As visões de dois empreendedores sociais, a partir do Brasil e da Holanda.
O advento da agricultura em escala industrial significou que estamos produzindo mais alimentos do que nunca. Mas agora enfrentamos grandes ameaças ao futuro e à saúde das pessoas e do planeta, muitas delas decorrentes desses métodos de produção. Felizmente, os empreendedores sociais estão encontrando um caminho a seguir. Por exemplo, na Holanda, Geert van de Veer fundou o Herenboeren, um movimento cooperativo para reconectar as pessoas com as fazendas que as alimentam.
No Brasil, Luís Fernando Guedes está trabalhando em novas políticas e na educação de pessoas e obtenção de recursos para a conservação da Mata Atlântica. Ambos trabalham com o conceito de empoderar os produtores, ajudando na implantação de uma estrutura de tomada de decisão que valoriza a saúde sustentada em detrimento da produção de curto prazo. Corina Murafa, que acompanha cerca de 600 soluções de empreendedores sociais da Ashoka, acredita na cura da terra e do planeta.
Corina Murafa: Luís, em poucas palavras, como você vê o momento?
Luís Fernando Guedes: Os sistemas alimentares
estão, globalmente, em uma encruzilhada. Por causa da Revolução Verde,
tivemos grandes aumentos na produção de alimentos. Mas resultou em
consequências ambientais e sociais negativas. Vimos perda de
biodiversidade. Poluição da água e do solo. Emissão de gases de efeito
estufa. Desmatamento. Desigualdades sociais. O resultado desse paradigma
atual é a produção insustentável, doenças devido a alimentos
industrializados processados e insalubres e mudanças dramáticas no uso
da terra, com plantações substituindo os ecossistemas nativos.
Murafa: Como é o caminho à frente?
Guedes: Vejo alguns caminhos que podemos seguir: 1) Manter o sistema atual,
mas melhorar a Revolução Verde incorporando novas tecnologias, como
algoritmos e robôs. Isso resultaria em um sistema agrícola mais
controlado; 2) Reconectar a produção de alimentos com a
natureza, passando do paradigma industrial atual para um biológico que
regenera o meio ambiente e fornece serviços ecossistêmicos. E com os
pequenos agricultores liderando o caminho, aumentamos a equidade. 3) O terceiro é o alimento “artificial”,
que rompe totalmente a conexão entre a produção de alimentos e a
natureza. Os alimentos seriam produzidos em fábricas, sem terra. Qual
será a consequência? Ainda não sabemos — terá um impacto na saúde e na
indústria, pois concentramos ainda mais a produção de alimentos nas mãos
de alguns grandes jogadores. Ou voltamos a produção de alimentos para
um processo biológico que regenera a natureza, em vez de um processo
industrial que destrói a natureza. A agricultura pode nos ajudar a
preservar os sistemas ambientais e a produção de alimentos. É nisso que
estamos trabalhando no Brasil. Portanto, alguns caminhos causarão danos,
enquanto alguns são regenerativos.
Murafa:
Geert, você também está seguindo aquele segundo caminho para regenerar a
natureza. Conte-nos sobre seu trabalho e impacto na Holanda.
Geert van de Veer: Nosso país é pequeno, mas
também somos o segundo maior exportador agrícola do mundo [nota
ForbesAgro: o país utiliza altíssima tecnologia nos seus cultivos, como
batatas, cebolas legumes, além de importar commodities, industrializar e
vender para todo o mundo]. No entanto, no momento, estamos abusando de
nosso solo, sem mencionar a perda de biodiversidade, o desperdício de
água, etc. Mas os agricultores estão presos no sistema, com pouca
escolha para sair. E se os consumidores pudessem ajudá-los? Nosso
exemplo ilustra como isso pode acontecer: projetamos uma fazenda
familiar que pertence conjuntamente a 200 famílias, o que significa 500
pessoas se alimentando diretamente de uma fazenda. O resultado é uma
fazenda diversificada que produz frutas, vegetais, carne, ovos e muito
mais — o espectro completo. Temos 10 fazendas operacionais nesse modelo e
estamos abrindo de 4 a 6 novas fazendas a cada ano. Temos 40 fazendas
em desenvolvimento neste momento, incluindo um total de 10.000 famílias
que estão investindo em sua própria fazenda.
Murafa: E além do rendimento das safras e assim por diante, você vê uma mudança de mentalidade?
Van de Veer: Muito. Reconectar-se com sua
produção de alimentos significa se tornar mais consciente dos problemas e
soluções ambientais e sociais e do papel que podemos desempenhar. As
pessoas que fazem parte das cooperativas estão despertando para ideias
sobre “Como eu faço?,” “Estou fazendo a coisa certa?” Eles nos dizem que
mudaram de sistema porque se reconectaram com a produção de alimentos.
Murafa: Você está descrevendo um modelo alternativo, uma cooperativa. Qual é o papel do lucro nas cooperativas?
Van deVeer: Quando projetamos essa estrutura,
queríamos um sistema sem saídas. Se os acionistas puderem vender suas
ações, o dinheiro será o principal impulsionador, com os valores vindo
em segundo lugar. E queríamos ter certeza de que os valores estariam em
primeiro lugar, valores para a biodiversidade, saúde ambiental e
bem-estar humano. Tentamos trabalhar com a natureza em vez de contra
ela. Olhamos para o nosso trabalho como uma árvore — nenhuma árvore
cresce por toda a eternidade. Uma árvore madura cresce espalhando-se e
replicando-se. Quando estamos projetando sistemas econômicos, tentamos
pensar da mesma maneira. Você pode ser grande sendo pequeno e evoluindo o
tempo todo.
Murafa:
Voltando ao Brasil, Luís, muitos pequenos agricultores estão sendo
deixados para trás. Como você propõe trazê-los de volta ao setor?
Guedes: A raiz da desigualdade é a terra.
Historicamente, a propriedade da terra está muito concentrada entre os
ricos do Brasil. Para quebrar essa desigualdade, os sistemas alimentares
podem fazer uma enorme diferença. Se fortalecermos modelos como o
Herenboeren, que ajuda os pequenos agricultores e os povos indígenas a
participar da produção de alimentos, eles terão mais poder. Para os
milhões de pequenos agricultores que têm terra, mas não têm acesso à
tecnologia, pesquisa, educação, sementes, sistemas de produção —
precisamos de soluções e as políticas públicas têm um papel central.
Murafa: Muitas grandes empresas de
alimentos e agricultores empresariais argumentam que a agricultura em
grande escala é a única maneira de as pessoas se alimentarem. Como você
desafia esses argumentos?
Guedes: Precisamos pensar de forma diferente
sobre como medimos eficiência e custo. Se levarmos em consideração os
custos ambientais e de saúde a jusante, percebemos que a produção em
escala industrial não é tão eficiente quanto parece — nem um pouco, na
verdade. Precisamos ampliar nossa perspectiva para que possamos ver que
nosso sistema atual está causando danos reais — e que temos
alternativas: muitas soluções, como as duas que discutimos hoje, mostram
que é possível ter lucro, saúde, alimentação saudável e produção
sustentável, e funciona.
*Corina Murafa é colaboradora da Forbes EUA. Antes de ingressar na Ashoka, trabalhou para o Banco Mundial, OMV Petrom e Deloitte, além de governos e instituições privadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário