Coluna Cartas do Rio
A Bacia Amazônica está sendo transformada numa região
econômica em agressiva expansão. Após uma viagem pela Amazônia, fica
claro: o ponto de ruptura está perto, e o Brasil vai perder o seu maior
tesouro, diz colunista.
Estou sentado em um pequeno avião monomotor sobrevoando a Floresta
Amazônica. O voo partiu de Jacareacanga, no sudoeste do Pará, com
destino a Manaus. É o fim de uma jornada de duas semanas pela Amazônia. A
nova Amazônia.
Conheci uma região que está mudando
dramaticamente. Uma região sob ataque – não apenas desde que o governo
Bolsonaro praticamente a liberou para exploração. Há uma dinâmica na
Bacia Amazônica que parece imparável. A lógica de crescimento do
capitalismo devora de todos os lados este ecossistema único e tão
importante. Os sinais são explícitos.
De dentro da aeronave, olho
para a floresta. Repetidamente avisto corredores, que parecem feridas
no meio do dossel florestal. São valas de garimpeiros. De cima, parecem
pequenas, mas seu impacto é grande.
Os garimpeiros trabalham com
mercúrio, metal pesado que causa graves danos ao sistema nervoso humano.
Muitos rios da Bacia Amazônica já estão contaminados com mercúrio. Por
tal razão, o governo colombiano já proibiu a comercialização de certas
espécies de peixes em 2017.
Também no Brasil, o problema é cada
vez mais conhecido. Em Jacareacanga, às margens do Tapajós, missionários
católicos me aconselharam a não comer peixe. Em uma aldeia dos índios
Munduruku, o cacique me disse que o peixe não era mais confiável. Há
casos de intoxicação por mercúrio relatados nas aldeias indígenas mais
remotas, inclusive em crianças.
O paradoxo: os próprios índios
Munduruku operam minas de ouro ilegais em suas terras. Eles afirmam que
precisam de dinheiro para gasolina, roupas, telefones celulares, etc.
Outros grupos indígenas que visitei comercializam ilegalmente madeiras
nobres. São as brutais contradições da nova Amazônia.
Durante
minha viagem, estive na pequena cidade de Creporizão, localizada às
margens do rio Crepori, no Pará. É uma cidade de garimpeiros. Parece ter
saído do Velho Oeste, com bares, prostitutas, hotéis e preços
exorbitantes. Há 30 anos a região era selvagem. Hoje, 5 mil pessoas
vivem em Creporizão, e todos os dias chegam novos aventureiros de todo o
Brasil, fugindo da eterna pobreza e com o sonho de enriquecer
rapidamente.
Visitei uma pequena mina de ouro na floresta. Cinco
homens estavam num buraco de lama e lixiviavam o solo com água. Para
extrair um quilo de ouro da terra, eles precisam de 100 gramas de
mercúrio, dos quais dois gramas acabam no meio ambiente, afirmaram.
Assim, eles contaminam milhões de litros de água. Na Bacia Amazônica
existem milhares de minas como essa.
A maiora dos garimpeiros é
pobre. Os trabalhadores no buraco ganham entre 4% e 5% do lucro final.
Quem enriquece é o dono da mina. Mas esses pobres também são a ponta da
destruição da Amazônia. Onde eles aparecem, logo são seguidos por
madeireiros, fazendeiros e, por fim, a indústria agrícola, com suas
monoculturas que não funcionam sem engenharia genética e centenas de
pesticidas, muitos deles proibidos na Europa.
Creporizão
está localizada no final de uma estrada chamada Transgarimpeira.
Antigamente ela passava pela floresta densa. Hoje passa por pastos e
troncos carbonizados de árvores queimadas. Nos locais onde ainda existe
floresta, repetidamente, noto rastros mata adentro de veículos pesados.
Eles pertencem a madeireiros.
É como em todos os lugares: onde
uma estrada é construída, segue a destruição. Esse é o modelo de
desenvolvimento do Brasil há 500 anos. Natureza e economia são ainda
entendidas como opostas, e não como unidade.
É um pensamento
fatal. Os efeitos já são claramente identificáveis. As secas recorrentes
no sudeste brasileiro são fruto do desaparecimento da mata no norte. Um
estudo de 2016 dos renomados pesquisadores Tom Lovejoy e Carlos Nobre
chega a uma assustadora conclusão. Eles estimam que na Amazônia, com uma
taxa de desmatamento de 20-25%, um ponto de ruptura poderia ser
atingido. Nobre alerta: "A Amazônia não está longe de virar savana."
