quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Bolsonaro tem prazer com morte e destruição

    Jorge Coli

    Professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”.


    Jorge Coli

    Presidente se realiza com armas de fogo e vibra com extermínio de florestas e indígenas

    "Cherchez la femme", ou seja, "procure a mulher", dizem os franceses quando há algo de inexplicável. "Cherchez l’argent", ou "procure o dinheiro", seria melhor, porque ele é quase sempre o motivo de tudo. Perguntar não ofende: quanto lucra Paulo Guedes permanecendo em seu ministério?

    Bolsonaro é campeão de mentiras. Sua história da vacina associada à Aids é de uma crueldade sem tamanho. Falsa, claro, mas deve colar em alguém, como sua declaração de que a esquerda no Brasil é financiada pelo narcotráfico. Ele não hesita diante de nenhuma balela.

    William Hogarth foi um grande pintor inglês do século 18. Realizou quatro gravuras sobre os estágios da crueldade. Numa delas, mostra meninos furando os olhos de um pássaro e rapazes enfiando uma flecha no ânus de um cão. Crianças gostam de arrancar asas e patas de moscas.

    Leio num velho dicionário: "Crueldade, instinto que conduz a cometer atos desumanos". Porém, a crueldade é humana, muito humana. Felizmente, também temos dentro de nós aquilo que neutraliza os impulsos cruéis e conduz ao prazer da fraternidade e da generosidade.

    A crueldade baseia-se na destruição. A ela se opõe o que agrega e cria. A Antiguidade sabia disso quando opôs eros e anteros. Vênus e Marte. O que aglutina, associa e fecunda e o que agride, destrói e desagrega. No Renascimento, Botticelli e Piero di Cosimo pintaram belas alegorias sobre esse tema.

    Para além das explicações históricas, sociais, econômicas ou psicológicas, permanece a questão metafísica da presença do mal no mundo. Penso em Scorsese, cineasta tão obcecado pela infiltração da maldade entre os homens. Maldade sem causa, pura presença demoníaca.

    Dom Orlando Brandes, arcebispo de Aparecida, disse que pátria amada não pode ser armada. Ele opôs amor e ódio, agregar e destruir. Bolsonaro teve orgulho em responder: "Em nosso governo, [...] alteramos decretos e portarias de modo que a arma de fogo passou a ser uma realidade entre nós".   

    Para além dos interesses próprios ao agronegócio, ele vibra com o processo de extermínio das florestas e das populações indígenas. A guerra deve trazer vertigens lascivas assim: disfarça o prazer do combate, a fúria da destruição, em heroísmo e glória.

    A morte de 600 mil brasileiros por Covid-19 seriam baixas de uma guerra. Essa visão não passa de um álibi, como perdas inevitáveis, o que permite a Bolsonaro excluir toda a culpa. E continuar com seus: Abaixo as máscaras! Aglomerem-se! Viva a cloroquina! E morram, cada vez mais.

    Bolsonaro nega a ciência e tem ódio ao conhecimento. O mal se compraz nas suas certezas. Saber mais significa duvidar, interrogar, coisas nada agradáveis, antes de afirmar. Retirar cerca de 90% das verbas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, acabar com a ciência no Brasil, ao contrário, que intensa volúpia!

    O mal é mesquinho e, mesmo, muito mesquinho. Bolsonaro não tem escrúpulos diante da catástrofe humanitária de grandes proporções ou diante do sofrimento individual. Adora as indignidades, maiores ou menores, como negar a distribuição de absorvente feminino a quem não tem recursos.

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    Eu sou o espírito que sempre nega." Assim se apresenta Mefistófeles, o demônio, a encarnação do mal absoluto, no "Fausto", de Goethe. Execra o sim, o positivo, o que constrói.

    Bolsonaro deixará terra arrasada no fim de seu governo. Pobre de quem o suceder. Pobre Brasil. Pobres de nós.   

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