilidade de surgirem antivirais capazes de evitar que a doença se agrave.
Insistir no famigerado kit Covid, depois que todos os estudos metodologicamente bem conduzidos demonstraram que cloroquina e ivermectina não passaram de tentativas infrutíferas, é coisa de médicos despreparados, gente desinformada ou espertalhões com interesses subalternos.
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Você, caríssima leitora, poderá argumentar que o vírus da gripe está entre nós há séculos, sem que tenhamos antivirais realmente eficazes contra ele. Por que não seria assim com o SARS-CoV-2?
Porque na gripe o quadro já se instala com todos os sintomas —dor de garganta, febre, dores musculares, fraqueza, perda de apetite etc. Os primeiros dias são justamente os piores, você começa a melhorar por conta própria depois do terceiro ou quarto dia, não daria tempo de o medicamento interferir com a evolução.
Já a infecção pelo coronavírus oferece uma janela de oportunidade: a instalação é mais insidiosa, é raro alguém precisar de internação nos primeiros dias. Os sintomas costumam piorar no fim da primeira semana, mesmo nos casos graves. Por falta de uma, surgem agora duas medicações com atividade documentada na fase inicial da doença.
Uma delas é o molnupiravir desenvolvido pela Merck, uma molécula capaz de se incorporar à informação genética do vírus, provocando mutações que interrompem sua multiplicação. No mês passado, a companhia anunciou que um esquema de cinco dias de tratamento, administrado logo após o início dos sintomas, reduz em 50% o risco de hospitalizações.
A preocupação dos especialistas é com a possibilidade teórica de aquisição de mutações que possam facilitar o aparecimento de cepas virais resistentes ou mais contagiosas. Como até o momento não há evidências desse efeito indesejável, o Reino Unido aprovou a indicação do molnupiravir para as pessoas com risco aumentado de complicações da doença. É a primeira medicação oral aprovada para impedir a progressão para as formas graves da Covid.
A outra pertence à classe dos inibidores de protease, drogas dotadas da propriedade de inibir a ação de uma enzima essencial para a multiplicação de diversos vírus, que revolucionaram o tratamento da Aids.
O primeiro ensaio clínico com esse inibidor foi realizado com pacientes não vacinados, em que os sintomas tinham se instalado no máximo havia três dias. Os participantes foram divididos ao acaso em dois grupos: placebo versus cinco dias do medicamento. Todos tinham pelo menos um fator de risco para as formas mais graves da doença.
O grupo de pesquisadores independentes encarregado de acompanhar os dados suspendeu o estudo precocemente, porque os resultados entre os que receberam a droga foram tão superiores que seria antiético prosseguir com ele.
Embora parciais, os números divulgados pela Pfizer são contundentes: das 389 pessoas tratadas a partir dos três primeiros dias da instalação dos sintomas, apenas 3 (0,8%) foram hospitalizadas, contra 27 (7%) no grupo placebo.
Num estudo paralelo, o antiviral foi iniciado pouco mais tarde: nos cinco primeiros dias após o aparecimento dos sintomas. Dos 607 pacientes tratados, apenas 6 (1%) foram hospitalizados, contra 41 (6,7%) entre os 612 do grupo placebo.
No total, ocorreram dez mortes no grupo placebo; zero no grupo do medicamento.
Remédios já aprovados no Brasil contra a Covid-19
Se esses e outros antivirais forem lançados a preços acessíveis, tudo indica que vamos entrar em outra era. A pandemia será controlada quando vacinarmos o maior número possível de pessoas e tratarmos precocemente com medicamentos eficazes as não imunizadas e as que foram infectadas apesar da vacinação.
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