Bolsonaro e Trump enxergam as
relações internacionais como relações pessoais
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William Waack, O Estado de S.Paulo
18 de julho de 2019
Ao
se empenhar em colocar o filho Eduardo como embaixador do Brasil em Washington,
o presidente Jair Bolsonaro decidiu ignorar um dos mais antigos princípios nas
relações entre Estados. É o princípio segundo o qual países não têm amigos, têm
interesses.
Pode-se
discutir as qualificações do indicado ou a falta delas para o exercício do
cargo, a idade ou o fato de ser filho do chefe de Estado, mas não é o que mais
importa. Relevante é algo que o presidente brasileiro destacou ao justificar a
escolha: Eduardo tem acesso direto à família do colega americano Donald
Trump.
Em
outras palavras, relevante para a indicação é a proximidade com uma família
entendida como amiga. Quaisquer que sejam esses laços, a noção de que negócios
de Estado poderiam ser melhor resolvidos na base do entendimento pessoal
expressa desprezo por fundamentos básicos de relações internacionais – além de
pouco apreço pelo “staff” profissional das respectivas diplomacias,
característica comum a Bolsonaro e Trump.
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A
“química pessoal” funciona menos do que se pensa. Tome-se o exemplo recente do
ditador da Coreia do Norte – por quem Trump “caiu de amores”, segundo disse,
mas o baixinho que Trump ridicularizava continua sentado nas suas bombas atômicas.
Ou considere-se a postura de Vladimir Putin, por quem Trump expressou sincera
admiração pessoal – a mais nova versão de um czar russo peita os EUA onde pode,
e está se articulando com a grande rival americana, a China (onde uma espécie
de líder vitalício pensa em sistemas e não em pessoas).
As
relações pessoais entre mandatários do Brasil e dos Estados Unidos já sofreram
grandes oscilações. Ernesto Geisel detestava Jimmy Carter, Fernando Henrique e
Bill Clinton viraram amigos pessoais, Lula não foi muito com a cara de Obama,
mas, à luz da história, o que explica melhor os períodos de maior ou menor
convergência dos interesses de ambos os países são fatores políticos bastante
abrangentes. São a chave para compreender a razão de o Brasil não ter tido nesse
último meio século um duradouro “alinhamento automático” com a política externa
de Washington nem uma duradoura “oposição sistêmica”.
É
para lá de óbvio que nem tudo que agrada ao amigo Trump interessa ao Brasil.
Para ficar com apenas um exemplo, Trump adora a imagem que cultiva de dirigente
dedicado a frear a China (nesse ponto, além da questão pessoal, existe uma rara
coincidência de postura com os adversários democratas americanos). Para o
Brasil, seria um pesadelo ter de escolher lado neste momento na briga dos
elefantes.
É
seguro supor que Brasil e Estados Unidos vão redescobrir convergências em
campos como Defesa e Segurança Hemisférica. O Brasil está fadado a ter de lidar
com a crise da Venezuela, não importa o que pense Trump. E obrigado a modernizar-se
por meio do acesso que conseguir a setores de tecnologias sensitivas –
preparando-se para enfrentar resistências (tradicionais, aliás, não importa
quem é amigo de quem) em Washington.
O
mesmo jogo complexo de interesses contrários e divergências vai prosseguir no
campo do comércio bilateral e mundial, no qual americanos e brasileiros são,
simultaneamente, parceiros e competidores, dependendo do setor e do momento, e
no qual o protecionismo a la Trump, e seu desprezo pelas regras multilaterais,
passa longe do que possa beneficiar o Brasil. São temas que dificilmente amigos
conseguem decidir entre si, por mais sincera que seja a amizade.
As imagens de líderes mundiais se encontrando, seus
cumprimentos, abraços ou caretas e suas poses para as câmeras confundem. Tomado
no seu conjunto, o campo das relações internacionais é, por definição, o campo
da impessoalidade. Os Estados Unidos não são de Trump, nem o Brasil é de
Bolsonaro.
Fonte: Jornal o Estado de São Paulo
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