O
presidente Jair Bolsonaro disse: "Quando estive com Donald Trump,
conversei com ele que quero abrir para ele explorar a região amazônica
em parceria." É o pensamento de um homem do passado. Acredita ainda num
modelo de desenvolvimento destrutivo. Consequentemente, ele retirou
poder do Ibama e do ICMBio e suspendeu ações punitivas contra
madeireiros ilegais. No ICMBio, o comando está agora nas mãos de
militares.
A Transgarimpeira encontra em seu extremo oeste a
BR-163, a rodovia da soja. Nela trafegam colunas quase intermináveis de
caminhões que transportam os grãos do sul para os portos fluviais no
norte. Em alguns lugares, os caminhões atolam no meio da floresta.
Numa
lanchonete, conheço um homem de 55 anos que veste roupas rasgadas e tem
consigo uma bicicleta. Ele disse ser um pequeno agricultor do Mato
Grosso indo para Itaituba, no Pará. Conta que não existem mais terras
para ele no Mato Grosso, o estado está transformando-se num grande campo
de soja. O homem já está pedalando há uma semana. Mais um dia e ele
estaria em Itaituba, onde pretende garimpar. Muito se fala das riquezas
que a soja cria; pouco dos pobres que ela deixa. Admiro a resiliência
desse homem.
Às margens da BR-163 conheço também um criador de
gado, que atendeu em 1975 a um chamado da ditadura militar. Na época, os
militares queriam colonizar a Amazônia. Seu lema: terra sem gente para
gente sem terra. Para eles, os índios não eram gente. Hoje o presidente
Bolsonaro compara os índios a "animais no zoológico".
Naquela
época o homem comprou 113 hectares de terra por 21 cruzeiros. A
propriedade está localizada diretamente na BR-163. Me conta que existem
dias em que é impossível conversar com a esposa no terraço, tamanho o
barulho dos milhares de caminhões que passam por ali.
No início
da minha viagem, estive em Autazes, ao sul de Manaus. É uma região onde
atualmente são criados búfalos. Para suas pastagens, florestas são
queimadas. E, ainda pior: os búfalos ficam nos rios. Eles arrasam o
solo, urinam e defecam na água.
Os indígenas da etnia Mura que
vivem na região dizem que não deixam mais seus filhos entrarem nos rios
devido à poluição. Caso contrário, ficariam doentes. Eles não podem mais
cozinhar com a água, e os peixes estão desaparecidos. Além disso, os
búfalos pisoteiam as pequenas plantações dos Mura. "Estamos cercados",
disse-me um cacique. Por lutar contra a expansão, ele já recebeu ameaças
de morte de um fazendeiro.
No dia seguinte, visitei a
cooperativa dos criadores de búfalos em Murutinga. Seu presidente
afirmou que os índios não são índios de verdade e que são manipulados
por ONGs. Além disso, eles estariam reivindicando terras às quais não
teriam direito. Trata-se de argumentos usados por praticamente todos os
fazendeiros no Brasil envolvidos em disputas por terras com povos
indígenas.
Está comprovado que as reservas indígenas são os
últimos bastiões contra a destruição da Floresta Amazônica. Bolsonaro
prometeu ao agronegócio não demarcar novas reservas indígenas e abrir
áreas de proteção ambiental. Ao mesmo tempo, o Brasil prometeu à União
Europeia (UE) que o país cumprirá, no futuro, os rigorosos requisitos
ambientais do acordo UE-Mercosul. Provavelmente, ele não sabe como
conseguirá agradar a gregos e troianos. Pois não existe uma
Amazônia para inglês ver.
Os números falam por si: somente em
junho deste ano, o desmatamento na Amazônia cresceu quase 60% em relação
ao mesmo período de 2018. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) também apontam que o primeiro semestre de 2019 supera
os índices do ano passado. Os números deste ano até junho são superados
somente pelos de 2016, que registrou os piores índices para o período
desde 2008.
Está claro depois da minha jornada que a Bacia
Amazônica não é mais um paraíso intocado, mas uma região econômica
dinâmica que está se expandindo de forma imparável e agressiva. O Brasil
está perdendo lentamente – mas certamente – um dos seus maiores
tesouros. Todo mundo vai perder com isso.
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Philipp
Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de
Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens
sobre o Brasil e demais países da América Latina para os jornais Tagesspiegel (Berlim), Wochenzeitung (Zurique) e Wiener Zeitung. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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