Por Editorial (Estadão)
São gravíssimas as denúncias de ex-servidores do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
sobre a pressão ideológica para tirar do Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem) questões cujos temas poderiam desagradar ao presidente Jair
Bolsonaro. Ele já criticara o conteúdo da prova e fizera menção de
censurá-la. Na segunda-feira, disse em Dubai que as questões do Enem
começam a “ter a cara do governo”. Um assombro. As revelações
acrescentam mais um capítulo à grave crise em que mergulhou o Inep. Nos
últimos dias, 37 servidores pediram exoneração de cargos estratégicos
por discordar da atual gestão.
Em razão da intimidação, servidores do Inep tiveram de elaborar a prova duas vezes. Um ex-funcionário relatou ao “Fantástico” que mais de 20 questões tiveram de ser excluídas da primeira versão por motivos ideológicos. Temas que abordam o contexto político ou econômico são os mais sensíveis para as patrulhas bolsonaristas. “Esse presidente [Danilo Dupas] (...) está lá porque o ministro da Educação decidiu que seria a pessoa disposta a fazer tudo o que eles queriam: entrar na prova e retirar o que eles acham que o presidente não iria gostar”, disse um ex-servidor.
O conteúdo do Enem sempre foi uma obsessão de Bolsonaro, antes mesmo de assumir. Em novembro de 2018, ele criticou uma questão do Enem que abordava expressões usadas por gays e transgêneros. Prometeu interferir: “Não vai ter questão desta forma ano que vem, porque nós vamos tomar conhecimento da prova antes”. Embora não tenha cumprido a promessa de ver o exame com antecedência, a intromissão continuou. Em janeiro deste ano, se irritou com uma questão que comparava os salários de Neymar e Marta, discussão que veio à tona na Copa do Mundo de futebol feminino em 2019. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, também já deixou clara a intenção de patrulhar a prova.
Outra obsessão dos bolsonaristas que ganha forma é o ensino doméstico, prática que querem importar dos Estados Unidos e costumam chamar pelo nome em inglês, homeschooling. Após meses de negociação na Câmara, o projeto de lei que a regulamenta está para ser votado. As limitações negociadas não a tornam melhor. Exigir que os pais tenham curso superior, que as crianças estejam matriculadas em escolas e que os conteúdos estejam alinhados com a Base Nacional Comum Curricular não resolve o principal problema: o afastamento do convívio social proporcionado pela escola traz prejuízos graves.
Os defensores da ideia deveriam atentar para os efeitos nefastos da pandemia, que manteve as crianças longe da escola. Para não falar no óbvio: a maior deficiência da educação no Brasil nada tem a ver com a pretensa pregação esquerdista que amedronta os bolsonaristas — mas muito com a qualidade sofrível dos professores. Em casa, onde pais não têm nenhuma formação em pedagogia, tende a ser ainda pior.
O governo comete repetidos erros na educação. Depois de um ano e meio de escolas fechadas, os desafios são gigantescos, entre eles trazer de volta os alunos que largaram os estudos. Mas o governo Bolsonaro não parece nem um pouco preocupado com isso. A prioridade é agradar à militância nos cercadinhos do Planalto. Não importa a que preço para o país. A gestão desastrosa na educação não compromete só o presente, mas sobretudo o futuro. Os danos poderão ser irreparáveis.
TAGS:
Nenhum comentário:
Postar um comentário