Spoiler: a vegetação é naturalmente propícia a lidar com mutações genéticas, e ainda desenvolve mecanismos para se proteger da radiação
access_time
2 jul 2019, 11h16 - Publicado em 1 jul 2019, 19h13
Quem assistiu à série Chernobyl,
da HBO, pode ter se questionado o que aconteceu com as vegetação local
depois do acidente. Os episódios mostram pessoas queimadas pela radiação
e animais que tiveram que ser mortos por estarem contaminados, mas
nenhuma árvore seca ou murcha, como é típico de filmes apocalípticos.
Não foi falha do roteiro: as plantas de Chernobyl realmente não morreram
com a radiação. E vamos explicar o porquê.
Após o acidente de 1986, foi
criada a Zona de Exclusão — um perímetro de 2.600 quilômetros quadrados
em que a moradia e acesso público são restritos — o que corresponde a
uma área quase tão grande quanto as cidades de São Paulo e Rio de
Janeiro juntas. Essa medida foi necessária para evitar que a população
local tivesse contato com a radiação e pudesse desenvolver câncer
posteriormente. As plantas, por outro lado, não podiam simplesmente
fugir de lá, então precisaram se adaptar.
A radiação emitida por Chernobyl afeta
a estrutura celular dos seres vivos. Algumas dessas estruturas podem se
regenerar, mas não o DNA. Mesmo em doses baixas, a radiação pode causar
mutações genéticas e alterar a maneira como a célula funciona,
tornando-as cancerígenas e fazendo com que elas se multipliquem e se
espalhem pelo corpo.
Os humanos, assim como outros animais,
possuem células com funções muito específicas. As células do estômago,
por exemplo, são diferentes das células do cérebro, e precisamos das
duas para sobreviver. Se um animal sofre uma mutação cancerígena nas
células do estômago, as células do cérebro ou de qualquer outro órgão
não são capazes de se transformar para substituí-las — e aí uma das
funções vitais fica comprometida.
Nas plantas a situação é um pouco
diferente. Suas células possuem, sim, diferenciação entre si — as
células da raiz são diferentes das células da folha, por exemplo — mas
elas são mais flexíveis. De acordo com Stuart Thompson, professor de
bioquímica das plantas da Universidade de Westminster, a maioria das
células vegetais consegue criar tipos diferentes de células, dependendo
do que a planta precisa. Isso explica por que é possível plantar uma
árvore usando tanto uma semente quanto um galho daquela espécie. Dessa
forma, a planta pode substituir células afetadas de maneira bem mais
fácil do que os animais.
A parede celular vegetal também possui
um papel importante na sobrevivência das plantas: ela ajuda a barrar a
disseminação das células mutadas pela radiação. As plantas podem ter
tumores, mas eles não se espalham da mesma forma que o câncer nos
humanos. A parede celular vegetal é bem mais rígida do que a animal,
evitando que o tumor chegue em outros tecidos vegetais.
Como se todos esses mecanismos não
fossem suficientes, as plantas presentes na zona de exclusão de
Chernobyl criaram formas de proteger o próprio DNA da radiação. Elas
alteram o próprio funcionamento químico para se tornarem mais
resistentes e consertarem o dano causado.
Hoje, 33 anos após o desastre, algumas
populações de plantas são maiores do que antes do acidente, devido à
ausência de interferência humana no local. A cidade de Pripyat, na
Ucrânia, é um exemplo disso. A chamada “cidade fantasma”, que fica
dentro da zona de exclusão, foi coberta de vegetação após a saída de
seus habitantes.
A radiação pode, sim, afetar
negativamente as plantas e encurtar seu tempo de vida. Porém, se as
condições externas — água, luz, temperatura e nutrientes — forem
favoráveis e os mecanismos de defesa permitirem, o prejuízo de um
acidente nuclear pode ser menor do que anos de intervenção humana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário